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Entrevista

'Antes de tudo, sou escritor', diz Ignácio de Loyola

Premiado romancista lança livro sobre grupo empresarial do estado e, por tabela, sobre trajetória da família Brennand

Publicado: 11/02/2017 às 14:06

Escritor já lançou mais de 40 livros institucionais. Foto: André Brandão/divulgacão/

Escritor já lançou mais de 40 livros institucionais. Foto: André Brandão/divulgacão/

Escritor já lançou mais de 40 livros institucionais. Foto: André Brandão/divulgacão

 

Com 80 anos de idade e 52 de labuta literária, o escritor Ignácio de Loyola Brandão se acha um pouco parecido com Ricardo Lacerda de Almeida Brennand (1897-1982). Assim como foi o empresário pernambucano, o paulista de Araraquara está sempre em busca de projetos diversificados, como os recentes “shows de literatura e música” realizados ao lado da filha. A comparação não surge à toa: o vencedor do Prêmio Machado de Assis 2016 pelo conjunto da obra acaba de concluir o livro Grupo Cornélio Brennand – Os primeiros 100 anos, cujas páginas narram a evolução dos negócios e a trajetória de integrantes da família pernambucana cujo sobrenome está associada tanto ao empreendedorismo quanto à arte.

Trata-se, portanto, de publicação institucional, com tiragem de 5 mil exemplares a serem distribuídos entre bibliotecas e museus. Não é novidade na bibliografia de Loyola Brandão. Ele já escreveu obras esmiuçando acontecimentos por trás do Teatro Municipal de São Paulo, do carro Romi-Isetta, do Banco Itaú, da vidraria Santa Maria, da indústria Nadir Figueiredo, para citar somente alguns dos mais de 40 exemplos disponíveis.

Quanto à natureza dos projetos, ele não enxerga nenhum demérito: as pessoas retratadas são como personagens, os fatos ajudam a reconstituir histórias das empresas privadas e, mesmo com o compromisso de se manter fiel à realidade, as obras são todas entregues com o toque pessoal do ficcionista. Loyola Brandão é detentor de prêmios literários como o Jabuti de Melhor Ficção (O menino que vendia palavras), o Fundação Biblioteca Nacional de Melhor Livro Infanto-Juvenil (idem) e o APCA de Melhor Romance (O ganhador).

O senhor tem uma vasta experiência em escrever livros institucionais, sob encomenda. São mais de 40. Como enxerga esse ofício?
As pessoas às vezes têm preconceito contra livro institucional. Não tenho nenhum, porque aceito fazê-los quando são projetos sobre assuntos interessantes, fascinantes, quando através desses livros também posso aprender história. No caso de publicações sobre companhias, meus livros vão ajudar a reconstituir histórias das empresas privadas no Brasil. Sempre observo se as pessoas a serem retratadas parecem personagens. Quando me chamaram para fazer o livro sobre [o Grupo Cornélio] Brennand, não aceitei de imediato. Conversei com várias pessoas, fui até o Recife, conheci o lugar, a história. Decidi que era um livro que gostaria de fazer. E o escrevi quase como se fosse romance. É uma obra que coloco na minha bibliografia. Alguns dos trabalhos que faço não entram. Eu respondo por ele, gostei de fazer, percorrer um período de 100 anos da história de Pernambuco, do Recife.

Ao escrever esses livros, o senhor se coloca mais como jornalista, romancista ou como uma combinação dos dois?
Antes de tudo, sou escritor. Apoiado em dados reais tenho que escrever uma história. Essa história não pode ter invenção, imaginação. Não posso inventar diálogos, pensamentos dos participantes, pois são figuras reais. Tenho uma espécie de camisa de força, a do documento histórico. Mas eu coloco meu estilo nesses livros, sempre de maneira objetiva, econômica e muito enxuta. Fazendo o livro, tive muita vontade de inventar, mas não podia. Sou também historiador, de algum modo.

Ricardo Lacerda de Almeida Brennand, fundador do grupo Brennand nos tempos de administrador do Engenho São João. Foto: Arquivo/Cornélio Brennand O que mais te fascinou nos personagens da família Brennand?
O perfil visionário de Ricardo Brennand, que tinha visão das coisas, tinha coragem... Quando percebeu que o açúcar já estava em declínio e não ia dar futuro, que não ia funcionar em um ambiente com muito engenho, muita competição, fechou e mudou. Ressalto no livro que se você mantiver um negócio doente ele contamina os outros. É preciso fazer uma eutanásia nesse negócio. Quando Brennand vai até a Reserva do Paiva comprar uma argila que ele queria, a mulher pediu um preço muito alto. Ele disse: “Não esqueça que o Recife virá para cá no futuro”. Isso foi há 50 anos. E realmente aconteceu. Ricardo tinha características que só o empreendedor tem. Ele vislumbrava uma coisa e ia fazer. Me encantou essa mentalidade para a descoberta, para o dia seguinte, o ano seguinte, o século seguinte.

Que referência possuía dos Brennand antes de se engajar ao projeto?
Antes de escrever o livro, eu sabia apenas do Francisco Brennand, mas fui descobrir que havia toda uma família muito interessante. Tem um momento do livro que acho emocionante... Francisco, filho de Ricardo, sempre gostou de arte, pintura, mas naquela época artista era sinônimo de boêmio, vagabundo, bêbado, romântico. Ainda assim, Ricardo mandou o filho para a Europa para estudar e Francisco teve contato com muitos nomes de grande importância no meio. Era uma pessoa de cabeça aberta, não era um homem da província. Estava na Várzea, mas aberto para o mundo inteiro. Ele disse: “Vai, meu filho. Depois tem esse engenho velho, de São João. Você ocupa isso aí e depois você vai me pagando”. Hoje, o espaço é esse mundo onírico, o mundo de Brennand.

Francisco Brennand em seu ateliê com estudo do mural cerâmico da fachada da IASA Recife. Foto: Arquivo/Cornélio Brennand

É muito comum que escritores se queixem da necessidade de sair em turnê para lançar livros e participar de eventos literários, pois se torna uma rotina cansativa e falta tempo para a atividade principal – escrever. O senhor, por outro lado, parece apreciar, uma vez que costuma participar de muitos eventos. Chega, inclusive, a fazer “shows”.
É uma desculpa... Você tem que viver para escrever, acima de tudo. Eu sou uma pessoa interessada em vida. Interessada no Brasil. Tenho um show de música e literatura. São músicas que me impressionaram durante a minha vida. Fiz um primeiro show e vou fazer um segundo. Estou partindo para um cruzeiro em um navio e vou fazer show lá, com minha filha. Antes, era Roberto Carlos, era Zezé di Camargo que fazia isso. Agora vai ser Ignácio de Loyola Brandão. Isso é novo. Estou com 80 anos e buscando novos rumos. Sou meio parecido com Ricardo Brennand quanto a isso. Nesse últimos anos participei de mais de 200 feiras e festas literárias, tive contato com alunos, professores, bibliotecários. Formar leitores faz parte da minha profissão. As pessoas têm preguiça de sair de casa. Se você tem que escrever, você escreve independentemente de qualquer coisa. Todo dia escrevo das 5h às 10h, quando estou com algum projeto, e à tarde me dedico a crônicas. Não quero deixar a bunda na cadeira nem me acomodar. O bom é que estou vivo. Com toda essa saúde e toda essa loucura. Existe uma mentalidade antiga de que o escritor precisa ficar dentro de um escritório, de um quarto. Não é nada disso. Escrevo no avião, no hotel. Faulkner, por exemplo, escrevia andando a cavalo.

O senhor já falou em algumas entrevistas sobre o medo de ser esquecido, depois da morte, enquanto escritor… Esse ritmo quase frenético é uma tentativa de manter acesa a chama da sua literatura? Garantir que sua obra vai permanecer? Aliás, esse receio de ser esquecido não foi atenuado ao receber o Prêmio Machado de Assis, no ano passado?
Em parte, sim, é para manter essa chama. Os assuntos estão por aí, pelo país, e eu estou em busca deles. Outras vezes não. Às vezes vou só viajar e volto. Com tudo o que li, concluí que você não tem nenhum domínio sobre a posteridade. Você tem grandes autores do passado, como Humberto de Campos, muito popular nos anos 1920, 1930, e que hoje ninguém sabe mais quem são. Nós não temos domínio sobre o futuro. Temos que fazer o presente. Se eu vou ser esquecido, não posso fazer nada sobre isso. Lembro muito de um episódio em que eu havia levado um “pau” de uma revista. Um crítico muito sábio me falou: “Meu filho, daqui a 50 anos, quando você estiver morto, seus amigos estiverem mortos, seus inimigos também, se sua obra for boa, ela permanece”.

O senhor acompanhou muito das mudanças do jornalismo brasileiro, ao passar tanto por redações de jornal mais antigas, inteiramente analógicas, até as contemporâneas, que são bem diferentes. Tem algum palpite sobre qual o futuro do jornalismo, em especial o do jornal impresso?
Vivemos um momento histórico de transição. A velha imprensa de jornal não existe mais. Surge uma nova imprensa digital. Se o jornalista e o jornalismo continuarem investindo na investigação, na busca da verdade, no combate, eles vão continuar a existir dentro do digital. O digital não mata as grandes matérias, os grandes textos, o talento. Vai matar a edição impressa. Por outro lado, nos Estados Unidos, o New York Times está passando por uma revolução. Estão surgindo novos leitores do jornal impresso. Há um fetiche pelo jornal de papel como há pelo livro. Há quantos anos não se fala no fim do livro impresso? Nesse sentido, o jornal é igual à literatura. Pode desaparecer o livro. Não desaparece o talento do escritor. Pode desaparecer o jornal. Não desaparece o talento do jornalista. A chama, o sonho, a loucura, o ideal, a luta por mudar as coisas... Tudo isso permanece.

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