Viver
Games
Público feminino enfrenta machismo na indústria gamer
Embora representem pelo menos metade do público de jogadores, mulheres não são bem representadas nos videogames
Publicado: 17/11/2016 às 21:36
Sexualização excessiva de personagens é um dos problemas na caracterização. Foto: Warner Bros/Divulgação/
A máxima de que videogame é coisa de menino está bem longe de ser verdadeira. Um estudo divulgado neste ano pela agência de tecnologia Sioux aponta que, no Brasil, 52,6% dos gamers são mulheres. Outro levantamento, mas de escala global, realizado em 2014 pelo Internet Advertising Bureau, chegou a resultados similares: elas representam 52% do universo de jogadores. Ainda assim, a indústria segue permeada pelo olhar deles: os desenvolvedores homens são maioria e os títulos, predominantemente, protagonizados por personagens do sexo masculino.Um exemplo da desigualdade entre os gêneros no segmento pode ser notado pelos lançamentos apresentados neste ano na E3. Realizado em junho nos EUA, o evento, considerado o maior do segmento em todo o mundo, teve 59 novos games exibidos por diferentes empresas desenvolvedoras. Desse total, apenas dois jogos, ReCore e Horizon zero dawn, tinham personagens femininas como protagonistas. Outros 24 títulos contavam com homens como figuras centrais e os 33 restantes ofereciam a possibilidade de escolha do sexo do personagem ou tinham protagonista de gênero indefinido.
A discrepância não é de hoje. Basta pensar por um instante em personagens mais famosos dos jogos de console e computador. Dos tradicionais Pac-Man, Pitfall, Super Mario e Sonic, aos contemporâneos Kratos (God of war), Solid snake (Metal gear solid), Master chief (Halo) e Marcus Fenix (Gears of war), a lista de figuras masculinas é extensa. Lara Croft (Tomb raider), Samus (Metroid), Bayonetta, Chun-Li (Street fighter) e Kitana (Mortal kombat) são representantes femininas icônicas dos games que, em alguns casos, se destacaram também pela representação sexualizada, com trajes sumários.
A explicação para o menor número de garotas na tela e a recorrente objetificação de personagens femininas pode ter relação com o predomínio masculino entre desenvolvedores, principalmente nos grandes estúdios. A International Game Developers Association estima que apenas 22% dos funcionários das empresas de games são mulheres.
Mestre em semiótica e doutoranda em artes visuais, a jornalista Lidia Zuin conhece de perto da indústria: escreve sobre o tema no site norte-americano Kill Screen e já trabalhou na Rockstar, uma das maiores desenvolvedoras de jogos da atualidade, responsável por Max Payne, GTA, Red dead redemption e outros títulos de sucesso. Ela destaca que, se a preponderância masculina não se justifica pela audiência dos jogadores, vale resgatar os primórdios da relativamente recente indústria dos jogos eletrônicos.
%u201CNa história do videogame, a maioria dos desenvolvedores e das empresas era liderada por homens, senão totalmente composta por eles%u201D, diz Zuin. Embora ainda enxergue dominância masculina na área de tecnologia, ela percebe melhoras no mercado e maior abertura para mulheres nos estúdios e desenvolvedoras. %u201CAcho que o pior ainda é o público. Por experiência própria, seja como jornalista ou como mulher que joga videogame%u201D, avalia, citando já ter sido xingada em redes sociais e questionada sobre aparência e formação para escrever sobre games.
Além dos sites especializados e redes sociais, outro território que costuma ser pouco receptivo às mulheres gamers são os jogos online. Ofensas e cantadas estão no repertório de desafios enfrentados por jogadoras. Pesquisa divulgada em 2015 por pesquisadores da Universidade de Miami sugere que o comportamento agressivo de homens no ambiente de games online tem origem na insegurança quanto às habilidades comparadas ao desempenho feminino.
No estudo, os pesquisadores utilizaram gravações de vozes masculinas e femininas no modo online do jogo Halo 3. Quando os gamers acreditavam estar jogando com uma mulher que se saia melhor na partida, a tendência era de postura agressiva. O mesmo não ocorria nas situações em que acreditavam estar jogando com outro homem.
%u201CAcreditamos que os comportamentos negativos direcionados a jogadoras de status mais elevado seja uma resposta inconsciente ao ter a masculinidade questionada por uma mulher%u201D, escrevem Michael M. Kasumovic e Jeffrey H. Kuznekoff no estudo. Os autores consideram que as atitudes agressivas no ambiente virtual também podem ser indicativos de posicionamentos machistas em outras situações do cotidiano.
A blogueira Pamela Auto, 24, joga videogame desde a infância, por influência do pai e dos irmãos. %u201CSou alucinada, faz parte da minha vida e gosto muito de games online%u201D, ressalta, citando Ragnarök, Warcraft e Diablo entre os títulos favoritos. %u201CO pessoal assedia, quando você fala (nos chats por voz dos jogos), todo mundo quer saber se você é mulher, de onde é%u201D, relata, acrescentando que prefere jogar com pessoas conhecidas, para evitar essas situações.
Outra saída encontrada para se aventurar pelos games onlines sem ser incomodada é utilizar um avatar (personagem) masculino, algo que é inevitável na maior parte dos jogos. %u201CEu sempre joguei com personagens homens. Estamos tão acostumadas a sermos excluídas que acabamos nos habituando%u201D, diz, se queixando também da falta de representações femininas adequadas. %u201CMuitos jogos apelam demais para a sexualidade. Se você joga Mortal kombat, as personagens femininas estão quase peladas%u201D, comenta.
Acompanhe o Viver no Facebook:
Últimas
Mais Lidas