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Cinema Filme de abertura do festival Animage promove viagem lúdica pelo Irã Em entrevista cedida ao Viver, a cineasta canadense Ann Marie Fleming fala sobre a mensagem de paz presente no longa-metragem Window Horses, protagonizado por uma menina que veste uma túnica muçulmana

Por: Viver/Diario - Diario de Pernambuco

Publicado em: 22/11/2016 10:30 Atualizado em: 22/11/2016 09:59

Personagem principal descobre a cultura iraniana em um festival literário. Fotos: Ann Marie Fleming/ Divulgação
Personagem principal descobre a cultura iraniana em um festival literário. Fotos: Ann Marie Fleming/ Divulgação
 
O filme de abertura do festival Animage, que será exibido nesta terça às 19h no Cinema São Luiz junto com curtas-surpresa, é Window horses, dirigido pela cineasta Ann Marie Fleming. Com vozes das atrizes Sandra Oh e Ellen Page, o longa-metragem retrata a jornada de uma jovem escritora canadense pelo Irã, onde ela participa de um encontro internacional de poesia.

Em entrevista cedida ao Viver por e-mail, a diretora comenta alguns aspectos do filme, como a valorização da cultura persa, que sofre preconceitos no mundo por causa da islamofobia provocada pela generalização da associação dos árabes ao terrorismo. Temas-tabus, como o uso da burca por mulheres muçulmanas, são abordados pela artista de forma poética, sensível e bastante respeitosa.


Este ano, o festival apresenta sete longas (dois deles voltados também para crianças), além de 182 curtas de 29 países. Em 2016, o evento está mais descentralizado, com projeções no São Luiz (Boa Vista), no Cinema do Museu (Casa Forte), na Caixa Cultural (Bairro do Recife), na Aliança Francesa (Derby), no Morro da Conceição, na Praça da Várzea e no Parque Dona Lindu (Boa Viagem). Clique aqui para ver a programação.

ENTREVISTA /// ANN MARIE FLEMING 

Ann Marie Fleming. Foto: Luka Sanader/ Divulgação
Ann Marie Fleming. Foto: Luka Sanader/ Divulgação

Você acredita que a mensagem pacifista do filme ganha mais urgência neste momento do mundo, quando forças conservadoras tomam o poder em diferentes países? Você acha que é possível ser otimista nos dias atuais?
A razão para eu ter feito este filme é porque eu queria oferecer uma mensagem de luminosidade a este mundo cada vez mais complexo e sombrio. Eu quis construir pontes através das culturas e gerações por meio do poder curativo da arte da poesia. Eu quis apresentar uma situação passional em que estão abertas às outras e querem compartilhar suas histórias.

Você procurou evitar uma visão negativa sobre os mantos usados pelas mulheres muçulmanas? Na sua opinião, o que há de bonito nessa tradição? Você também tem uma visão crítica sobre o assunto?
Colocar a personagem Rosie sob uma túnica na maior parte do filme foi uma decisão consciente, enquanto o mundo ocidental insiste em usar essa imagem como um símbolo de opressão, apesar de ser um hábito com uma história longa e complexa. Eu baseei o figurino de rosei na experiência real de uma amiga minha. Mas eu também quis apresentar o complexo tema do hijabe de uma forma aberta e amigável. O uso da burca é uma grande questão em discussão atualmente no Canadá... que vem junto com um direito da mulher... o direito e a liberdade de vesti-la ou não. É claro que eu tenho minhas opiniões pessoais sobre tudo, mas o que eu quis neste filme foi abrir um pequeno espaço de conversa e de curiosidade para aprendermos com os outros sem prejulgamentos.

Lutar contra a islamofobia é uma das intenções do filme?
O filme gentilmente confronta esse medo que aparentemente tem movido o mundo neste exato momento. Sim, existe hoje uma islamofobia . O islã costuma ser associado a contextos negativos não só em locais onde ocorrem conflitos mas também de uma forma geral. O filme é ambientado no Irã, uma terra anciã embebida no amor da poesia e da família, mas é também um filme sobre todas as culturas. Não é um filme político que faz propaganda do Irã. É uma propaganda da paz. Quero levar luz a uma lugar que raramente é retratado com imagens mais populares. A palavra-raiz do islã é "salam", que significa "paz". Longe de ignorar toda uma história, eu quero que conheçamos e aprendamos. Vamos ouvir mais uns aos outros.

Por que é importante retratar Rosie com um estilo de desenho diferente dos demais personagens do filme?
Stick Girl, meu avatar ao longo de 30 anos, interpreta Rosie Ming. Eu a desenhei depois de ser atingida e atropelada por dois carros. Ela representa toda a força que eu tenho no meu corpo. Sua saia triangular é um símbolo internacional para as mulheres, seus pitós de cabelo indicam que ela é jovem e os olhos puxados mostram que ela é de descendência asiática. Ela nem sequer tem um nariz e sua boca só aparece quando ela está falando. Eu realmente acredito que são nos gestos mais simples que vemos o coração do artista. É por ela ser tão simples que nós não a julgamos, ela ainda está em formação. Ela é muito livre. E é fácil nos colocarmos no lugar dela, sejamos homens ou mulheres, velho ou novos. Ela é um espaço onde podemos entrar.


Como a atriz Sandra Oh entrou no projeto?
Sandra e eu faríamos um filme juntas há 20 anos, mas eu fui para a Alemanha (onde escrevi uma canção e uma história para esse filme) e ela foi para os Estados Unidos, onde se transformou em um nome famoso com a personagem Christina Yang no seriado Grey's anatomy. Eu realmente fiz este filme para expressar uma ideia de compreensão pela paz e pelo amor e a perguntei se ela estaria disposta a ser Rosie,a protagonista, e se poderia contribuir para mplificar essa mensagem. Eu achava que a mensagem ressoaria bem com ela. Ela amou a história em quadrinhos que fiz para o projeto e quis estar mais envolvida ao se oferecer para liderar a campanha de crowdfunding no Indie Gogo, consolidando essa celebração do poder das mulheres, da poesia, da diversidade e da família. Ela tem sido uma incrível aliada.

Você acha que a animação é a melhor maneira de transportar a poesia para o cinema?
Sim!!! A animação é uma maneira incrível de tornar a imaginação visível!

Como você escolheu o título do filme?
É uma longa história. Uma janela é algo que te separa do que está fora mas ao mesmo tempo permite que você veja através. A janela representa o seu ponto de vista. Cavalos são um símbolo importante em várias culturas e representam uma série de dualidades, como masculino-feminino, liberdade-domestificação e gentileza-força. Eu estava sentada em uma sala dentro de um castelo na Alemanha quando participei de um projeto de residência artística e pela janela vi um campo com três cavalos. fui até lá e depois passei a encontrá-los todos os dias. Escrevi uma música sobre eles. Eles incitaram minha imaginação e estranhamente me fizeram lembrar de meu pai.

Window horses é também um filme sobre as peculiaridades do mundo da arte. Na sua opinião, por que artistas são pessoas especiais?
Window horses é absolutamente sobre o processo criativo e o que isso significa sobre ser artista. O festival de poesia retratado no filme é uma expressão das experiências que eu tive em todo o mundo em festivais de cinema, onde eu compartilhei e aprendi com outras pessoas de outras línguas e culturas. Os festivais são oásis onde falamos sobre a vida e sobre como vemos as coisas e onde somos sempre bem recebidos com hospitalidade. São ambientes muito especiais e respeitosos, onde falamos sobre quem somos, onde estamos e para onde vamos. Espero que todos possam um dia viver esse tipo de experiência.


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