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Cinema 'O governo do golpista, do Temer, é um aglomerado de picaretas', diz o cineasta Jorge Furtado, que ganha mostra na Caixa Cultural Boa parte da produção do diretor e roteirista será exibida durante o evento

Por: Breno Pessoa

Publicado em: 13/12/2016 09:00 Atualizado em: 13/12/2016 17:04

Furtado afirma gostar de explorar limites entre ficção e realidade. Foto: Rodrigo Gorosito/Divulgação
Furtado afirma gostar de explorar limites entre ficção e realidade. Foto: Rodrigo Gorosito/Divulgação


Por mais que o atual momento político do país provoque calafrios no cineasta Jorge Furtado, ele não deixa de se encantar pela realidade, que, direta ou indiretamente, é objeto de trabalho ao longo de quatro décadas no audiovisual. A longa trajetória é, também, variada e passa pelo documental e pela ficção, em longas, curtas-metragens e na televisão, seja no roteiro ou na direção.

Confira as exposições em cartaz no Divirta-se

Parte da profícua produção é sintetizada na mostra Palavra em movimento, que a Caixa Cultural (Avenida Alfredo Lisboa, 505, Bairro do Recife) exibe desta terça-feira a domingo. Os ingressos custam R$ 2 e R$ 1 (meia) e poderão ser comprados no dia da exibição, a partir das 10h. Além das sessões de filmes e programas televisivos, a programação inclui duas atividades com a presença de Furtado: um debate no dia 17 e uma master class sobre desenvolvimento de narrativas (18), ambos com entrada gratuita. Em entrevista ao Viver, o diretor e roteirista gaúcho fala sobre as fronteiras entre o ficcional e o real, a política e outros temas.

Entrevista // Jorge Furtado

A mostra na Caixa faz uma retrospectiva da sua carreira no cinema e na TV. Está satisfeito ou ainda falta explorar algo?
Eu sigo trabalhando muito. Desde que a mostra foi apresentada pela primeira vez no Rio de Janeiro (em dezembro de 2014), eu já fiz mais um filme (Real beleza) e três séries para a TV (Doce de mãe, Mister Brau e Nada será como antes). Eu continuo trabalhando muito, como tem sido nesses 40 anos em que escrevo e dirijo. Procuro sempre fazer coisas novas e sigo experimentando. Atualmente estou na edição de um documentário, Primavera das Neves, que fica pronto no ano que vem. O nome é de uma tradutora portuguesa que viveu no Brasil e traduziu quase 80 livros (de autores como Lewis Caroll, Julio Verne, Vladimir Nabokov etc.). Ela teve uma vida de aventuras, fugindo de ditaduras, mas é uma mulher pouco conhecida.

Tem alguma predileção entre o ficcional e o documental?
Sempre fiz as duas coisas e gosto de explorar o limite entre elas. Eu não acho que Ilha das Flores (1989), que sempre chamam de documentário, seja um. Está mais para um ensaio com elementos documentais. Barbosa mistura documentário e ficção científica, por exemplo. Sempre é uma mistura. O limite entre a ficção e a não-ficção é um limite ético e não estético. Um documentário é aquilo que afirmo ser um documentário. Os limites podem ser testados e sempre foram. A diferença é o enunciado, o que o autor afirmar. Gosto de explorar os limites, não tenho uma preferência.

E entre a TV e o cinema?
Os dois têm seus defeitos e suas qualidades. No cinema, você tem a chance de falar para alguém no escuro, por duas horas com atenção total a todas as frases. Qualquer coisinha na tela ou um detalhe no cenário alguém vai ver. Na televisão, é ao contrário, porque, apesar de ser um público gigantesco, é mais desatento, tem um milhão de pessoas lavando louça ou jogando Candy crush enquanto assiste a uma série. Vários de seus filmes têm críticas sociais. O cinema deve ser engajado? Não sei se tem que ter crítica, mas ela está lá. Mesmo que a gente não queira está refletindo sobre o país no cinema. Se quiser entender o Brasil dos anos 1960 e 1970, não basta só o Cinema Novo. Tanto Roberto Carlos em ritmo de aventura (1968) quanto Terra em transe (1967) retratam o país. Às vezes, um filme de ficção, como Todas mulheres do mundo (1966), de Domingos de Oliveira, é um retrato da época e se torna um documentário também. Em meus filmes, percebo certa preguiça, ou estilo, ao trazer humor e certa análise de alguma questão do Brasil e do momento.

Você tem feito nas redes sociais várias críticas sobre o cenário político do país. Consegue ter otimismo?
O governo do golpista, do [Michel] Temer, é um aglomerado de picaretas, a única esperança que tenho é que eles um dia vão passar, mas acho que vai demorar. E claro que o PT tem muita culpa disso, nessa política de alianças. No momento, nenhuma perspectiva positiva, exceto em relação aos jovens estudantes. Eles (os estudantes) foram talvez os primeiros a combater a ditadura militar nos anos 1970 e agora também serão os estudantes que vão acabar com esse golpe parlamentar, de corruptos. Os estudantes e universitários são os mais bem informados, fora da bolha da mídia. Eles estão mais propensos a nadar fora do cardume, normalmente leem fora das letras miúdas.

Você considera que o jornalismo ainda é importante?
No final do século passado, se acreditou que todo mundo virou jornalista, com os blogs e redes sociais. Minha sensação é oposta. Agora, mais do que nunca, se precisa do profissional, que checa a fonte. O (jornalista) Mino Carta cita no filme O mercado de notícias uma frase da (filósofa política) Hannah Arendt: "Não há esperança de sobrevivência humana sem homens dispostos a dizer o que acontece, e que acontece porque é". E o jornalista tem que dizer o que aconteceu, porque a verdade é subjetiva, mas ela tem fatos objetivos. É o jornalista que busca a verdade, mesmo que não encontre, ele procura, ao contrário de mim, que faço ficção.

[Destaques da programação

Dia 13 (18h30) O homem que copiava
Segundo longa dirigido por Furtado, ganhou seis troféus no Grande Prêmio Cinema Brasil, incluindo nas categorias Melhor Diretor, Melhor Filme e Melhor Montagem.

Dia 14 (15h) Meu tio matou um cara
Com roteiro escrito em parceria com o pernambucano Guel Arraes, o filme, protagonizado por Lázaro Ramos e Darlan Cunha, tem o ritmo rápido das produções assinadas pelo diretor e humor com crítica social. 

Dia 15 (14h30) Luna Caliente
Um dos expoentes da trajetória de Furtado na TV, a minissérie tem roteiro assinado também por Giba Assis Brasil e Carlos Gerbase. A trama adapta novela homônima do argentino Mempo Giardinelli. 

Dia 16 (15h) A comédia da vida privada: episódio Apenas bons amigos 
Adaptação da obra do pernambucano Nelson Rodrigues, a série da Globo contou com a participação de Furtado nos roteiros e na direção artística. A direção geral ficou a cargo de Guel Arraes. 

Dia 17 (16h30) Ilha das Flores
Considerado um dos cem melhores filmes nacionais de todos os tempos pela Associação Brasileira de Críticos de Cinema, o curta mistura ficção e realidade em narrativa sobre desigualdades sociais. Às 18h, Jorge Furtado participa de debate sobre o cenário jornalístico e o processo de pesquisa no documentário O mercado de notícias. Gratuito, com distribuição de senhas a partir das 17h30. 

Dia 18 (14h-17h) Master class
Ao longo de três horas, o cineasta vai falar sobre a trajetória, as estratégias narrativas e as influências literárias e cinematográficas na produção de filmes. As senhas serão distribuídas uma hora antes do evento.

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