Literatura José Luiz Passos fala sobre novo livro e tratamento do câncer Autor pernambucano radicado nos EUA está no Recife para divulgar a mais recente obra, O marechal de costas

Por: Breno Pessoa

Publicado em: 17/11/2016 15:43 Atualizado em: 17/11/2016 15:36

Escritor também participa de debate ao lado do cineasta Kleber Mendonça Filho, na sexta-feira. Foto: Breno Pessoa/Especial para o Diario
Escritor também participa de debate ao lado do cineasta Kleber Mendonça Filho, na sexta-feira. Foto: Breno Pessoa/Especial para o Diario


Pernambucano radicado nos Estados Unidos, o escritor José Luiz Passos, 44, lança nesta quinta-feira, às 19h, na Livraria Cultura (Rua Madre de Deus, s/n, Bairro do Recife), o romance mais recente, O marechal de costas (Alfaguara, R$ 44,90). Na sexta-feira, às 19h30, no Cinema do Museu (Avenida Dezessete de Agosto, 2187, Casa Forte), participa do bate-papo Texto, contexto e ação: Um debate entre cinema e literatura, ao lado do cineasta Kleber Mendonça Filho, cujo filme Aquarius faz referência ao livro de Passos O sonâmbulo amador. Lançada em 2012, a obra rendeu ao autor nascido em Catende os prêmios Portugal Telecom e Brasília de Literatura. Ainda na turnê para divulgar a nova ficção, ele conversa, às 20h de terça-feira, com o escritor Raimundo Carrero e o jornalista Schneider Carpeggiani. Será no Centro Cultural Raimundo Carrero (Avenida João de Barros, 1468, Espinheiro). O acesso a todos os eventos são gratuitos. Em entrevista ao Viver, José Luiz Passos falou sobre o momento da carreira, o estado de saúde, a situação política no Brasil e nos EUA.

ENTREVISTA // José Luiz Passos, escritor

Recentemente você revelou que está se recuperando de um câncer. Qual seu estado de saúde no momento?
Ainda estou me recuperando. Por exemplo, está muito presente a neuropatia, essa sensibilidade extrema à temperatura. Sinto muito as ponta dos dedos das mãos e dos pés formigando. Não tenho conseguido escrever à mão. Cheguei em São Paulo e não consegui dar autógrafos. Dois amigos meus fizeram carimbos com motivos associados ao livro. Estou usando isso, porque senão sinto cãibras. Tenho sentido dificuldade para abotoar a camisa, por exemplo. Mas estou melhorando. Parei a quimioterapia há dois meses. Foram 12 sessões, uma a cada duas semanas.

A doença influenciou algo no desenvolvimento de O marechal de costas?
Sim. Mudou a questão de ritmo. Senti um senso de urgência muito grande, de querer acabar logo. Passei a prestar mais atenção ao corpo. Há muitas metáforas corporais, referências ao desejo, ao fracasso, à ruína do corpo. No romance há pelo menos cinco mortes de pessoas ligadas à política, de Dom Pedro II, de Napoleão Bonaparte, de Floriano Peixoto, de Solano Lopes... Cada uma dessas mortes são descritas em detalhes. Isso tem a ver com o fato de que, durante o ano inteiro, me deparei com limitações. Aconteceu, por exemplo, de eu dormir 15 horas e acordar exausto, de parar de levar meu filho na escola, de parar de correr. Essa decadência do corpo ficou mais patente para mim, mais urgente. Ao mesmo tempo, há uma preocupação que se conjuga com a política, que é a preocupação com situações de tensão, de ruptura. O romance é muito sobre isso, sobre momentos de desartirculação. Esse ano foi muito político, acabou culminando no impeachment da Dilma e na eleição do Trump. Na minha cabeça, toda essa experiência está ligada ao corpo. Nos EUA, os escândalos comportamentais de (Donald) Trump. Aqui no Brasil, os black blocks, as ocupações...

Ao chegar aqui, agora, você sentiu algum choque de realidade?
Curiosamente, o grande choque de realidade que tive foi acordar em São Paulo com a notícia da eleição do Trump. Não acreditava que fosse possível… Sempre tenho um período de adaptação ao ritmo das coisas aqui no Brasil. Ao trânsito, à maneira de resolver as coisas... A sociedade brasileira é muito burocratizada. Fiz coisas hoje (ontem) de manhã que nunca precisei fazer nos Estados Unidos. Nunca fui em cartório ou precisei reconhecer firma. O conceito de reconhecer firma não existe por lá. Se você assina um documento e diz que é minha assinatura, aquilo é lei. Não precisa levar para uma terceira pessoa dar uma carimbada. Essa cultura cartorial, que é de origem portuguesa, sempre esteve presente. Como diria um amigo meu, no Brasil, ‘a gente sempre tem que ir de novo’. Então tem esse período de adaptação. Do ponto de vista político, acho que o mundo inteiro está passando por uma anomia, uma falta de interesse político. Há aí uma retomada desse discurso de direita, a retomada de um certo status quo político, que era representado por Hillary (Clinton) nos Estados Unidos. Então esse voto (em Trump) representa uma certa insatisfação com o estado das coisas. Isso também vale para o PT. Há muito voto (no Brasil) daquelas pessoas que são anti-PT. Ao sair da realidade norte-americana para chegar à brasileira, sempre demoro uns dois ou três dias para me adaptar. O legal é participar desse momento a partir daqui.

A despeito de momento pontuais, de ocupações, você percebe uma certa acomodação à situação política, em relação ao que havia em 2013?
Não sou especialista em política contemporânea. De longe, me parece que sim. Acho até que votos como (Marcelo) Crivella e (João) Dória são uma tentativa de mudar a gestão, de acusar um processo político que se esgotou, mas também de colocar as coisas em um trilho, nas mãos de pessoas que são gestoras de mão forte. O contraponto disso são as ocupações, principalmente de instituições educacionais. São bem pontuais, mas elas continuam. Algumas pessoas acham que é uma forma de participação política e outras acham que isso é apenas o rescaldo de dois ou três anos de muito embate, motivada por uma geração que não está na política partidária e tenta exercer pressão pontual. Não sei no que isso vai dar e qual impacto isso tem no cenário político brasileiro.

Como você chegou ao formato do novo romance?
Não quis fazer o livro com uma história fechadinha, com começo, meio e fim, com a jornada do herói, capítulos e personagens redondos. Isso eu já fiz em O sonâmbulo amador. Queria um livro aberto, cheio de arestas, com fragmentos, que discutisse situações políticas. Fui compondo esse livro como um painel ou mosaico, com notas e situações tiradas de textos de história e do jornalismo. O livro não foi composto de maneira linear, mas modular. Cada módulo foi crescendo por dentro e passou a se encontrar. Fui montando como um quebra-cabeças. Em parte, meus outros livros também foram escritos assim. A diferença é que em O sonâmbulo amador eu tive cuidado nas transições, de modo que o personagem Jurandir estivesse sempre presente. Há a linearidade da vida dele, e isso é confortável para o leitor. Em O marechal de costas, o que me interessava era a pluralidade de vozes, de Napoleão, de Dom Pedro II, de Joaquim Nabuco, de Dilma. Não queria optar por somente uma voz. É um romance em coro. As várias vozes são organizadas por dois narradores, um em terceira pessoa, sobre Floriano, e um em primeira pessoa, a cozinheira, que observa tudo.

Você havia comentado, em entrevista anterior, que já estava trabalhando em outro livro. A quantas anda esse projeto?
Sempre trabalho em mais de um livro ao mesmo tempo. Estava produzindo Um álbum para Lady Laet, sobre a filha de uma cantora que vai escrever a biografia da mãe. Estava escrevendo ele quando as coisas começaram a acontecer, a polarização política, as manifestações, a minha doença, as viagens ao Brasil. Vou continuar esse outro projeto, que já está avançado. Precisei parar para dar voz a uma visão minha das coisas, da origem da democracia brasileira e um momento de crise dela. É minha maneira de opinar. Seus livros trazem sempre uma reflexão sobre questões sociais que vão além da narrativa principal. Por quê? Minha formação original é em sociologia. Tenho sempre a preocupação de escrever histórias que tenham rebatimento na vida pessoal do sujeito mas que tenham raízes com movimentos e questões mais gerais, de natureza social, política, filosófica. Navegar entre o micro e o macro, o mais geral e o individual, é o desafio do ficcionista. Não tenho interesse em escrever histórias que parece que acontece em bolhas isoladas da história mundial ou brasileira.


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