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Cinema Diretor de Aquarius entrega cargo de coordenador do Cinema da Fundaj Kleber Mendonça Filho representou o país no Festival de Cannes, onde protestou contra o governo Temer, e era o favorito à indicação brasileira ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro

Por: Viver/Diario - Diario de Pernambuco

Publicado em: 07/10/2016 10:04 Atualizado em: 07/10/2016 11:18

Cineasta disse que pensava na decisão há cerca de dois anos. Foto: Anne-Christine Poujoulat/AFP
Cineasta disse que pensava na decisão há cerca de dois anos. Foto: Anne-Christine Poujoulat/AFP


Kleber Mendonça filho não é mais responsável pela coordenação de Cinema da Fundação Joaquim Nabuco. O cineasta pernambucano entregou uma carta de exoneração ao presidente da instituição, Luís Otávio Cavalcanti, na qual alega que a decisão já vem sendo pensada ao longo dos últimos dois anos.

O pernambucano, que ocupa o cargo há 18 anos, diz que o afastamento se dá por motivos pessoais e profissionais. "Vem num momento particular da minha carreira como cineasta, carreira esta que sempre correu paralelamente às minhas funções nesta instituição", escreve ele na carta.

No texto, o cineasta conta como começou na Fundaj, aos 29 anos, e relembra as primeiras exibições de suas produções cinematográficas nas salas da instituição. Também escreve elogios: "Muito me alegra ver que, depois de 18 anos, o Cinema da Fundação tornou-se um órgão catalisador de diálogo, de cultura e que ele é visto e já estudado como grande incentivador para toda uma movimentação em torno do cinema de Pernambuco, produção esta que é hoje discutida em todo o Brasil e também no exterior a partir da comunidade criativa, que é algo impressionante". 

Por meio de nota, o presidente Luís Otavio Cavalcanti comentou o ocorrido. "Respeito a decisão do cineasta Kleber Mendonça Filho, de entregar o cargo por considerar este um ato pessoal. O mesmo respeito com que trato a decisão de Kleber Mendonça, de permanecer no cargo durante os 05 meses da atual gestão . Agradeço ao cineasta, pelo trabalho realizado na instituição e na promoção do Cinema da Fundação e desejo sucesso nessa nova etapa profissional", escreveu ele.

Kleber está agora nos Estados Unidos para lançar seu mais recente filme Aquarius no Festival de Cinema de Nova York. A produção já passou por grandes festivais internacionais como Cannes, Toronto, Sidney, Amsterdam, Munique e Gramado. No Brasil, enfrentou problemas junto ao governo após protesto contra a gestão do então presidente interino Michel Temer durante exibição na França. A equipe do longa levou placas com os dizeres "Um golpe está acontecendo no Brasil". Ao não ter seu filme escolhido pela Secretaria de Audiovisual para representar o país no Oscar, o diretor alegou estar sofrendo perseguição política.


Leia a carta de Kleber Mendonça Filho na íntegra:

"Caro Luiz Otávio

Venho, com esta carta, pedir meu desligamento da Fundação Joaquim Nabuco, onde desempenhei, com enorme prazer, e ao longo de 18 produtivos anos, a coordenadoria do Cinema da Fundação.

A decisão, que vinha sendo pensada já há quase dois anos, vem num momento muito particular da minha carreira como cineasta, carreira esta que sempre correu paralelamente às minhas funções nesta instituição, começando com meus filmes de curta-metragem e chegando às minhas três produções em longa-metragem.

Nessse ano de 2016, com novos projetos de realização em cinema no Brasi e no exterior materializando-se, vejo que equilibrar minha função fixa e diária na instituição com minhas produções torna-se finalmente inviável. Curiosamente, foi em 1992, na Fundação Joaquim Nabuco, no Derby, que eu mostrei publicamente pela primeira vez um filme meu, na época feito em vídeo.

Nesses 18 anos, também desempenhei o papel de crítico de cinema do Jornal do Commercio e escrevi para a Folha de S. Paulo. Toda essa atividade no campo do cinema e da cultura, de alguma forma, somava no sentido de dirigir de um setor que sempre teve como missão abrir espaço para o audiovisual numa instituição tão forte e respeitada como a Fundação Joaquim Nabuco.

Eu conheci a Fundação Joaquim Nabuco na infância, através da minha mãe, Joselice  Jucá, que foi diretora do Cehibra e do Departamento de História. Em 1998, três anos após sua morte prematura, vim, como repórter de cultura do Jornal do Commercio entrevistar a então Diretora do então Instituto de Cultura, Silvana Meireles, sobre o que, na época, era uma aquisição recente de equipamentos de som e projeção 35mm para o auditório José Carlos Cavalcanti Borges.

A minha pauta jornalística naquele dia: 'Qual a política de programação a partir desses novos equipamentos a serem usados pela instituição?". Silvana respondeu, em parte, indagando se eu teria o interesse de assumir o Cinema pensando numa política de programação e formação de público. Eu disse que sim, eu tinha 29 anos.

Muito me alegra ver que, depois de 18 anos, o Cinema da Fundação tornou-se um órgão catalisador de diálogo, de cultura e que ele é visto e já estudado como grande incentivador para toda uma movimentação em torno do cinema de Pernambuco, produção esta que é hoje discutida em todo o Brasil e também no exterior a partir da comunidade criativa que é algo impressionante. 

Nossas salas são referência, técnica e conceitualmente, com preços muito abaixo dos praticados pelos cinemas comerciais, muito embora para que tudo isso exista, um esforço às vezes grande demais seja necessário no dia a dia de uma instituição pública. É um trabalho árduo de equipe.

Preciso também deixa aqui registrada a minha gratidão pelo diálogo direto e inteligente com Dr. Luiz Otávio como presidente da Fundação Joaquim Nabuco num ano tão confuso politicamente para nosso Brasil, pela sua demonstração de respeito pelo trabalho que desenvolvi aqui, pela sua tentativa de acomodar uma situação incomum de ter um servidor público que faz filmes brasileiros com carreiras internacionais, e por ver que um filme pernambucano e brasileiro que viaja o mundo é motivo de orgulho para a nossa cultura, e nunca de vergonha. Também me chamou a atenção a clara admiração que Dr. Luiz tem pela Fundação Joaquim Nabuco, a história dessa instituição e seu papel na sociedade em todas as áreas nas quis ela atua, inclusive a cultura.

Também deixo aqui registrado o excelente diálogo com Valéria Costa e Silva como diretora de cultura e minha chefe, sempre no sentido de encontrar soluções construtivas para esta instituição. Em Valéria só consigo enxergar entusiasmo pela oportunidade de poder acrescentar algo à Fundação Joaquim Nabuco.

Por fim, deixo meu agredecimento à equipe de do cinema, de Vera Cavalcanti a João, Rosy, Paula, Selme a Aidige, Sandra e Romero (in memoriam). A Silvana Meireles e Isabela Cribari, que me trouxeram e me mantiveram aqui. E a Luiz Joaquim, que foi, desde 2001, excelente parceiro de trabalho, combinação rara que poderia ter dado errado (dois cinéfilos escolhendo filmes...), mas que deu muito certo, numa mescla de personalidades distintas unidas por um interesse nato por filmes e pela cultura.

Obrigado, Kleber"



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