Danças urbanas lutam para conquistar espaço no Recife e Região Metropolitana
Estilos como o popping, o waacking e o vogue são praticados por dançarinos locais e trazem à pauta temas como resistência cultural e empoderamento feminino
Publicado: 10/09/2016 às 08:57

Da esquerda para a direita: Anderson Dimas, Glaudsone Mago, Hulli Cavalcanti (Hullipop), Ayrton Tavares e Igor César.Todos fazem parte do Funkynáticos, grupo voltado para a pesquisa do popping com outras danças urbanas. Crédito: Peu Ricardo/D.P/D.A. Press./
Popping, waacking, locking, vogue, animation, dancehall, stiletto. Mesmo para quem é familiarizado com o vocabulário da dança, essas palavras podem soar estranhas. Estes são apenas alguns exemplos de uma infinidade de danças urbanas, que surgiram no século 20, em meio às grandes cidades dos Estados Unidos, e vocalizaram os desejos de uma grande massa de pessoas no mundo inteiro que desejavam se expressar pelo movimento. Já em Pernambuco, seus praticantes tentam conquistar visibilidade e respeito mesmo com a falta de conhecimento da grande maioria da população.
Até quem já ouviu falar de danças urbanas muitas vezes tem o conhecimento limitado ao break dance, mas não sabe que elas fazem parte de um universo muito maior. O surgimento desses estilos está ligado a vários contextos e influências, seja das periferias, das prisões ou de referências pop como um todo. Alguns bailarinos e grupos, então, trabalham para que essas danças urbanas sejam difundidas não apenas na cena hip hop, mas em outros locais e momentos. É o caso do Funkynáticos, grupo fundado em 2007 que conta atualmente com quatro integrantes fixos: Anderson Dimas, Ayrton Tavares, Igor César e Hulli Cavalcanti, conhecida como Hullipop. Além deles, o bailarino Gladsone Moura treina com o grupo há um ano.
O grupo trabalha com várias danças urbanas, incluindo o popping, o waving, o robot e o animation, principalmente ao som do funk e do eletrofunk, e também participa de batalhas de popping. Para compor seus movimentos, os bailarinos mesclam fundamentos de vários estilos, a partir da pesquisa de cada um. “Pesquisamos muito para conseguirmos um bom resultado, mas a falta de acesso faz com que o popping, por exemplo, seja confundido com muitas outras danças”, aponta Hulli.
Além de dançarem popping em batalhas e darem aulas, alguns membros do Funkynáticos, como Ayrton, Hullipop e Dimas, formaram o Grupo Acaso, no qual unem alguns dos princípios das danças urbanas a outras matrizes, como a contemporânea. “No nosso cotidiano, sempre tentamos absorver movimentos de outros ritmos, como o frevo, o coco e o maracatu. Queremos trazer isso como nosso diferencial”, aponta Igor. O Funkynáticos já se apresentou em eventos como a Mostra Brasileira de Dança e está em processo de montagem de um espetáculo chamado Persona.
Já a cultura pop tratou de tornar mais conhecido o vogue, dança urbana popularizada no mundo inteiro após a música e o clipe homônimos de Madonna. Um dos bailarinos que trabalha a técnica no Recife é Edson Voguee, que fala sobre as origens dela. “Esse tipo de movimento nasce nas prisões norte-americanas, quando os prisioneiros só tinham acesso a duas revistas: Playboy e Vogue. Alguns presos copiavam as poses de moda e, quando saíam da cadeia, levavam isso pros clubes. Atualmente, há 5 subcategorias e, na essência, são compostas por referências da moda, da yoga, da ginástica rítmica”. Ele também trabalha com o stiletto, dança realizada com saltos altos e finos, e, muitas vezes, ele mescla ambas em uma mesma coreografia.
Segundo Edson, o vogue é uma dança de resistência nascida no seio da comunidade gay, negra e latina dos Estados Unidos, mas esse sentido é ignorado ou malvisto em ambientes mais hegemônicos da dança. “Estou no 8º período de Dança da UFPE e percebo um eurocentrismo muito grande na universidade. Temos disciplinas de dança moderna, contemporânea, balé clássico, mas muitos dos meus colegas nunca tinham ouvido falar em vogue. Alguns professores apoiam os alunos que gostam de danças urbanas, outros torcem o nariz por essa origem na cultura massiva. Se quero trocar conhecimento, tenho que procurar na internet ou conversar com quem mora fora de Pernambuco”.
No Coletivo RecBeats Crew, fundado em 2013, cada um dos sete integrantes, quatro mulheres e três homens, têm pesquisas próprias em danças urbanas e trazem seus achados para o grupo. Os bailarinos são Will Oliveira, Duda Serafim, Wellington José (Blawder), Gessy Félix, Carlos Alberto, Paula Dri, dançarina de waacking, e Rany Hilston, adepta de várias danças, incluindo o afro fusion e o dancehall.
Segundo Paula, “o waacking nasceu nos bailes sociais dos anos 70 e tem uma força performática muito grande”. Rany, por sua vez, diferencia essa dança do dancehall. “O waacking é uma dança muito estética. Já o dancehall é originário da Jamaica e tem uma pegada mais sensual e agressiva, com muitos passos de ataque. A cada dia são inventados passos novos”, diferencia Rany. Segundo ela, a ideia do grupo é integrar as danças de cada um, abrindo espaço, inclusive, para a realização de um laboratório de danças urbanas, “Queremos fazer um trabalho sério e sermos reconhecidos por isso. Já aprovamos dois projetos no Funcultura este ano. As pessoas não entendem o quanto suamos para pesquisar e divulgar esses estilos. É um ofício e queremos uma profissionalização dele”.
MACHISMO NAS DANÇAS URBANAS
Tanto Hullipop quanto Paula Dri e Rany Hilston são enfáticas em trazer à luz uma questão que passou a ser discutida dentro da comunidade de danças urbanas: o machismo. Para elas, a participação feminina nesse contexto também pode ser vista sob o signo da luta pela igualdade de gênero. Hullipop, por exemplo, pretende começar no mês que vem um grupo de treino específico para mulheres. “O ambiente no qual estou inserida é muito masculino e há um acanhamento feminino em ocupar esse espaço, fazer break, ir para o chão. Se você coloca uma roupa apertada, você é vista como sensual demais. Se a roupa é muito folgada, ela é masculina demais”.
Paula Dri, por sua vez, credita o seu início no waacking justamente à procura de um espaço onde ela pudesse se sentir mais à vontade para dançar. “Eu treinava breakdance até o ano passado, mas tive uma crise de identidade com ele porque fazia parte de um grupo onde só treinavam homens. Era como se eu estivesse negando a minha feminilidade. Acredito, por exemplo, que o waacking demorou a ser considerado como dança urbana muito por causa da homofobia. Esse ainda é um ambiente muito agressivo com relação ao feminino”. Rany Hilston ilustra essa percepção de julgamento do corpo feminino com uma história pessoal. “Um dia, eu estava dançando e fiquei olhando para um cara. Quando terminei, ele pensou que eu quisesse ficar com ele, mas eu estava apenas fixando meu olho em um ponto para dançar”.
HIP HOP E DANÇAS URBANAS
O hip hop é formado por quatro elementos básicos: o mestre-de-cerimônias ou MC, o DJ, o grafite e o breakdance. Esta última é a mais conhecida forma de dança urbana no Brasil e, muitas vezes, os praticantes de outros estilos começam nela, como Paula Dri. No entanto, estilos como o popping e o locking foram criados antes mesmo do breakdance. Um dos maiores nomes desse estilo no Brasil é o pernambucano Nelson Triunfo, pioneiro da cultura hip hop no País e atualmente radicado em São Paulo. Além de ser um dos impulsionadores das danças urbanas como um todo no Brasil, aparecendo em programas de televisão, realizou projetos sociais voltados para a área.
INFLUÊNCIAS PARA OS BAILARINOS
Michael Jackson
O artista foi um dos maiores divulgadores das danças urbanas por meio de suas coreografias, criadas, muitas vezes, por alguns dos bailarinos mais habilidosos nessa área. Passos vistos em clipes de músicas como Billie Jean, Beat it e Thriller ou o famoso passo conhecido pelos fãs como moonkwalking vêm de estilos como o popping, o locking ou o robot dance.
Soul Train
O programa de TV surgiu nos Estados Unidos em 1971 e durou até 2006, mas seu auge foi mesmo nos anos 70. Nele, apareciam os artistas mais famosos da black music e, com eles, dançarinos que influenciaram gerações, como Tyrone Proctor, um dos mais famosos waackers do mundo. Diana Ross também foi uma cantora que deu bastante apoio aos bailarinos.
Soundsystems da Jamaica
Essas festas eram comuns na Jamaica desde os anos 60, mas foi nos anos 80 que a dança oriunda delas, o dancehall, se espalhou pelo mundo. Frequentados pela população do país, incluindo os bandidos jamaicanos, chamados de rude boys, os soundsystems eram palco de competições onde as gangues podiam resolver algumas de suas diferenças pela dança.
ORIGEM E FUNDAMENTOS DAS DANÇAS
Muitas das danças urbanas não têm nomes específicos para passos, mas a realização de cada uma depende de fundamentos básicos. Conheça alguns:
Vogue: as cinco categorias são old way (jeito antigo), new way (jeito novo), runway (passarela) e femme vogue, que tem duas variações: dramatics e soft and cunt. Entre os passos, estão o drop (queda), hand performances (performances de mão), giros e andar em uma passarela imaginária (up runway), torções de braço (breakbones) e dançar agachado (duck walk)
Waacking - É inspirada nas divas do cinema mudo e suas poses e teve popularidade nos anos 70, em bailes da disco music. seus fundamentos principais são o whack, ou movimentação de braços; poses ou drama, que é a incorporação de um personagem, e elegance, voltado para a expressão do rosto
Popping - Criada na Califórnia em 1970, pelo bailarino Sam Solomon, conhecido como Boogaloo Sam, a dança trabalha com contrações musculares rápidas ao ritmo da música, como se o bailarino estalasse as articulações.
Waving - Muitas vezes praticada em conjunto com o popping, traz o movimento ondulatório, especialmente dos braços, como maior característica.
Animation - tem como base a movimentação de animais.
Robot, como o nome já diz, traz ações robóticas, com paradas abruptas.
ONDE APRENDER
Aula mista de dancehall, swag e stiletto com Rany Hilston - sábado, das 13h às 15h - Carvalho Studio de Dança - Rua da Aurora, 325, Boa Vista, loja 3, térreo. Informações: 3423-6656.
Popping com Hullipop
Tterças e quintas, das 14h às 15h, no Carvalho Studio de Dança
Vogue com Edson Voguee
Quintas às 19h e sábados, às 13h, no Atelier de Dança Jaqueline Colares - Rua Álvares Cabral, 280, Bairro do Recife - Informações: 99620-4371.

