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História Revolução Pernambucana de 1817 inspira artistas a criar obras em homenagem ao movimento libertário Data comemorativa vai ter exposições dedicadas a ela; a primeira é 17 por 12, que entra em cartaz na próxima terça, na Arte Plural Galeria

Por: Isabelle Barros

Publicado em: 07/01/2017 10:53 Atualizado em: 07/01/2017 10:53


Obra de Helder Santos ilustra o mês de fevereiro do calendário comemorativo da Cepe. Clique na imagem e confira a galeria de fotos do calendário.
Obra de Helder Santos ilustra o mês de fevereiro do calendário comemorativo da Cepe. Clique na imagem e confira a galeria de fotos do calendário.


Há 200 anos, Pernambuco exercitou ao máximo seu ímpeto histórico para a revolta. A Revolução de 1817 foi a expressão local das ideias de liberdade, igualdade e fraternidade espalhadas no mundo pela Revolução Francesa. Integrantes do clero, maçons, militares e comerciantes brasileiros, descontentes com o domínio político português, uniram-se para proclamar uma república independente no dia seis de março e, durante 74 dias, a capitania teve constituição própria, liberdade de imprensa e até embaixador nos Estados Unidos. Esse tema, que vem povoando a imaginação de vários artistas, ganha ainda mais relevo neste ano de 2017, quando se comemora o bicentenário da Revolução.

A primeira ação artística do ano, nesse sentido, é a mostra 17 por 12, que vai expor na Arte Plural Galeria, a partir da próxima terça-feira, dia 10, obras inéditas de doze artistas plásticos de várias gerações, pernambucanos ou radicados no Estado. Todos foram convidados pela Companhia Editora de Pernambuco (Cepe) a criar telas ou desenhos inspirados em recortes temporais daquele momento histórico. Entre eles, está a eleição do governo provisório de Pernambuco e o fuzilamento do Padre Roma, um dos líderes revolucionários, além da bênção da bandeira da Revolução, já retratada pelo pintor José Cláudio. Os mesmos trabalhos também ilustram o calendário que será distribuído este ano pela Cepe.

Cada artista ficou encarregado de trabalhar um tema, selecionado por sorteio. O curador da mostra, Raul Córdula, afirma que a iniciativa é uma continuação de uma tradição pictórica local. %u201CA pintura histórica é uma tendência da arte do Recife. Vejamos o mural Batalha dos Guararapes, de Brennand, na Rua das Flores, e o Revoluções Libertárias, de Corbiniano Lins na Praça Abreu e Lima, entre outros. O que é interessante nesta exposição é a diferença de tendências artísticas nos 12 pintores. Além do mais, vão constar da exposição reproduções de três obras de Antonio Parreiras pintadas para o centenário da Revolução Paraibana, em 1917%u201D.

Durante o processo de feitura das obras, os artistas convidados travaram um contato maior com uma história que a maioria deles mal conhecia, assim como boa parte da população pernambucana. Jessica Martins ficou com o tema da liberação dos desfiles de maracatus pelas ruas, antes proibidos pela Coroa Portuguesa. %u201CComecei meu processo de criação remontando ao visual da época, mas não consegui me circunscrever a essa realidade. Meu trabalho é muito colorido, é como se a imagem se dissolvesse. Não quis fazer algo fotográfico, mas mostrar a alegria de quem acreditava na revolução. Não deu certo, mas ao menos houve a tentativa. Na época, como hoje, havia uma forte polarização política e econômica. Os portugueses tinham os privilégios e os brasileiros não tinham valor social, éramos gente de terceira%u201D.

O holandês radicado em Pernambuco Roberto Ploeg, outro artista convidado pela Cepe, reforça o paralelo entre o presente e a História. Sua obra, que ilustra o bloqueio do Porto do Recife pela Marinha Portuguesa, destaca o peso do fator econômico na derrota da Revolução. %u201CO contexto atual faz a gente ver o passado com mais curiosidade. Não sabia bem como pintar esse tema, mas optei por retratar um porto com navios quase em branco, sem poder negociar nada, e, em contraste, mostrar as velas das fragatas e navios portugueses, para simbolizar esse domínio sobre uma economia pernambucana paralisada. Convivemos com isso hoje, com o governo golpista entregando o patrimônio nacional e promovendo a recolonização da América Latina%u201D.

Os desdobramentos finais da Revolução de 1817, com a morte de seus principais nomes, foi o tema abordado por Renato Valle, com um desenho sombrio, feito para ilustrar o fracasso desse projeto de país. %u201CMeu tema, a morte do Padre João Ribeiro, um dos líderes, é muito duro por revelar muito do que nós somos hoje. Pernambuco só mudou em uma coisa: não somos mais um estado revolucionário. O que me chamou mais a atenção foi a crueldade da punição %u2013 a pena de morte. No entanto, o padre cometeu suicídio antes de ser executado. Sua cabeça foi exposta em um pelourinho onde hoje é o Marco Zero, na frente da Igreja do Corpo Santo, destruída para dar lugar às obras de ampliação do Porto do Recife, no início do século 20. As destruições, seja do corpo de alguém ou de um patrimônio, estão arraigadas nas nossa sociedade%u201D.

Além dessa mostra, o Museu da Cidade do Recife vai realizar sua própria exposição de longa duração sobre o tema, que abrirá no dia 5 de março, véspera da data da revolução, em parceria com o Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano. %u201CO museu está bastante comprometido com a data, por ser um local bastante simbólico. Já fizemos uma pesquisa grande com o nome dos presos que ficaram aqui por conta da revolução%u201D. Também está prevista a reedição e o lançamento de várias obras sobre o tema pela Companhia Editora de Pernambuco (Cepe).

Uma revolução desconhecida pelos pernambucanos

Embora os nomes dos heróis e mártires de 1817 %u2013 Cruz Cabugá, Padre Roma, Vigário Tenório, Leão Coroado %u2013 batizem várias ruas recifenses, o movimento histórico ainda é muito pouco conhecido. Esta é a opinião de Paulo Santos, autor do romance A noiva da Revolução, sobre o tema, jornalista e editor convidado do especial Pernambuco: História e Personagens, publicado semanalmente no Diario. %u201CFoi um dos eventos mais importantes da História do Brasil, democrático, republicano, independentista e abolicionista. Oliveira Lima dizia ser esta a única revolução brasileira merecedora deste nome%u201D.

O esquecimento daquele evento histórico, segundo Paulo, se deve à fala de interesse em reavivar sua memória, uma fonte de inspiração para novas rebeliões democráticas. %u201CSomente na República Velha, porque interessava ao regime então vigente, 1817 foi valorizado. O dia seis de março, no centenário da Revolução, em 1917, foi até feriado nacional. O Império, o Estado Novo e o regime militar de 64, porém, empurraram aquele movimento para baixo do tapete.%u201D.

A psiquiatra, historiadora, romancista e integrante do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano Maria Cristina Cavalcanti de Albuquerque também ressalta a importância do evento como simbólico para um ideal de justiça social em Pernambuco. %u201CO movimento buscou isso. Ninguém pensava que a Igreja Católica, com maçons, gestasse um movimento libertário e foi o que aconteceu. Frei Miguelinho imaginava uma sociedade justa, como a Escandinávia de hoje. O modo como o Iluminismo nos iluminou foi fantástico. A Revolução de 1817 não foi bem organizada politicamente nem militarmente, mas, naquele tempo o avanço foi muito grande - ainda hoje é%u201D, afirma.

SAIBA MAIS

No Recife, parte da história da Revolução pode ser contada por meio de monumentos, obras de arte ou prédios públicos espalhados pelo centro expandido da capital pernambucana. Saiba onde encontrar:

Crédito: Ricardo Fernandes/DP
Crédito: Ricardo Fernandes/DP

PRAÇA DA REPÚBLICA
O escultor Abelardo da Hora é o autor do Monumento aos Heróis da Revolução Pernambucana de 1817 (foto), feito em concreto e inaugurado em 1994, por encomenda do Governo de Pernambuco. Foi uma das suas obras públicas destinadas a retratar momentos decisivos da história e personalidades locais, assim como o Monumento a Zumbi dos Palmares, localizado na Praça do Carmo. Na Praça da República, conhecida no passado como Campo da Honra, foram enforcados líderes do movimento como Leão Coroado, Vigário Tenório e Domingos Teotônio.

INSTITUTO ARQUEOLÓGICO, HISTÓRICO E GEOGRÁFICO PERNAMBUCANO
A entidade é a guardiã da espada e dos óculos e lentes de vidro verde que pertenceram a José de Barros Lima, conhecido como Leão Coroado, além de quadros que retratam os comerciantes Domingos José Martins (1781-1817) e Gervásio Pires Ferreira (1765-1838). Outros objetos relacionados à data são o tinteiro e a escrivaninha de Miguel Joaquim de Almeida Castro, o Frei Miguelinho (1768-1817). O instituto também preserva o exemplar do Preciso, único documento impresso pelos revolucionários, documento no qual se detalham as ações a serem realizadas pelo governo recém-constituído, além da prensa usada para imprimi-lo.

CASA DA CULTURA
O pintor pernambucano radicado na França Cícero Dias doou, em 1982, dois paineis à Casa da Cultura, hoje instalados no hall central do equipamento cultural. Eles representam duas revoluções pernambucanas: a Revolução de 1817 e a Confederação do Equador, que martirizou Frei Caneca, participante também da insurreição de sete anos antes.

PALÁCIO DO CAMPO DAS PRINCESAS
Após a restauração do Palácio do Campo das Princesas, finalizada em 2014, é possível ver ainda melhor a beleza dos vitrais da sede do governo, feitos pelo artista Henry Moser. Um deles se destaca por abordar a Revolução Pernambucana de 1817, que inclui o simbolismo da bandeira da revolução. Outro vitral que se impõe no local diz respeito à Proclamação da República.

MUSEU DA CIDADE DO RECIFE
Construído pelos holandeses no século 16 e reformado pelos portugueses no século seguinte, o Forte de Cinco Pontas serviu como prisão para mais de uma centena de revolucionários pernambucanos derrotados em 1817 e em 1824. Na sua parte externa há um monumento marcando o local onde Frei Caneca %u2013 que participou da Revolução de 1817 e, por isso, passou quatro anos preso na Bahia, além de liderar a Confederação do Equador, em 1824 %u2013 foi fuzilado.

Crédito: Ricardo Fernandes/DP
Crédito: Ricardo Fernandes/DP

AVENIDA CRUZ CABUGÁ
Herói de 1817, Cruz Cabugá foi embaixador de Pernambuco nos Estados Unidos, durante a Revolução e o primeiro do Brasil, após a Independência, em 1822. Nessa avenida, ao lado do Cemitério dos Ingleses, na Praça Cívica, há vários painéis em azulejo (foto) feitos em 1967 pelo muralista, desenhista e escultor Corbiniano Lins, em homenagem às revoluções pernambucanas do século 19.

MAIS LINGUAGENS

Além das artes visuais, outras linguagens também tomararam a Revolução de 1817 como inspiração, seja pela literatura ou até por histórias em quadrinhos.

LIVROS



A NOIVA DA REVOLUÇÃO, DE PAULO SANTOS OLIVEIRA
O romance histórico, lançado em 2007, conta dia a dia de 1817 a partir do caso de amor entre o principal líder da Revolução, o brasileiro Domingos José Martins, e a filha de comerciantes portugueses Maria Teodora da Costa. Os dois foram proibidos de ficar juntos pelo pai da moça, que não queria um genro brasileiro. Mas se uniram, num casamento muito festejado pelo povo, que talvez tenha o sido o mais importante, politicamente, já ocorrido no Brasil

HISTÓRIAS QUE NOS SANGRAM, DE GERALDO DE FRAGA
Livro com sete contos lançado em 2009 pelo jornalista Geraldo de Fraga ambienta suas tramas de suspense em Pernambuco, desde 1694 até 1940, usando tanto acontecimentos históricos quanto lendas espalhadas entre a população. O conto Os dentes dos mortos aborda a Revolução Pernambucana e suas manobras políticas, como gatilho para escrever uma história com tintas sobrenaturais.


OLHOS NEGROS, DE MARIA CRISTINA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE
A autora tem oito livros publicados e, neste romance histórico, o fio condutor da narrativa é uma mulher chamada Maricotinha, que vivia em um pouso de tropeiros onde hoje fica o município de Abreu e Lima e foi testemunha ocular da revolução. Em seus capítulos, a pesquisa dos fatos mais importantes do levante se mescla a um perfil dos principais personagens do movimento, entre eles Frei Caneca, Abreu e Lima e Gervásio Pires. A primeira edição saiu em 2009 e uma terceira edição deve sair ainda este ano pelas Edições Bagaço.

HISTÓRIA EM QUADRINHOS

1817, AMOR E REVOLUÇÃO

Graphic novel com roteiro de Paulo Santos de Oliveira e desenhos de Pedro Zenival, conta o que aconteceu em de 1817 de forma romanceada, porém fiel aos fatos históricos. A Cepe a lançará este ano, dentro de um conjunto de obras publicadas em homenagem ao bicentenário da Revolução.

A MORTE E A MORTE DE FREI CANECA - TOMO I: FILHOS DE MARTE
Graphic novel, roteirizada pelo historiador Rodrigo Acioli Peixoto, ilustrada por nove desenhistas e publicada em 2013, se concentra na história do famoso frade pernambucano. A trama mistura realidade e ficção e começa no dia da execução do religioso. Em seguida, o enredo volta para 1817 e esclarece como Caneca se tornou a figura histórica que se conhece hoje.

TEATRO
O NASCIMENTO DA BANDEIRA
O espetáculo, encenado em 2008, baseou-se no livro A noiva da revolução, de Paulo Santos de Oliveira. Escrito e dirigido por Ronaldo Correia de Brito (de O baile do Menino Deus), e classificado por ele como uma %u201Cópera popular%u201D, conta a história da criação da bandeira azul e branca de Pernambuco, que foi o símbolo da Revolução de 1817. A única diferença para a atual está na supressão de duas estrelas, que simbolizavam a Paraíba e Rio Grande do Norte, então ligadas ao nosso estado.

+LANÇAMENTOS
A Companhia Editora de Pernambuco (Cepe) prevê o lançamento ou a reedição de livros relacionados à Revolução de 1817. Um deles é a quinta edição do clássico histórico A revolução de 1817, escrito pelo Monsenhor Muniz Tavares com notas de Oliveira Lima e lançado pela primeira vez em 1917, na ocasião do centenário do movimento. Além desta, há outras publicações no prelo, ainda sem título: uma obra sobre a participação dos frades no levante e um livro com dez ensaios de históriadores do Brasil inteiro, com uma revisão crítica sobre o evento histórico. Ainda este ano, o site da editora vai reunir um arquivo digital com livros sobre o assunto em arquivos do país e do exterior.

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