Cultura popular Caboclinhos Carijós, os mais antigos em atividade no Recife, são homenageados no Carnaval 2017 Agremiação carnavalesca é profundamente ligada à religiosidade indígena e ao culto da jurema sagrada

Por: Isabelle Barros

Publicado em: 04/02/2017 20:04 Atualizado em: 03/02/2017 18:57

Sede do caboclinho, no bairro da Mangabeira, Crédito: Nando Chiappetta/DP
Sede do caboclinho, no bairro da Mangabeira, Crédito: Nando Chiappetta/DP

Manifestação de uma religiosidade ancestral, o caboclinho se tornou parte integrante do Carnaval a partir do século 19, quando descendentes de índios passaram a homenagear a espiritualidade de seus antepassados durante os festejos de momo. Os Caboclinhos Carijós do Recife, homenageados do Carnaval do Recife deste ano junto com o cantor Almir Rouche, são parte integrante desta tradição. Ligada ao culto da jurema sagrada e sincretizada com religiões de matriz africana, a tribo de caboclinhos foi fundada há 120 anos e se tornou uma das guardiãs mais longevas desse saber popular.

A sede dos Carijós, localizada no bairro da Mangabeira, na Zona Norte do Recife, demonstra ao visitante o quanto a tribo exercita sua crença nos arquétipos indígenas e africanos. Bustos de índios se acomodam no local e pinturas de orixás adornam as paredes. Junto delas, está parte da indumentária do Carnaval para os cerca de 200 integrantes. O local também funciona como terreiro e abriga o ateliê de costura onde são feitas as roupas para o desfile oficial da Prefeitura do Recife. “A religiosidade é muito forte. Se não houver essa força espiritual, é muito difícil manter um grupo que luta pela sobrevivência da cultura indígena, da jurema sagrada”, afirma Jefferson Roberto, conhecido como Jefferson Nagô e descendente tanto de negros quanto de índios xucurus.

A escolha dos Caboclinhos Carijós do Recife veio na esteira de uma maior visibilidade dessa manifestação cultural. Em 2016, Naná Vasconcelos convidou, de forma inédita, quatro tribos de caboclinhos para subir ao palco do Marco Zero durante a abertura das festividades carnavalescas da capital pernambucana. Em novembro, o folguedo foi reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil. Este ano, eles se apresentam tanto na abertura, como homenageados, como na terça-feira de Carnaval na Avenida Nossa Senhora do Carmo, no bairro de São José.

O reconhecimento coroa a história da tribo, que começou distante da Guabiraba. O fundador do grupo, Antônio da Costa, decidiu desfilar nas proximidades do Forte do Brum em 5 de março de 1896. “Em uma reunião da jurema, um médium recebeu a entidade do Caboclo Carijós e deixou um recado: um grupo fantasiado de caboclos deveria sair às ruas do Recife. E foi o que aconteceu”, explica Jefferson, de apenas 26 anos e presidente da tribo desde 2011. Do Bairro do Recife, a sede passou para os bairros de Afogados, Água Fria, Alto José do Pinho e, por fim, a Mangabeira. “No fim de 2010, fizemos um culto com os caboclos e eles deram um recado para eu reativar o Carijós, que estava sem sair havia 13 anos. Essa revelação também aconteceu em sonho para o antigo presidente, Manoel da Silva. Assim, assumi o posto”.

Para um caboclinho sair às ruas, é preciso trabalhar o ano inteiro. Imediatamente após o Carnaval, já começa o planejamento do desfile do ano seguinte. A indumentária dos integrantes tem elementos trazidos de São Paulo e do Rio de Janeiro e, além da subvenção da prefeitura, os integrantes colocam dinheiro do próprio bolso. “Um quilo de pluma de avestruz, por exemplo, custa R$ 2500 e essa quantidade não dá nem para uma roupa. Um capacete usado pelos caboclinhos leva três meses para ser feito e, em 2017, serão 50. A parte de trás terá imagens de indígenas pintadas a mão. As lantejoulas são costuradas uma a uma”, detalha Jefferson.

Mesmo com um caboclinho com tantos integrantes, a organização do desfile é objeto de atenção máxima e os ensaios começam ainda em setembro, no meio da rua. Os instrumentos são a gaita, o mineiro ou maracaxá, e o surdo. Eles ditam os ritmos para os dançarinos: a guerra, o perré, o baião e o toré de caboclo. Já as alas são divididas em puxantes, que atuam como abre-alas, os porta-estandartes, os porta-guias, o cordão de caboclos, o cordão de caboclas, o cacique, o pajé, o feiticeiro e os curumins, ou seja, as crianças. “Somos a tribo de caboclinhos com mais títulos e ganhamos no ano passado. Não podemos deixar esmorecer. Fazemos um trabalho social o ano todo com oficinas de dança, instrumentos, de costura, pois nossos integrantes são de comunidades carentes e de bairros vizinhos, como Alto José do Pinho e Bomba do Hemetério”.

Os aspectos religiosos se sobressaem até mesmo na hora de entrar na agremiação. São os caboclos quem dão autorização para ocupar certos cargos, como Jefferson diz ter ocorrido consigo. Para pedir um bom desfile, forças da natureza são evocadas como proteção em matas do Grande Recife. “No dia do Carnaval, fazemos um ritual de purificação antes de saírmos às ruas. Não podemos dar um passo sem a permissão do Caboclo Carijós”.

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