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Televisão Série na Netflix denuncia como uma sociedade doente corrói a vida de adultos e jovens American Crime capta mazelas do convívio no lar, na escola e na comunidade

Por: Tiago Barbosa

Publicado em: 24/01/2017 08:21 Atualizado em: 24/01/2017 11:55

Prática (e negação) do bullying leva jovens a atitudes extremas. Foto: ABC/divulgação
Prática (e negação) do bullying leva jovens a atitudes extremas. Foto: ABC/divulgação


A excelência dramática característica das atuais produções de TV norte-americanas tem transformado a tela em fonte vigorosa de reflexão sobre chagas sociais típicas do país e de outras nações. American crime, série da ABC já exibida no Brasil pela AXN e cuja segunda temporada foi recém-incluída na Netflix, é dos expoentes da safra. O seriado explora dilemas atuais ao analisar como atos extremos (e criminosos) derivam da combinação de episódios pontuais do cotidiano silenciados e estimulados sob indiferença, preconceito ou padrões culturais opressivos.

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A série capta com sensibilidade a origem e o efeito dos fatores de desequilíbrio do convívio para desconstruir paradigmas de vítimas e algozes. Na primeira temporada, o assassinato de um militar e a invalidação da esposa, ambos brancos, são creditados a um usuário de droga negro. O envolvimento dele no crime perpassa a periclitante integração social de duas famílias latinas, às turras com o sonho americano, falta de oportunidades, desestrutura doméstica e sistema prisional degenerativo. O imbróglio racial - calo dos EUA na vida real diante da violência recorrente contra negros praticadas por policiais e da onda xenófoba aos latinos endossada pelo presidente Donald Trump - somado a motivações pessoais turva certezas sobre responsabilidades.

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A segunda temporada parte da denúncia de estupro sofrida por um aluno pobre em festa de atletas de elite de uma escola modelo privada. À busca da mãe por justiça, contrapõe-se a tentativa do colégio de abafar o caso para manter investidores. O confronto entre ricos e pobres é artifício para expor falências da estrutura familiar, falhas do sistema educacional e o fosso de comunicação intransponível entre adultos e jovens. O racismo é exposto da forma menos convencional, através da discriminação involuntária de latinos pelo diretor negro de um colégio pobre.

O êxito de American está em demonstrar o quanto escola, família e comunidade são corresponsáveis pelo destino da juventude quando minoram o diálogo e sufocam o debate sobre temas caros à faixa etária como sexualidade, bullying, discriminação racial e drogas. A omissão coletiva insufla o radicalismo flagrado em massacres como o de Columbine, em 1999 - tipo de matança recorrente nos EUA, mas cujas raízes são irrigadas por disfunções sociais comuns a países como o Brasil.

FOCO
Privilégios para ricos e facetas movediças do racismo desafiam sistema educacional. Foto: ABC/Divulgação
Privilégios para ricos e facetas movediças do racismo desafiam sistema educacional. Foto: ABC/Divulgação

Em American crime, o foco da câmera amplia a percepção sobre os personagens. O recorte visual privilegia o receptor mesmo quando outra pessoa fala. Em uma cena, a inquirição policial é quase narrada em off enquanto as expressões oscilam. Nas instruções para o corpo de delito do estupro, o sofrimento da vítima, em primeiro plano, gera angústia. Criada por John Ridley (Oscar por 12 anos de escravidão), a série tem a segunda temporada ambientada em Indianapolis com parte dos atores da primeira em papéis distintos. O arco narrativo de dez episódios é vital para evoluir a observação sobre os diferentes núcleos da trama até o final em formato de denúncia contra o tratamento dispensado aos jovens nos EUA - e, por que não, fora dele. A terceira temporada da série vencedora de dois Emmys está confirmada.



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