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Teatro Ilva Niño volta a se apresentar no Recife depois de 53 anos com homenagem ao teatro de revista Atriz, que fugiu no início da ditadura militar e trabalha na Globo, vai encenar o espetáculo Cabaré da Humanidade no Janeiro de Grandes Espetáculos

Por: Isabelle Barros

Publicado em: 11/01/2017 11:12 Atualizado em:

Atriz e diretora, de 83 anos, se apresenta pela primeira vez no Teatro Luiz Mendonça, casa de espetáculos que leva o nome de seu ex-marido. Crédito: Igo Bione/Especial para o Diario
Atriz e diretora, de 83 anos, se apresenta pela primeira vez no Teatro Luiz Mendonça, casa de espetáculos que leva o nome de seu ex-marido. Crédito: Igo Bione/Especial para o Diario

Ao subir no palco do Teatro Luiz Mendonça, na próxima sexta-feira, Ilva Niño terá a tarefa de encarar não apenas a plateia, mas uma parte essencial de seu passado. Pernambucana de nascimento e radicada no Rio de Janeiro há mais de cinco décadas, a atriz, conhecida no país inteiro por seus papeis na televisão, vai apresentar, pela primeira vez, uma peça no teatro que leva o nome de seu ex-marido. Em Cabaré da Humanidade, no qual resgata o teatro de revista, a artista exalta a memória do filho, Luiz Carlos Niño (1965 - 2005) e promete um encontro emocionante entre seu talento e o Recife, cidade que teve de deixar às pressas, contra a vontade, nos primeiros dias da ditadura militar. “Venho feliz, de coração aberto. Tenho 83 anos e tudo isso mexe com o ego. É uma honra, uma alegria e uma satisfação estar aqui”.

Cabaré da Humanidade tem duas apresentações marcadas no Recife, uma na sexta e outra no sábado, pelo Janeiro de Grandes Espetáculos. No musical, Ilva Niño atua em vários personagens - são mais de 40, interpretados por nove atores - e também coassina a direção junto com Josué Soares. A montagem traz, para ela, um componente profundamente familiar. A dramaturgia foi concebida por Luiz Carlos Niño em uma forma de encenação experimentada por Luiz Mendonça ao chegar no Rio de Janeiro. A história traz Lúcifer em uma situação inusitada: expulso por Deus do paraíso, ele desce à terra na Lapa, onde decide montar um espetáculo mambembe no qual aborda os “diabinhos” presentes entre os seres humanos. A peça se passa em um nome sugestivo: o Cabaré de Madame Satã.

Para Ilva, a produção, realizada por sua casa de espetáculos Niño de Artes Luiz Mendonça, é uma metáfora da eterna luta do bem contra o mal. Além da linguagem do teatro de revista, também há uma pincelada de cultura popular. “É um trabalho para fazer pensar, mas com muito colorido e muito riso. Meu filho já havia montado esse texto e não quis tirar a essência da ideia dele. Há ‘diabinhos’ no mundo inteiro. Lúcifer, então, resolve fazer um espetáculo sem dinheiro, pois Deus o deixou sem nada, e começa a contar a história da humanidade, desde os homens das cavernas até as torres gêmeas, citando Cleópatra, Nero, Maria Antonieta e Bin Laden. Há até uma referência ao nascimento de Jesus por meio do pastoril. Lúcifer levou o povo para o espetáculo dele. A história caminha por meio da música e o ritmo é muito rápido. Temos menos de um minuto para trocar de roupa”.

A necessidade de estar no palco, criando, é antiga para Ilva e remonta à adolescência, quando começou a fazer teatro com Ariano Suassuna. Embora tenha nascido em Floresta e morado em Arcoverde até os 16 anos, foi no Recife onde a atriz completou os estudos e desenvolveu sua aptidão para interpretar papeis. Ela foi a mulher do padeiro na primeira montagem do Auto da Compadecida e se envolveu com o Movimento de Cultura Popular (MCP), criado em 1960 pelo então prefeito do Recife e futuro governador Miguel Arraes. Junto com o então marido, Ilva viajava para o interior, fazendo apresentações teatrais em engenhos. "Era fantástico. Convidávamos os camponeses para assistirmos os espetáculos e preparávamos o público para receber Paulo Freire, que vinha com a alfabetização. Havia também campanhas de saúde contra a paralisia infantil e futebol. O MCP era um projeto de cidadania".

Todo esse trabalho foi interrompido em abril de 1964. O MCP foi extinto e a ligação de Ilva e Luiz Mendonça com o movimento os tornavam alvos fáceis para a repressão da recém-instalada ditadura militar. "Estávamos no Cabo de Santo Agostinho, fazendo o espetáculo O Formiguinho, com José Wilker como protagonista. Chegamos em um engenho e encontramos tudo fechado. Voltamos para o Recife, mas tivemos de fugir. Levamos 18 dias para chegar ao Rio. Não tínhamos bagagem, dinheiro, nada, nem o que comer. Tomávamos água de bica. Quando chegamos, nos hospedamos na casa de uma irmã nossa e tivemos o apoio da família, mas procuramos grupos de teatro para trabalhar e todos tinham medo de se ligar à gente".

O início da trajetória no Rio de Janeiro foi acidentado, mas, aos poucos, as oportunidades apareceram. Luiz e Ilva deram aulas de teatro para operários de uma fábrica e, depois, a atriz foi convidada para trabalhar com educação em saúde na Fundação Oswaldo Cruz. Ao ser chamado para a Rede Globo, o dramaturgo Dias Gomes a convidou para a emissora e, a partir daí, a artista foi escalada para uma sucessão de papeis, incluindo a inesquecível Mina, empregada da Viúva Porcina em Roque Santeiro. “Eu e Luiz nos revezávamos em nossos trabalhos. Conciliei teatro, TV e o trabalho na Fundação. Por fora, a gente fazia o que gostava, um trabalho social, de educação”. E mesmo após ter sido perseguida pela ditadura e ter perdido o ex-marido e o filho no mesmo ano, em 2005, a resiliência de Ilva funcionou como bússola para manter sua vitalidade criativa. “Não vejo a experiência do MCP, por exemplo, como um trabalho fracassado. O Cabaré da Humanidade floresceu dele”.

SAIBA MAIS


EM 2017
Este ano, Ilva Niño pode ser vista na televisão em duas produções diferentes: na reprise da novela Cheias de Charme, como a parteira Epifânia, mãe dos personagens Naldo (Fábio Lago) e Socorro (Titina Medeiros), e em Malhação como Damiana, avó da protagonista Joana (Aline Dias). No cinema, está em cartaz no filme Minha mãe é uma peça 2, em uma participação especial.

LUIZ MENDONÇA
Começou como ator de teatro nos anos 50 e participou da primeira montagem do espetáculo O auto da compadecida no Recife. Foi um dos fundadores do Movimento de Cultura Popular (MCP) no Recife e diretor da área de teatro até a eclosão da ditadura militar. Chegou ao Rio de Janeiro e trabalhou tanto com teatro operário quanto com o teatro dito comercial. Revelou vários atores, como Tânia Alves e foi amigo de longa data de José Wilker, que também fez parte do MCP. Foi o primeiro pernambucano a ganhar o extinto Prêmio Molière, o mais importante da época.

MAIS CABARÉ DA HUMANIDADE
Além das apresentações de Cabaré da Humanidade no Recife, a peça vai passar por Caruaru, também pelo Janeiro de Grandes Espetáculos, no dia 18, e por Nova Jerusalém, no dia 20, a convite do casal Robson e Tânia Pacheco. Este ano, a Paixão de Cristo completa 50 anos e Luiz Mendonça foi o primeiro Jesus Cristo da encenação. O diretor e ex-marido de Ilva Niño nasceu em Brejo da Madre de Deus e tinha ligações familiares com os criadores da maior encenação ao ar livre do mundo.

SERVIÇO
Cabaré da Humanidade, do Niño de Artes Luiz Mendonça (RJ)
Quando: Sexta e sábado, às 20h
Onde: Teatro Luiz Mendonça (Parque Dona Lindu, s/n, Boa Viagem)
Ingresso: R$ 60 e R$ 30 (meia)
Informações: 3355-9821


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