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Música Liniker, Ney Matogrosso e nomes da MPB gravam néditas de Adoniran Barbosa Sambista é homenageado no disco Se assoprar, posso acender de novo, recém-lançado

Por: Larissa Lins - Diario de Pernambuco

Publicado em: 08/12/2016 11:21 Atualizado em: 09/12/2016 12:00

Adoniran deixou músicas inéditas para trás, compostas nos últimos anos de carreira. Foto: Reprodução da internet
Adoniran deixou músicas inéditas para trás, compostas nos últimos anos de carreira. Foto: Reprodução da internet

No início dos anos 1970, Adoniran Barbosa dizia já ter sido uma brasa: “E hoje, o que é que eu sou? Quem sabe de mim é meu violão”, cantou em Já fui uma brasa, registrada no LP Adoniran Barbosa (1974). Aqueles eram os últimos anos de carreira dele - compositor de clássicos como Trem das onze (Adoniran Barbosa) Samba do Arnesto (Adoniran Barbosa e Alocin) e Tiro ao Álvaro (Adoniran Barbosa e Osvaldo Molles) -, e a Jovem Guarda dominava as rádios com o iê-iê-iê, enquanto a Saudosa maloca parecia esquecida.

Adoniran peregrinava entre bares e rádios durante as manhãs e passava as tardes no sofá da Rádio Eldorado, em São Paulo. Tocava violão, brincava com os funcionários, recebia jornalistas para conceder entrevistas, falava sobre o apagar da própria chama. Quando sozinho, continuava a compor. Escreveu naquela fase as músicas reunidas no recém-lançado Se assoprar, posso acender de novo (Novodisc Midia, R$ 37,90 CD + DVD), inéditas até este ano, mais de três décadas após a morte do compositor.

“Foi a busca por aquele sofá que nos levou às composições. As pessoas perguntam se os escritos estavam dentro do sofá da Eldorado... Não estavam. Mas foi um dos diretores da rádio quem nos revelou a existência deles”, conta o produtor musical Lucas Mayer, encarregado de dar vida nova às canções. À frente da descoberta, estava o produtor de cinema Cassio Pardini, o primeiro a por as mãos nas raridades: ele investigava o passado de Adoniran para um longa documental, desdobramento do curta Dá licença pra contar (2015), com Paulo Miklos (Titãs) no papel de Adoniran. Na Eldorado, ao saber da existência das letras nunca antes musicadas, Cassio contactou Mayer e lhe sugeriu o resgate em CD e DVD.

Foram recuperadas 14 partituras inéditas, a maior parte delas resgistrada em guardanapos, recortes, pedaços de papel. “Decidimos gravar tudo em voz e violão, para entender melhor as músicas. Depois, as oferecemos a diferentes artistas da MPB”, lembra Lucas Mayer, que diz ter ouvido recusas de nomes como Chico Buarque, Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Caetano Veloso.

Ney Matogrosso, Fernanda Takai e Liniker estão entre os convidados do projeto de resgate das composições de Adoniran. Fotos: DaFne Music/Divulgação
Ney Matogrosso, Fernanda Takai e Liniker estão entre os convidados do projeto de resgate das composições de Adoniran. Fotos: DaFne Music/Divulgação

“Demônios da Garoa, Céu e Maria Gadu também não puderam participar. Mas nós queríamos essas negativas, esse outro lado. Isso rendeu material para o documentário de Cassio, que deve ser lançado no ano que vem, e nos deu a dimensão da importância de Adoniran. Mesmo ao dizerem não, grandes vultos da MPB o elogiavam, justificavam com cautela a ausência, encorajavam o projeto”, conta o produtor de Se assoprar.

Expoentes de diferentes vertentes e épocas da música brasileira, Ney Matogrosso, Fernanda Takai, Liniker, Criolo e Simoninha estão no disco, abençoado pela filha de Adoniran, Maria Helena Rubinato. Os versos do sambista ganham nova roupagem, do tango de Ney Matogrosso em Passou (Adoniran Barbosa e Pepe Avila) ao maracatu de Guri e Gero Camilo em Procissão de amor (Adoniran Barbosa e Pepe Avila).

As faixas contêm, como era praxe no repertório do músico, crônicas do cotidiano, cenas da rotina na cidade grande. Os mais atentos poderão ouvir, inclusive, uma lotação percorrendo as ruas de São Paulo, cruzando os bares, parques e outros cenários onde as músicas se ambientam. Foi na mosca, Receita de pizza, Naquele tempo, Encalacrado e O mundo vai mal estão no álbum, cuja turnê de lançamento está prevista para o ano que vem.

>> TRÊS PERGUNTAS: Markus Thomas, arranjador do disco e instrumentista da banda base das gravações


Como se deu, musicalmente, o trabalho de entregar as músicas de Adoniran nas mãos de outros artistas? Tentaram preservar um padrão de sonoridade?
Nossa ideia era mostrar a música ao artista e dizer: ‘Esse é Adoniran. Como você interpreta o que ele está dizendo?’, a fim de lançar nova luz sobre as crônicas dele do dia a dia, da cidade, das coisas simples. Resolvemos conduzir o disco dessa maneira a partir da interpretação de Ney [Matogrosso] para Passou. Ele disse que queria uma versão muito mais lenta, com maior carga dramática. E conseguimos. Entendemos que cada artista convidado deveria absorver Adoniram para o seu próprio trabalho, sua bagagem. Adoniran era um artista extremamente criativo. Se nos limitássemos ao samba, iríamos de encontro ao perfil inventivo dele. Foi uma decisão acertada, essa de lidar com um patrimônio antigo de inéditas dando vida às canções de forma muito atual.

Há um gênero musical predominante?

O samba ainda é predominante. Metade do disco é de sambas. São seis sambas clássicos e seis sambas canção. O disco é muito harmonioso, a relação entre as faixas é muito gostosa, um resultado orgânico, harmonioso e verdadeiro.

E como vai funcionar a turnê de lançamento pelo país?

Começamos os ensaios neste mês. Como há uma grande lista de artistas, cada um deles com sua agenda de compromissos, será difícil reunir todos sobre o palco. Então, vai funcionar assim: teremos uma banda base montada, que vai ensaiar todas as músicas do disco, se afinar... e essa banda base será a espinha dorsal da turnê. Os artistas se revezarão. Se [Fernanda] Takai puder subir ao palco num dos shows, por exemplo, ela vai... se outro artista puder, ele vai. Como eu gravei todas as músicas antes de as colocarmos no disco, me sinto à vontade para cantá-las nos shows. Confesso que me parece até um pouco cruel, porque eu fico querendo cantar todas as músicas. Mas, claro, haverá participação dos artistas que gravaram o álbum nos estúdios, dentro das possibilidades deles. As datas e locais ainda estão sendo negociados. 

>> CINEMA
Produzido por Cassio Pardini, um longa documental sobre a trajetória de Adoniran Barbosa está sendo produzido e deve ser lançado em meados de 2017. A ideia surgiu a partir do curta Dá licença pra contar (2015), estrelado pelo músico Paulo Miklos (Titãs), com o encorajamento de Maria Helena Rubinato, filha de Barbosa. O filme deve reunir, entre outros materiais, gravações de bastidores do disco Se assoprar, posso acender de novo (2016). Em paralelo, está em fase de articulação e captação de recursos um longa metragem funcional, também dedicado à memória de Adoniran. Este último não tem previsão de lançamento, mas Ney Matogrosso seria um dos nomes confirmados para o elenco da trama.

>> ELAS INTERPRETAM

Sambistas pernambucanas comentam suas músicas preferidas de Adoniran Barbosa e por que elas são as mais marcantes.

Adriana B. é admiradora do legado de Adoniran Barbosa. Foto: Betto Souza/Divulgação
Adriana B. é admiradora do legado de Adoniran Barbosa. Foto: Betto Souza/Divulgação
Adriana B. >>> Samba do Arnesto

O Arnesto nos convidou
pra um samba, ele mora no Brás
Nós fumos, não encontremos ninguém
Nós voltermos com uma baita de uma reiva
Da outra vez, nós num vai mais

“Adoniran foi um gênio, essa música é uma de suas preciosidades. Numa época em que viver de samba era coisa de ‘malandro’, ele resistiu. Nas minhas pesquisas sobre o tema, ouço falar muito sobre o Bar do Arnesto, que inspira essa letra. Foi lá que houve uma discussão marcante envolvendo muitos sambistas, inclusive Adoniran e Vinícius de Moraes. O debate girava em torno do samba do Rio de Janeiro e versus o samba de São Paulo. E a coisa esquentou. Vinícius disse: “Vamos embora, que São Paulo é o túmulo do samba”, e fez-se silêncio. Arnesto foi palco de muitas reuniões de ícones daquela época. Entre eles, estava o mito Adoniran Barbosa.”

Dona Selma do Samba, expoente do samba em Pernambuco, se inspira com Iracema. Foto: Peu Ricardo/DP
Dona Selma do Samba, expoente do samba em Pernambuco, se inspira com Iracema. Foto: Peu Ricardo/DP
Dona Selma do Samba >>> Iracema

Iracema, eu nunca mais que te vi
Iracema meu grande amor foi embora
Chorei, eu chorei de dor porque
Iracema, meu grande amor foi você

Iracema, eu sempre dizia
Cuidado ao travessar essas ruas
Eu falava, mas você não me escutava não
Iracema você travessou contra mão


“Iracema é minha música preferida dele, é a mais bonita. Trem das onze, mais conhecida, só fez sucesso na voz de outras pessoas. A verdade é que não deram valor a Adoniran em vida, ao trabalho dele como compositor. Ele morreu pobre. Ganharam os outros, que gravaram suas canções. E ele deixou verdadeiras pérolas. Soube que ele fez a música Joga a chave porque, como boêmio que era, ficou trancado do lado de fora de casa, numa noite em que a esposa dele se invocou com aquela boemia... Ele foi um compositor maravilhoso, muito importante para todos os sambistas. Iracema é a música que mais me toca, é muito bonita.”

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