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Luto Artistas e familiares se despedem do músico Erasto Vasconcelos Corpo do artista foi sepultado no Cemitério de Guadalupe, em Olinda

Por: Larissa Lins - Diario de Pernambuco

Publicado em: 28/10/2016 18:12 Atualizado em: 28/10/2016 18:27

Erasto Vasconcelos morava em Maranguape, em Paulista, Grande Recife, e mantinha estilo de vida reservado. Foto: Annaclarice Almeida/DP
Erasto Vasconcelos morava em Maranguape, em Paulista, Grande Recife, e mantinha estilo de vida reservado. Foto: Annaclarice Almeida/DP

Erasto Vasconcelos vivia uma solidão própria, confortável, na qual adentravam os outros eventualmente, quando ele lhes permitia a visita. No apartamento em Maranguape, em Paulista, Grande Recife, escrevia pensando em pássaros, batuques, memórias. Cenilda Vasconcelos, irmã dele, diz que Erasto saboreava a solidão - habilidade que nem toda criatura é capaz de desenvolver.

Morre aos 70 anos o músico Erasto Vasconcelos, irmão de Naná Vasconcelos


Morto por volta das 21h da quinta-feira (27), em decorrência de parada cardíaca, o músico e escritor pernambucano recebeu homenagens de amigos e familiares na tarde desta sexta (28), quando seu corpo foi sepultado no Cemitério de Guadalupe, em Olinda. Nomes da classe artística local compareceram ao velório, como o cineasta Cláudio Assis e o músico e regente Maestro Forró. “Erasto representava espontaneidade, alegria. Ele extrapolou as fronteiras da música e interagiu com diferentes linguagens”, lembrou Forró.

Hoje reconhecido à frente da Orquestra Popular da Bomba do Hemetério, Forró viu em Erasto um incentivador: “Nos anos 1990, no início da carreira, participei de concurso de músicas carnavalescas, apresentando um  maracatu. Erasto era um dos jurados. Enquanto os outros me deram nota 4, nota 6, ele me deu 10. Foi o único. E eu guardo essa gratidão comigo, não pela nota, mas porque ele foi o único que entendeu o meu maracatu. Os outros disseram que aquilo era outra coisa, não fazia parte do gênero. Erasto disse que era algo novo, uma releitura, mas era maracatu, sim. Mais tarde, essa música fez sucesso, foi reconhecida. Mas isso não importa. O importante é que Erasto entendeu o meu trabalho, ele compreendeu aquilo 20 anos antes dos outros”, conta. Ele se refere à música Suburbano, faixa do álbum Jorrando cultura ao vivo, da Orquestra Popular da Bomba do Hemetério. Para Forró, Erasto Vasconcelos era um homem à frente do próprio tempo.

Erasto era irmão de Naná Vasconcelos, morto em março deste ano. Foto: Juliana Leitão/DP
Erasto era irmão de Naná Vasconcelos, morto em março deste ano. Foto: Juliana Leitão/DP
Entre percussionistas olindenses reunidos no sepultamento para o último cortejo do músico, a sensibilidade de Erasto guiava os batuques, os silêncios. Irmão do percussionista e arranjador Naná Vasconcelos, Erasto chegou a viver por um tempo nos Estados Unidos e em capitais de outros estados brasileiros, mas regressou definitivamente a Pernambuco, seu estado natal. Compartilhou palco e estúdio com diferentes nomes da música nacional - Alceu Valença, Lula Côrtes, Robertinho do Recife, Zé Ramalho - e estrangeira - Vernon Reid, Ornette Coleman e Cecil Taylor.

 “Ele preenchia suas horas escrevendo, compondo. Nos deixa coisas lindas. Certamente, há muito material inédito, do qual só tomaremos conhecimento mais tarde, quando organizarmos as coisas dele, o apartamento em Maranguape, que agora está fechado. Ainda vamos descobrir muitas composições”, conta Cenilda Vasconcelos, que assistiu o irmão - que sofria transtornos psicossomáticos, controlados por medicação administrada por ele - até o último dia de vida.

Do casamento com Ana Maria Vasconcelos, hoje radicada na Índia e de quem era separado, Erasto deixa uma única filha, Ginga Vasconcelos, de 34 anos, que vive em Florianópolis. Nenhuma das duas conseguiu comparecer ao enterro. “Ele pensava em enviar os instrumentos à filha. É algo em que ainda não pensamos, o destino dos objetos pessoais. A perda é muito recente. Mas vou contactá-la para decidirmos”, diz a irmã. Entre o legado, o mais conhecido de seus trabalhos é o disco Jornal da palmeira, lançado em 2005 pela Candeeiro Records. O álbum foi produzido por Fábio Trummer (Banda Eddie), com quem Erasto trabalhava e compunha regularmente. Segundo Trummer, outras gravações independentes podem vir à tona após a partida do amigo, embora Jornal da palmeira seja o principal álbum trabalhado no mercado fonográfico.

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Poucas horas antes da partida, em decorrência de parada cardíaca, Erasto chegou a cantarolar para a médica que o acompanhava. “Havia dias em que dizia que queria estar bonito. As cuidadoras arrumavam ele, ele conversava bastante, mesmo com a respiração curta”, lembra Cenilda. O músico se manteve lúcido por todo o período de internação: deu entrada no Hospital Miguel Arraes, em Olinda, no dia 14 deste mês.

O cantor, compositor e arranjador também escrevia. Foto: Bernardo Dantas/DP
O cantor, compositor e arranjador também escrevia. Foto: Bernardo Dantas/DP
Ele sofria complicações decorrentes de infarto sofrido em agosto passado, quando fora socorrido para o Pronto-Socorro Cardiológico de Pernambuco Professor Luis Tavares da Silva (Procape), em Santo Amaro. Desde então, a saúde estava prejudicada. Nas semanas seguintes ao infarto, considerado agressivo pelos médicos, Erasto Vasconcelos recebeu apoio dos amigos pernambucanos.

Artistas locais promoveram uma feijoada com shows voluntários, cuja verba foi destinada a tratamentos e medicações de Erasto, que chegou a ter três cuidadoras em casa. “No início da noite da quinta-feira, uma delas me ligou e disse que ele estava mais abatido. Recebi o telefonema do hospital poucas horas depois”, conta Cenilda.

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