HQs Watchmen, O Cavaleiro das Trevas e outros títulos que revolucionaram a indústria de quadrinhos completam 30 anos Mudanças na maneira como protagonistas são retratados nas narrativas continuam impactando novas publicações

Por: Breno Pessoa

Publicado em: 31/10/2016 10:30 Atualizado em: 31/10/2016 11:09

Doutor Manhattan, um dos personagens centrais de Watchmen. Foto: DC Comics/Divulgação
Doutor Manhattan, um dos personagens centrais de Watchmen. Foto: DC Comics/Divulgação

Se histórias em quadrinhos hoje são mais facilmente aceitas como obras artísticas em pé de igualdade com produções do cinema ou da literatura, parte da mudança de percepção veio por conta de alguns títulos publicados exatamente 30 anos atrás, como Watchmen, O cavaleiro das Trevas e Maus. Além de exemplificar o quanto o ano de 1986 foi frutífero para o segmento, as três HQs sinalizam um ponto de virada para a indústria.

Considerado por muitos como o mais importante ano dos quadrinhos, 1986 foi época de amadurecimento da narrativa sequencial. Desse período, saíram ainda A queda de Murdock, um dos mais importantes arcos do Demolidor, O que aconteceu com o Homem de Aço, listada entre as melhores histórias do Superman, e Batman: Ano um, outra elogiada fase do Homem Morcego. Merece destaque também O sonhador, graphic novel com elementos autobiográficos de Will Eisner, que narra a trajetória de um autor de HQs nos anos 1930. 

Tratar a abundância de bons títulos apenas como coincidência talvez não seja a melhor explicação do fenômeno. Os quadrinhos já deixavam de ser vistos apenas como produto dedicado a crianças, como ocorreu sobretudo com as revistas de super-heróis entre os anos 1940 e 1950, e passaram a ter gerações de leitores mais velhos, que raramente eram contemplados nas tradicionais aventuras dos mocinhos fantasiados. A explosão de quadrinhos underground, nos anos 1960 e 1970, também pavimentou o caminho para histórias mais autorais e adultas nos requadros e balões.

Outro ponto importante foi o surgimento, nos Estados Unidos, das comic shops, lojas especializadas em quadrinhos, uma mudança de mercado que possibilitou às editoras uma distribuição mais eficiente e direcionada de obras. Esses pontos de venda abriram espaço também para editoras menores e autores independentes comercializarem títulos que não teriam espaço em prateleiras de supermercados ou bancas de revistas. Tartarugas ninja, HQ de Kevin Eastman e Peter Laird, adaptada para desenhos animados, filmes, videogames e uma infinidade de produtos, era produto exclusivo de comic shops no lançamento, em 1984.

Todo esse cenário contribuiu para que editoras ousassem mais e abrissem espaço para histórias mais autorais, mesmo em personagens consagrados, como ocorreu com Batman em O cavaleiro das trevas, escrita e desenhada por Frank Miller. A trama mostra o herói mais velho, aos 55 anos, voltando da aposentadoria para continuar combatendo o crime em Gotham City. A HQ já teve duas continuações, a terceira dela, O cavaleiro das trevas III: A raça superior, está em publicação atualmente nos EUA e no Brasil. Além de inevitável tentativa de resgatar o sucesso da obra original, algo que não foi alcançado na continuação nem nas primeiras edições da terceira parte de O cavaleiro das trevas, o esforço em gerar novos produtos em torno do título só ressaltam que a obra continua na mente dos leitores, mesmo 30 anos depois. O autor, inclusive, estará no Brasil para discutir a nova série do Batman na Comic Con Experience, em São Paulo, nos dias 1º e 2 de dezembro.

Maus: a história de um sobrevivente, de Art Spiegelman (Companhia das Letras, 296 páginas, R$ 54,90)

Embora traga protagonistas animais, a HQ não tem nada em comum com fábulas ou histórias infantis. A trama é verídica: Spiegelman conta a trajetória do pai, um judeu polonês que sobreviveu ao campo de concentração de Auschwitz. Nos desenhos, o artista retrata judeus como ratos, alemães, como gatos e poloneses não judeus, como porcos, enquanto os norte-americanos são cachorros. A primeira parte da série foi compilada em volume publicado em 1986, livro premiado pela National Book Critics Circle. A segunda e última parte da história, publicada em 1991, levou prêmios especializados dos quadrinhos, como o Harvey e o Eisner, além do Pulitzer de literatura de 1992, até hoje o único já concedido para uma graphic novel. O escritor Umberto Eco chegou a dizer que a obra é “um livro que ninguém consegue largar”.

Watchmen, de Alan Moore e Dave Gibbons (Panini, 460 páginas, R$ 110)

A primeira das 12 partes saiu em setembro. A HQ se destacou pelo tom sombrio do texto de Moore e pela narrativa cinematográfica de Gibbons. A HQ mostrou defeitos e falhas morais dos personagens habitualmente retratados como perfeitos. O ponto de partida é o assassinato de um combatente do crime em circustâncias misteriosas e, como pano de fundo, a Guerra Fria, questão que perpassa O cavaleiro das trevas. Posteriormente encadernada em volume único, ajudou a consolidar a entrada dos HQs em livrarias. Watchmen não está próximo dos livros apenas nas prateleiras: a revista Time listou a HQ entre os 100 maiores romances de língua inglesa. Em 2012, a DC Comics publicou Before Watchmen, série que serve de prelúdio para a minissérie. O quadrinho foi adaptado aos cinemas em 2009 e, atualmente, discute-se uma versão televisiva.

O cavaleiro das trevas, de Frank Miller (Panini, 516 páginas, R$ 94)

Geralmente colocado ao lado de Watchmen como das melhores HQs de super-heróis já publicadas, mostra um Batman diferente do habitual. Inseguro, mais violento e combalido pela idade, o Homem Morcego de Miller é crível e humano. Afastado do combate ao crime, Bruce Wayne volta a vestir o uniforme para salvar Gotham de uma nova onda de violência liderada por gangues jovens. A trama mostra um violento combate com o Superman e o embate final com o Coringa. A visão sombria influenciou diversos autores a escrever histórias com versões mais atormentadas e sombrias dos heróis, visto nos anos 1990 em títulos como Homem-aranha, X-men e Demolidor. A história já foi adaptada para animação e teve conceitos aproveitados em filmes do herói, incluindo o mais recente deles, Batman vs Superman: A origem da justiça.

A queda de Murdock, de Frank Miller (Salvat, 160 páginas R$ 39,90)

No período mais produtivo da carreira, Frank Miller também deu a contribuição para outro herói fantasiado, o Demolidor. Ao lado de David Mazzucchelli, com quem no mesmo ano produziria Batman: Ano um, ele apresentou uma abordagem mais pesada para o advogado cego Matt Murdock. Escrita simultaneamente a O cavaleiro das trevas, a história mostra uma ex-namorada de Matt vivendo como atriz pornô viciada em heroína que acaba vendendo a identidade secreta do vigilante ao seu maior inimigo, o Rei do Crime. O arco de histórias foi responsável por revitalizar o título do Demolidor, que ameaçava ser cancelado por conta das baixas vendas. Embora não tenha o mesmo reconhecimento de outros trabalhos de Miller, é um clássico das histórias em quadrinhos.

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