Voadoras Diretor da comédia O Shaolin do Sertão diz que criou um herói do povo Em entrevista, o cineasta cearense Halder Gomes afirma que o filme pode provocar identificação entre os nordestinos, mais acostumados a ver heróis de outras realidades

Por: Júlio Cavani - Diario de Pernambuco

Publicado em: 19/10/2016 21:53 Atualizado em: 19/10/2016 18:25

Ator Edmilson Filho é engraçado, transmite humildade e é habilidoso nas artes marciais. Foto: Paris Filmes/ Divulgação
Ator Edmilson Filho é engraçado, transmite humildade e é habilidoso nas artes marciais. Foto: Paris Filmes/ Divulgação


Uma complexa simplicidade é o que torna O shaolin do Sertão um filme com grande potencial de comunicação com o público. Interpretado por Edmilson Filho, o protagonista da nova comédia cearense de arte marciais transmite uma humildade comovente, digna de grandes personagens do cinema, com um estilo sincero que tem origem na arte dos palhaços. Ao mesmo tempo, ele demonstra um excelente domínio corporal, essencial para transmitir credibilidade nas cenas de lutas. A proposta de combinar o kung fu com a cultura regional nordestina aproxima-se da perfeição nesta que pode ser considerada a terceira parte de uma trilogia dirigida pelo cineasta Halder Gomes, iniciada com o curta O artista contra o caba do mal e desenvolvida com o longa-metragem Cine Holliúdy, milionário fenômeno de bilheterias lançado em 2013.

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No papel do sonhador Aluísio Li, Edmilson é a alma do filme, que ganha ainda mais força com uma moldura formada por coadjuvantes e figurantes de rara expressividade. As expressões dos personagens secundários são uma riqueza à parte no filme, seja pela presença de figuras mais conhecidas, como o cantor Falcão, o palhaço Tirullipa ou o trapalhão Dedé Santana, ou pela simples aparição rápida de pessoas que estão ali para refletir uma assumida identidade cearense manifestada nos rostos de gente do povo, com um resultado de inclusão cultural de um povo normalmente localizado na periferia da hegemonia cinematográfica.

Apesar de arriscar piadas que serão consideradas politicamente incorretas, O shaolin do Sertão encontra o tom certo entre o respeito e a ridicularização. Estereótipos são reforçados, mas a autoestima sai mais fortalecida do que qualquer tipo de constrangimento ou ofensa.

O personagem principal é um homem que, na década de 1980, entre as cidades de Quixabá e Quixeramobim, acredita ser herdeiro da cultura milenar oriental e vive entre a realidade sertaneja e a quixotesca fantasia dos tempos das fitas de VHS. A comunidade zomba do comportamento do herói, até que ele encontra a oportunidade de mostrar as habilidades em um ringue diante de todos.

Pela maneira como combina o humor com kung fu, Jackie Chan teria um parentesco com O shaolin do Sertão, mas a comédia de Halder Gomes vai além ao resgatar o deslumbramento provocado pelo cinema chinês sobre os nordestinos graças às artes marciais, o que resulta em um inusitado sincretismo cultural, como o próprio diretor identifica em entrevista cedida por telefone ao Viver. Na vida real, inclusive, o cineasta, dono de uma segura habilidade nos recursos da linguagem cinematográfica, amava tanto os filmes de luta que se tornou mestre das academias e dublê em produções no exterior antes de consolidar-se por trás das câmeras.

Halder Gomes nas filmagens. Foto: Jarrod Bryant/ Divulgação
Halder Gomes nas filmagens. Foto: Jarrod Bryant/ Divulgação

ENTREVISTA // HALDER GOMES

Em um filme como O shaolin do Sertão, o ator tem que saber apanhar tanto quanto bater?
O planejamento da coreografia das lutas envolve ação e reação. As duas coisas são importantes e difíceis de encenar. É a reação que vai garantir a intensidade jogada na cena. Quando a pancada é no rosto, mudamos o ângulo da câmera para evitar o contato, mas o ator tem que saber cair pra trás na hora certa. A dificuldade depende muito do tipo de golpe e de quem participa. Quando há a presença de um lutador profissional, por exemplo, ele consegue calcular melhor os movimentos e controlar o impacto.

No filme, o personagem apanha mais do que bate. É uma característica bastante presente em filmes de luta, até mesmo no caso do boxe, quando o lutador reage quando está prestes a perder a luta. Por que isso ocorre?
É um caminho narrativo que fortalece a virada da vitória. Quando você tem apego pelo personagem, você sofre junto com ele e torce pelo momento de superação. O espectador sente identificação e projeta a experiência do personagem no próprio cotidiano, nos desafios diários, nos atropelos da vida.

Como foram feitas as imagens que parecem ser VHS desgastado? Vocês usaram fitas ou é tudo produzido digitalmente? Você sente saudade desse tipo de imagem desgastada das fitas de VHS pirateadas? Há um lado afetivo nesse resgate?
Quando o filme entra na cabeça do personagem, entramos no mundo do videocassete. Foi através do VHS que ele criou o imaginário sobre o kung fu e sobre o próprio passado. Naquela época, os filmes eram copiados de uma fita para outra, o que gerava um desgaste na imagem e fazia faixas de interferência atravessarem a tela. Fizemos tudo de forma digital. A câmera usada nessas cenas foi a mesma que usamos em todas as sequências do filme. Filmamos tudo com melhor qualidade possível para depois acrescentar os efeitos de desgaste na pós-produção.

Na trilha do filme, há uma música aparentemente cantada em chinês, com um estilo que lembra Je t'aime...moi non plus, de Serge Gainsbourg. A ideia era parodiar mesmo?
Eu queria ver como ficaria a sensualidade de Serge Gainsbourg em chinês. Fiz esse desafio para o músico Erlon Robson, que fez a trilha do filme. Eu também o desafiei a elaborar uma fusão entre o estilo da música chinesa dos filmes de kung fu e a música regional nordestina. Criamos músicas chinesas com triângulo, sanfona e zabumba.

A presença de Dedé Santana é uma espécie de homenagem aos filmes dos Trapalhões? O que você acha que há em comum entre O shaolin do Sertão e as comédias dos Trapalhões?
Eu acho que são estilos distintos, mas que dialogam pela presença do humor ingênuo. Conhecer os Trapalhões era um sonho que eu tinha desde criança. Foi fascineante ter o Dedé em cena, apesar de ser com um personagem que destoa do estilo que ele fazia na época dos Trapalhões. É uma forma de criar uma ponte entre as gerações.

O filme é recomendado para o público infantil?
A faixa etária do público do filme deve ir dos cinco aos 100 anos de idade. É um resgate histórico. Os mais velhos vão lembrar da época retratada, quando os filmes de luta faziam sucesso no interior do Ceará e estimulavam a realização de torneios, com lutadores lendários, que tinham nomes como He-Man do Nordeste e Rei Zulu. Dá pra encontrar esses vídeos antigos na internet. Ao mesmo tempo, as artes marciais ainda fascinam as crianças das novas gerações com o sucesso de personagens como As Tartarugas Ninja ou os Power Rangers. No filme O shaolin do Sertão, as novas gerações vão perceber que esse universo não precisa estar fora da realidade e pode estar mais próximo do cotidiano, com um herói nosso, uma pessoa simples.

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