Música Tom Jobim 90 anos: legado marcado por vozes femininas ganha álbum-homenagem Músico é celebrado no disco Danilo Caymmi canta Tom Jobim, lançado nesta quarta-feira (25) nas plataformas digitais

Por: Agência Estado

Por: Larissa Lins - Diario de Pernambuco

Publicado em: 25/01/2017 07:38 Atualizado em: 24/01/2017 17:58

Tom Jobim, bastante interpretado por vozes femininas da MPB, ganha álbum-homenagem de Danilo Caymmi. Foto: Heitor Cunha/DP
Tom Jobim, bastante interpretado por vozes femininas da MPB, ganha álbum-homenagem de Danilo Caymmi. Foto: Heitor Cunha/DP

Nesta quarta-feira (25), dia em que Tom Jobim completaria 90 anos, revisitar sua trajetória musical transpassa a carreira de diferentes vozes femininas da MPB. No país das cantoras, elas têm uma admiração de primeira hora pela obra de Tom. Da era das rádios à nova MPB, intérpretes de diferentes gerações e estilos passaram por esse cancioneiro que alcançou dimensão sagrada.

A partir de 1952, quando conseguiu um emprego de arranjador na Continental, o compositor foi se mostrando aos poucos. Nora Ney, contratada da gravadora, gravou dois anos depois Solidão, parceria com Alcides Fernandes, e O que vai ser de mim, que não ficaram para a posteridade. Dois sambas-canção com letras de dor de cotovelo, ao gosto dos frequentadores dos enfumaçados clubes e boates de Copacabana em que o músico tocava para ganhar um dinheiro a mais.

As pequenas e bem colocadas vozes de Doris Monteiro e Sylvia Telles - esta gravaria um disco só com músicas de Tom num momento posterior, Amor de gente moça (1959) - tentam estabelecer um novo padrão de interpretação em meados dos anos 1950, sem arroubos vocais. Elas têm nas canções de um Jobim pré-bossa-novista, mas já requintado, o veículo ideal para suas intenções. No meio do caminho, há Angela Maria, a cantora mais popular do Brasil, cantando A chuva caiu, uma toada escrita com Luiz Bonfá.

Dolores Duran merece consideração especial: com Jobim, escreveu três canções que alcançaram o status de clássico - Se é por falta de adeus, Estrada do sol e Por causa de você, a única que gravou. Originalmente, teria letra de Vinicius de Moraes. Ao ouvir a melodia tocada por Tom no piano da Rádio Nacional, Dolores escreveu a sua com lápis de sobrancelha e mandou um bilhete ao Poetinha. Tom e Vinicius, na vanguarda comportamental de um tempo em que o meio musical era predominantemente machista, acataram a sugestão.

Mas a voz feminina que alçou Jobim à vanguarda da música brasileira foi Elizeth Cardoso, convidada por Vinicius de Moraes e Irineu Garcia, dono do selo Festa, para gravar o álbum Canção do amor demais, com músicas da frutífera parceria Jobim/Vinicius. É um dos marcos iniciais da bossa nova, ao lado do 78 rotações de João Gilberto com Chega de saudade no lado A. No início dos anos 1960, quando a música brasileira se internacionalizou, a sofisticação harmônica de Tom conquistou Ella Fitzgerald, Sarah Vaughan, Carmen McRae e outras que tinham de domar a potência da voz para passar sem vacilos pela sutileza de suas notas.

Considerada a maior cantora do Brasil, Elis Regina mereceu um presente: tomou para si Águas de março, que chegou pelas mãos de seu diretor artístico Roberto Menescal. Sentiu-se vingada, pois havia sido rejeitada pelo maestro ao se candidatar ao papel de Pobre menina rica, musical de Carlos Lyra e Vinicius, no disco com o registro do espetáculo. "Essa gaúcha ainda está cheirando a churrasco", teria dito ele. Em 1974, conseguiu o que nenhuma cantora de sua geração teve chance até então: um disco com o maestro. Regravada em dueto pelos dois, Águas de março ganhou seu registro definitivo.

Tom emplacou, ainda, dois discos com Miúcha produzidos por Aloysio de Oliveira, o mesmo de Elis & Tom. Se com Elis o maestro reviu sua própria obra, com a irmã de Chico Buarque se sentiu à vontade para tocar piano em canções de autores que vieram antes dele, como Ary Barroso e Custódio Mesquita. O maestro sabia que a voz feminina era a mais adequada para acompanhá-lo, o que se reflete na formação e na escolha da Banda Nova, com vocalistas como Paula Morelenbaum e Simone Caymmi. Ainda em vida, Tom recebeu belas homenagens de Ella Fitzgerald e Joyce, que lhe dedicaram discos. Gal Costa, Claudette Soares e, mais recentemente, Vanessa da Mata e Carminho também fizeram os seus. Outras deverão fazer. O desafio é deixar a bossa sempre nova.



>> Homenagem
A apresentadora Vera Barroso reúne nomes como Roberto Menescal e João Donato para homenagear os 90 anos de Tom Jobim no Sem censura desta quarta-feira (25), às 15h (horário local) na TV Cultura.

>> Cinema
Jobim colocou assinatura de peso em obras como Pluft, o fantasminha, Sagarana: o duelo, Gabriela cravo e canela, Brasa adormecida, Fonte da saudade e A menina do lado, além de um episódio (Final call) do longa Erótique, uma coprodução internacional. Construiu bela e longa parceria entre música e imagem com Paulo César Saraceni. Se deu tanto ao cinema, que o cinema também não se esqueceu de Antonio Carlos Jobim. O grande artista, Brasileiro até no nome, recebeu uma homenagem e tanto de outro mestre, o cineasta Nelson Pereira dos Santos, sob a forma de um dos maiores (talvez o maior) documentário musical já feito neste país. A música segundo Tom Jobim (2012) é um passeio cinematográfico amoroso pela obra do compositor. Nenhuma palavra é dita ou qualquer análise é formulada. Há apenas imagens e sons, com a imensa obra jobiniana sendo exposta em seus desdobramentos pelo país e mundo afora. Vemos imagens da Copacabana dos anos dourados e assistimos a gente como Frank Sinatra, Errol Garner, Ella Fitzgerald, Sarah Vaughn interpretando suas canções.

>> Parceria
Pianista da noite, Tom foi apresentado ao poeta Vinicius de Moraes pelo crítico Lúcio Rangel. Vinicius procurava parceiro para musicar as letras da peça de sua autoria, Orfeu da Conceição, uma ambientação do mito de Orfeu aos morros cariocas. Em estado de perene precisão, Tom teria perguntado a Vinicius: "mas tem um dinheirinho aí?", para constrangimento de Lúcio, que assistia à conversa. A parceria foi selada ali, em encontro no Bar Villarino, no Centro do Rio, e se tornou uma das mais famosas (e produtivas) da música popular brasileira. A peça estreou em 1956 e depois foi transformada em filme por um francês apaixonado pelo Brasil, Marcel Camus. A dupla de compositores gravou LP com o título da peça e uma série de canções importantes, algumas das quais se tornariam eternas, como Se todos fossem iguais a você.

Danilo foi instrumentista da banda de Tom por dez anos e sempre considerou homenageá-lo. Foto: Ana Paula Carvalho/Divulgação
Danilo foi instrumentista da banda de Tom por dez anos e sempre considerou homenageá-lo. Foto: Ana Paula Carvalho/Divulgação
>> Danilo Caymmi faz álbum-homenagem


O músico Danilo Caymmi lança hoje, nas plataformas digitais, o álbum-homenagem Danilo Caymmi canta Tom Jobim (Universal Music, R$ 24,90). Filho de Dorival Caymmi, Danilo foi músico da banda de Jobim por dez anos e decidiu homenageá-lo reunindo suas principais composições, como Ela é carioca, Luiza e Estrada do sol. O álbum chega às lojas em versão física ainda neste mês e deve ganhar turnê pelas principais capitais do país ainda neste ano.

“Esse disco foi gravado há mais de um ano. A princípio, eu não tinha nem pensado nesses 90 anos dele. As pessoas sempre sugeriam que eu fizesse um disco para Tom. Pela nossa convivência, pelo nosso trabalho juntos. Eu conhecia bem ele, os arranjos dele. Os meus amigos me pediam um projeto assim. Eu dizia que ainda não estava na hora. Que não estava na hora, não estava na hora... e agora está”, conta Danilo Caymmi sobre a concepção do álbum.

ENTREVISTA: Danilo Caymmi, músico

Por quantos anos foi músico na banda de Tom?

Durante dez anos. De 1984 a 1994, quando ele faleceu. Enquanto isso, sobretudo nos anos 1990, fui desenvolvendo minha carreira paralela de cantor. Nos anos 1990 eu comecei a ir para a frente do palco.

Como era a convivência com ele?
A convivência com ele era maravilhosa. O aprendizado ao lado de Tom era incrível, ele era um artista excepcional. Mas era incrível também a experiência de vida. Não se pode separar uma coisa da outra. É um homem e sua música. O entendimento, a generosidade dele eram imensos. Posso falar o mesmo do meu pai e de outros grandes artistas. Tom era muito generoso. Era um privilégio a nossa convivência.

Li que foi graças a Tom Jobim que você, já instrumentista, se descobriu cantor. Poderia falar um pouco sobre essa ocasião, essa descoberta?

Foi isso mesmo. Quando ele formou a Banda Nova, Paulo [Jobim, filho de Tom], de quem eu era compadre e amigo de infância, me chamou para a turnê de Tom Jobim pela Áustria. Paulo estava em Nova York, e eu comecei a ensaiar na casa do próprio Tom. Ele me surpreendeu. Ele tinha visto essa minha habilidade sem que eu tivesse me dado conta. Ele revelou a mim mesmo o canto. Me deu dois solos importantíssimos naquele espetáculo, Samba do avião e A felicidade. Acabamos percorrendo o mundo com aquela turnê. Fomos a Nova York, a teatros importantes da Europa, fizemos apresentações marcantes em Los Angeles. Fomos mais de uma vez a alguns desses principais teatros, eram espetáculos de alta classe. Era uma responsabilidade muito grande para mim, uma honra. Comecei a minha preparação vocal naquela fase.

E como se deu essa preparação vocal?
Foi engraçado... fui preparado junto com Simone Caymmi, minha esposa, Ana Jobim, mulher de Tom e Beth Jobim, filha de Tom. Nós seguiríamos com ele para a Áustria e fomos todos preparados juntos. Tom era muito exigente nos vocais. Em todos os arranjos dos discos dele, você percebe essa exigência.

Como foi feita a escolha do repertório do disco?

A escolha foi totalmente afetiva, seguindo critérios totalmente afetivos. Eu queria algo que me proporcionasse um mergulho intenso na música dele. É um disco de intérprete. Eu tive um selo de qualidade nesse disco, não por ser minha irmã, mas sou um grande admirador dela, minha irmã Nana Caymmi. Fiquei honrado de contar com ela dessa maneira. Estou muito contente com o trabalho e com a repercussão dele.

Em linhas gerais, como vê o legado de Tom para a música brasileira, não somente em relação às habilidades técnicas, mas pessoalmente? Que qualidades dele mais merecem homenagem?

Isso é fundamental, essa visão do homem Tom Jobim. Ele era um grande homem. O acolhimento, a generosidade, os ensinamentos. Cabe a nós, a todas as pessoas que trabalharam com ele, preservar seu legado técnico e pessoal. A gente tem uma grande responsabilidade em relação à memória dessas pessoas, pessoas importantíssimas. Assim como fizemos com Dorival Caymmi também, precisamos preservar a memória de Tom.

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