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Artes visuais 'Devem pensar que sou louco', diz Francisco Brennand, que lança seus diários neste sábado Artista visual mostra ao público escritos feitos desde 1949, com pensatas e considerações sobre a vida e sua arte

Por: Isabelle Barros

Publicado em: 03/12/2016 08:45 Atualizado em: 02/12/2016 15:44

Francisco Brennand, 89 anos, em sua oficina no bairro da Várzea. Crédito: Paulo Paiva/D.P/D.A Press
Francisco Brennand, 89 anos, em sua oficina no bairro da Várzea. Crédito: Paulo Paiva/D.P/D.A Press

A Oficina Francisco Brennand, no Bairro da Várzea, se ergue, imponente, como um portal para o mítico nas bordas da cidade do Recife, vizinho a um braço do Capibaribe tomado pelo verde. Seu dono e senhor, o artista plástico Francisco Brennand, de 89 anos, o guarda desde 1971 com o empenho que o próprio nome do local já deixa entrever. A etimologia da palavra oficina diz respeito ao “lugar de trabalho”, “lugar do fazer”, algo que ele aplica todos os dias à sua arte, seja na pintura ou na cerâmica. Desta vez, no entanto, não é o seu talento pictórico que chama a atenção, mas o lançamento de seus diários, reunindo trechos comentados de sua vida e pensatas sobre variados temas, principalmente os artísticos. Os quatro volumes são divididos por datas e serão apresentados ao público pela primeira vez neste sábado, em evento para convidados na própria oficina, a partir das 16h. O valor por toda a caixa é de R$ 100.

A erudição de Brennand e sua inclinação para a escrita são conhecidos por quem acompanha sua obra e, por isso, a publicação dos volumes é cercada pela expectativa de se aprofundar no pensamento do artista. Quem se aventurou a pesquisar e organizar décadas de manuscritos foi uma de suas sobrinhas-netas, Marianna Brennand Fortes, que também realizou um curta e um longa-metragem sobre o parente ilustre. Para a empreitada, ela abriu uma editora, a Inquietude, que viabilizou a publicação de 2 mil exemplares da obra, com cerca de 2 mil páginas no total. Foi a forma encontrada para ter liberdade na hora de editar o material. “Foi um trabalho muito intenso desde quando o li pela primeira vez, e decidi que contaria a história dele por meio dos escritos. Meu filme traz isso. É um diário de um artista e de um homem que reflete sobre si mesmo. Quem escreve é um apaixonado por literatura, artes plásticas, cinema. Respeitei totalmente o que ele produziu. Só organizei e criei uma diagramação feita para facilitar a leitura”.

O primeiro volume do livro condensa escritos realizados durante 30 anos, de 1949 a 1979. É o período no qual Brennand viaja a Paris com sua primeira esposa, Deborah, no qual aprofunda sua vocação artística, visitando ateliês, descobrindo a cerâmica como forma de expressão e decidindo erigir sua oficina a partir das ruínas da olaria fundada por seu pai, onde passou a infância. No entanto, o artista queimou as partes escritas entre 1963, quando assumiu a Secretaria da Casa Civil do primeiro mandato do governador Miguel Arraes, até 1971, quando começou a sua Oficina. Os “excessivos queixumes” do período, segundo o artista, foram os culpados pela destruição.

Trecho do quarto e último volume do Diário de Francisco Brennand, O nome do outro, no qual ele aborda a sua vida de forma ficcional, criando um alterego. Crédito: Diario de Pernambuco/Reprodução
Trecho do quarto e último volume do Diário de Francisco Brennand, O nome do outro, no qual ele aborda a sua vida de forma ficcional, criando um alterego. Crédito: Diario de Pernambuco/Reprodução

De acordo com Marianna, os três volumes do diário, chamados de O nome do livro - mais um adicional, intitulado O nome do outro, com conteúdo produzido entre 2007 e 2013 - foram divididos de forma a trazerem uma visão multfacetada do artista. “Originalmente, haveria apenas dois volumes, mas mudamos de ideia. De 1949 a 1979, vemos o Brennand jovem, pintando e falando sobre seu trabalho. No segundo volume, de 1980 a 1989, há o artista ‘louco’, reconstruindo o espaço que foi do pai e se dedicando à pintura e à escultura. Já o terceiro livro apresenta um homem maduro, que voltou a escrever intensamente e se aprofundar na atividade literária. O quarto volume traz uma reflexão sobre sua trajetória de uma forma muito particular, com a criação de um alterego, Nonato ou Renato. Ele tem mais liberdade para esclarecer determinados pontos de sua vida e o vlume começa a partir de sua suposta morte. Esse revisitar da vida está dando a ele a sensação de que precisa se reinventar como um novo Brennand”.

ENTREVISTA // FRANCISCO BRENNAND

 

Como você se sente sendo objeto de atenção pública, especialmente com a proximidade de lançamento de seus diários?
Eu me habituei a receber pessoas aqui na Oficina. As pessoas costumam dizer que sou recluso, mas não sou, absolutamente. Eu apenas não apareço no mundo social do Recife, mas em Paris era a mesma coisa. Eu passava a maior parte do tempo no meu ateliê, trabalhando. Saía para ir aos museus. Vivo aqui dentro dessa propriedade desde que nasci. Sou rodeado de visitantes, que me obrigam a conversar e a conviver. No entanto, é lastimável que as conversas estejam diminuindo consideravelmente. Noto que alguns visitantes me fazem perguntas a respeito do conjunto de obras da Oficina, mas curiosamente, se você se alonga, eles recuam, ficam amedrontados e vão embora sem nenhuma cerimônia. Devem pensar que sou louco. Não é normal que uma pessoa fale mais de dois minutos a respeito de um determinado assunto, e como eles me pedem opiniões, ocorre um processo de emulação. A fala pode se desencadear a despeito de você, por mexer com mecanismos ancestrais de comunicação.

Você considera que há muitas percepções equivocadas a respeito de sua obra e de sua trajetória?
Não lembro se foi [o escritor alemão Rainer Maria] Rilke quem disse que a fama de uma pessoa é muito mais um conjunto de desentendimentos a respeito de uma pessoa do que de entendimentos. Você é famoso porque as pessoas atribuem defeitos que você não tem. O fato de não me movimentar muito me deu tempo de fazer outras coisas, como exercer a minha profissão, que exige um trabalho repetido, diário e sem trégua. Estou aqui comemorando 45 anos de trabalho dentro desta velha fábrica, que estava em ruínas, foi reformada por mim e poderia ser, inclusive, um local muito mais difundido do que já é. É um lugar eleito por cada uma das pessoas que vêm aqui. Ele já não me pertence.

Francisco Brennand tem em cartaz a exposição 'As névoas de Caspar', em homenagem ao alemão Caspar David Friedrich. Créditos: Robson Lemos/Divulgação
Francisco Brennand tem em cartaz a exposição 'As névoas de Caspar', em homenagem ao alemão Caspar David Friedrich. Créditos: Robson Lemos/Divulgação

A exposição As névoas de Caspar, atualmente em cartaz, trata de uma homenagem sua ao pintor alemão Caspar David Friedrich. Qual a sua motivação para isso?
Não é novidade um artista homenagear o outro. Como estou encerrando minha carreira de pintor, não queria deixar essa oportunidade em branco. Na verdade, estou falando a palavra ‘encerrar’ desde os 60 anos. Tenho a sensação de que estou me despedindo, mas entre os meus defeitos devo ser também hipocondríaco. No entanto sinto falências evidentes que não sentia há 20 anos. Voltando a Friedrich, os temas dos quadros são montanhas, névoas e a solidão das pessoas. Tenho uma grande admiração pelo pintor e já o citava em meu diário desde os anos 80. Não é uma improvisação. As figuras humanas retratadas em seus quadros estão de frente para a paisagem, para o mistério. A natureza não é amiga nem inimiga de ninguém. Ela é indiferente ao nosso destino, assim como é indiferente a uma pulga. Não  sou uma pessoa otimista diante do mundo.

Você está lançando quatro volumes de seus diários, cuja publicação era aguardada por anos por quem acompanha sua trajetória. Por que isso acontece neste momento específico?
Se eu não fizesse agora, seria um diário póstumo [risos]. Em todo caso, há uma quantidade enorme de diarios publicados postumamente. Tive a sorte de a minha sobrinha-neta, Mariana Brennand, se interessar pela publicação dessas diários com uma enorme força de vontade. Ela se empenhou por cinco anos e foi bem-sucedida depois de muito trabalho. Não é fácil encontrar os patrocinadores e os volumes foram editados na Companhia Editora de Pernambuco em uma edição caprichada. Percorri os quatro volumes e encontrei apenas um erro, um nome próprio. Há uma quantidade enorme de nomes nos quatro volumes, o índice onomástico é quase um romance, com citações de autores, filósofos, pensadores. Este trabalho é um diário de artista, com conceituações a respeito de arte, consideraçoes relativas a minhas obras, enfim, o drama de qualquer artista durante a criação. Eu pensava no meu diário como um livro absolutamente comum, mas a atitude fervorosa de Marianna em me homenagear e a minha idade me fizeram deixar de pensar que seria um exagero tê-lo editado em capa dura.

A determinação com a qual você escreve demonstra seu apreço pela palavra. Há coisas que somente ela consegue expressar?
Evidentemente, a escrita é bem mais artifical do que a fala. Você tem a obrigação, quando escreve, de utilizar muitas vezes dez ou 15 palavras à procura de uma síntese perfeita. Os escritores, mesmo depois de várias edições de seus livros, voltam a corrigi-los, a fazer revisões. Eu acho que nada está perfeito ou terminado. [O pintor francês] Cézanne dizia que não existiam quadros terminados, mas abandonados. Esses são dois temas que serviriam como material para um romance: um pintor que inadvertidamente, pinta um mesmo quadro a vida inteira sem perceber, e só depois de morto as pessoas vêm descobrir que todas as telas dele eram absolutamente iguais. Outro tema já foi explorado por Balzac: a luta para encontrar a pureza da forma, e sem perceber ele esta destruindo a obra, em vez de aprimorá-la. Este é o drama de todo artista. Ele nunca deixa de olhar o que os outros fazem ou já fizeram. É como se fosse um quadro só, pintado desde as cavernas. Até hoje não se explica porque o homem primitivo, mesmo em condições as mais adversas, escondido nas cavernas, encontrou tempo de pintar. Isso está dentro do coração humano, nao é somente um ofício.

Como, então, essas palavras encontram seu diário?
Penso num ditado popular que é "emprenhar pelos ouvidos", o que é o meu caso. O que vejo na televisão, algo dito de passagem, uma história em quadrinhos, um nome próprio, o nome de uma mulher fica nos meus ouvidos e, então, vou aos meus cadernos escrever. Eu faço isso porque sou obrigado a fazer, não tenho como escapar. Cheguei a dizer que sou completamente escravizado pelas palavras. Se uma pessoa quiser me confundir, basta ficar em silêncio. Fico totalmente nas mãos dela. Se ela falar, sou capaz de apreender o que ela está pensando. Se ficar em silêncio, não compreendo.

Alguns anos não estão no diário. Por que?
Talvez eu preferisse chamar de anuário. Não respeito datas. Não sou sistemático. Tem falhas. Queimei os escritos do período entre 1963 e 1971. Eram cadernos que não me interessavam. Excessivas lamúrias, queixas, problemas. Achei desnecessário manté-los comigo. Não era literário. O diário traz exortações, anotações que podem ser úteis a estudantes de arte, ou os que ainda vão viajar, com uma quantidade enorme de citações de artistas de todo tipo. Cineastas, atores, poetas, pintores, escultores, modelos que nem nomeava. Vi que não precisava nomear as modelos porque elas não me davam nomes verdadeiros.  Mas tinha uma italiana, Mara, que se identificava com seu nome verdadeiro.Ela passou oito anos aqui. Eu a conheci quando ela tinha 18 anos. Lia meus livros, conhecia música erudita, de forma que ela passou por uma espécie de universidade por meio da convivência comigo.

No último volume de seus diários, há referências a um certo Mestre Brennand. Quem é esse personagem?

Depois de uma certa idade, é comum os artistas serem chamados de mestres. Mestre Brennand, Mestre Abelardo da Hora… é uma maneira de você dar um tratamento respeitoso a um artista que, às vezes, você nem respeita. Neste volume, já não sou eu quem fala, é um personagem, Nonato, ou Renato. Ele me trata como Mestre Brennand e o quarto volume não tem mais nada a ver com o diário. É uma história. Poderia ter dito que é muito mal alinhavada, pois não sou romancista. Escrevi desta forma porque tinha alguns acertos de contas a fazer e temas que gostaria de esclarecer.

Quais acertos de contas?
Há tantas interpretações cavilosas a respeito da minha obra, como, por exemplo, dizer que ela é obscena ou afirmar que a escultura do Marco Zero tem uma forma fálica. Se eu fizer um poste, um obelisco, uma chaminé, a intenção é fazer um gigantesco falo? Por que aquilo tem que ser um falo? Me convidaram para participar de uma homenagem aos 500 anos do Descobrimento do Brasil e quis que a forma vegetal fosse representada em sua imponente verticalidade. As pessoas esqueceram que os conquistadores sairam das grandes cidades, feitas em linha reta, e descobriram as grandes florestas, cheias de curvas. A mata atlântica era vigorosa e chegava até a beira da praia. Foi isso o que os portugueses encontraram. Para o olho dos que estavam vindo de fora, tudo era diferente e passou a ser mítico, essa era a minha intenção e se relaciona com minha obra. Quando entreguei o primeiro desenho [reproduzido na primeira página do quarto volume dos diários] ao arquiteto responsável, eu o tinha feito de caneta, sem nenhuma pretensão. Os arquitetos têm um desenho basicamente estruturado em estereótipos urbanos. Ele transformou meu desenho em algo despojado de qualquer interpretação orgânica que eu queria dar e o tornou um foguete especial. Era um grande cilindro que terminava com uma ogiva. Se alguém escrevesse "NASA" nele, daria a impressão de um foguete a ser lançado às alturas. Eu abordo essa questão em um trecho do quarto volume do diário. A parte superior da coluna é uma flor que foi descoberta por Roberto Burle Marx. Aqui no Recife, a chamamos de flor de cera e ela cria uma protuberância muito mal traduzida. Esta obra entrou no anedotário popular e meu nome é totalmente desrespeitado. De qualquer forma, é um lugar de visitação. Me encomendaram a torre e mais oito peças para o Parque das Esculturas. Em vez disso, fiz 90 e doei à Prefeitura, doação essa aceita apenas recentemente. Há uma predisposição para aquele espaço não ser cuidado porque ele não é aceso. Seria um espetáculo se o local fosse iluminado. Quando se colocam as arquibancadas no Marco Zero, se eclipsa um fundo natural, pois não é comum você encontrar um parque de esculturas dentro do Oceano Atlântico.

Você continua a escrever?
Hoje eu cheguei a denunciar a existência de meu diário secreto. É um unico caderno, que devo terminar no fim do ano. Chama-se Diário mínimo, como se fosse salário mínimo [risos], é muito pequeno. Talvez eu tenha falado demais.

Desde a criação da Oficina Francisco Brennand, em 1971, este lugar foi transfigurado por você. No que esse local transformou sua obra?

Eu nasci aqui. Esse lugar foi erigido não só por mim, mas por alguns familiares que, tanto quanto eu, o elegeram como centro do mundo. O centro do mundo é o centro do nosso espírito. Estou aqui há 45 anos, quase meio seculo, mais tempo do que meu pai, que ficou aqui por 38 anos e deixou a olaria para fazer porcelanas. Além de tudo, descobri muito cedo que o bairro da Várzea está ligado à história da Restauração Pernambucana. Expulsamos os holandeses e foi a partir daí que o Brasil começou a ter um endereço certo. Essa região é um solo sagrado. Wittgenstein dizia que a arquitetura glorifica, logo, só pode haver arquitetura onde há algo a glorificar. Então, existe algo que justifica esse templo, essa cidadela, esse sítio com uma mitologia própria, como um local de reflexão para as novas gerações. Ele vai ficar para a cidade do Recife. É fruto de um trabalho árduo, desde a época de meu pai e de todos os operários que trablharam aqui, desde quando era uma empresa que fabricava telhas e tijolos. Meu pai contratou Abelardo da Hora, que trabalhou dois anos fazendo jarras, pratos. Meu pai era encantado com isso. Acredito que as peças criadas aqui são sacralizadas nas suaspróprias intenções. O sagrado nao está ligado apenas ao cristianismo. O símbolo que preside a Oficina é o de Oxóssi. Eu, como brasileiro, estou perfeitamente integrado ao sincretismo religioso. Eu sou catolico à minha maneira, e essa percepção inclui Oxóssi. Não sou candomblecista, mas o incluo como um dos meus protetores, por quem eu nutro uma grande devoção. Acho a história dele gloriosa. Ele anda à procura de uma caça e sabe que não vai encontrar. É a busca do Absoluto. É a procura por Deus, é a procura dos físicos, é a ilusão de encontrar uma nova habitação em outros planetas. Quanto aos diários, só é preciso saber que tudo começou com uma viagem. Comecei a escrever desde o navio, indo a Paris e lendo, no caminho, Guerra e Paz, de Tolstói. Ali, tive as primeiras experiências em uma cidade mítica.

DIÁRIOS // TRECHOS


23 DE FEVEREIRO DE 1949 - Volume 1, página 61
Logo na primeira semana de minha chegada, carregado por Cícero Dias, pude apreciar sem nenhum impedimento uma belíssma exposição de Picasso (cerâmicas realizadas em Vallauris entre os anos de 1946 e 1949) na Maison de La Pensée Français, a qual causou-me uma profunda impressão, fazendo-me de imediato rever enorme lista de preconceitos alimentados abertamente contra essa forma de arte, apesar de no Recife toda a minha família ser tradicionalmente dedicada à indústria de cerâmica. 


14 DE JANEIRO DE 1983 - Volume 2, página 117
Não estou de forma alguma equivocado quando obscureço os significados do meu trabalho. Um depoimento de Federico Fellini - divulgado há uns dois anos - confirma os meus propósitos. Falando sobre A cidade das mulheres (1980), o diretor insiste sobre a obscuridade, a relação coma parte negra, com a parte desconhecida, com a noite e com a água; qualquer tentativa de explicação racional só pode privá-lo do seu aspecto enigmático do seu lado de esfinge, que é o que ele tem de mais verdadeiro.

"(...) ele tende a ser evasivo, impalpável, com todo esse mistério em torno dele que é próprio do feminino, da mulher".


27 DE AGOSTO DE 1992 - Volume 3, página 338
Se um diário fosse apenas uma exaustiva (e variada) narração de "fatos diversos", melhor seria ler os jornais diariamente. Nesse gênero os jornais são imbatíveis, têm de tudo e ainda dão o troco, isto é, jogam com moedas falsas.
De outro lado, um diário não pode ser um compêndio de filosofia. Pargunta-se qual o mais fácil e qual o mais difícil?
Pelo menos num diário o autor pode desabusadamente afirmar: "Hoje não fiz nada. Tampouco pensei em nada. Nem ao menos lavei as mãos, mas para compensar lavei os pés. Como não pensei em nada, esqueci de almoçar e de jantar, aliás, hábito esse muito difundido em várias religiões sob o argumento de que 'o jejum faz bem à saúde e é uma provação bem recebida por diferentes deuses'".
Quanto ao compêndio de filosofia, o mínimo que se pode exigir é a correspondência com certos princípios básicos, características do conhecimento ou do saber racional.


Volume 4, página 89
“Ainda na madrugada do dia 1 de janeiro de 2001, à entrada do Terceiro Milênio, um ruidoso grupo de estudantes desembarcou no novo ancoradouro do Parque de Esculturas, curiosos em visitar a Coluna de Cristal. Chegando ao interior da torre foram surpreendidos com a presença de um ovo de cerâmica, esmaltado de branco, pendurado em um fio de aço, de certo modo repetindo o mesmo emblema que existe no Templo do Ovo Primordial no Grande Pátio da Oficina.  (...) Agindo numa espécie de sobressalto, eles impulsionaram fortemente o ovo fazendo-o oscilar como um pêndulo cada vez mais rapidamente, até que a peça se espatifou contra a muralha de concreto. Sem que nenhum dos moços suspeitasse, a Coluna de Cristal do pintor, escultor e ceramista Francisco Brennand foi "inaugurada" por uma vintena de estudantes brasileiros ao levarem a cabo aquela noturna e secreta cerimônia, herdada dos egípcios, gregos e romanos, ainda hoje utilizada no batismo dos barcos, quando se estoura modernamente uma garrafa de champagne de encontro à sua proa. A rapaziada retirou-se em silêncio como se houvesse cometido algo sacrílego, não se apercebendo de um ato contrário, pois, logo após o batismo, acontecera a sacralização da Coluna, encimada pela eclipse de uma flor cujo nome é Cristal”



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