QUADRINHOS Autoras brasileiras ganham espaço na produção de quadrinhos Distribuição digital e editoras independentes ajudam a difundir obras feitas por mulheres

Por: Breno Pessoa

Publicado em: 17/09/2016 20:00 Atualizado em: 19/09/2016 16:48

"As mulheres sempre estiveram aí. Só que agora aparecem mais", acredita Bianca Pinheiro, autora de Bear. Foto: Nemo/Divulgação.
"As mulheres sempre estiveram aí. Só que agora aparecem mais", acredita Bianca Pinheiro, autora de Bear. Foto: Nemo/Divulgação.

Batman, Homem-Aranha, Tintim, Asterix, Goku e Tex. Alguns dos mais famosos personagens dos quadrinhos são figuras masculinas, criadas, escritas e desenhadas por homens, majoritariamente. A predominância do gênero na produção de HQs ainda é realidade, mas a presença feminina na autoria dessas obras vem aumentando, com iniciativas de grandes editoras e também de escritoras independentes.

A Marvel e a DC Comics, maiores selos norte-americanos de quadrinhos de super-heróis, vêm dando mais protagonismo a mulheres, ficcionais e reais, em títulos recentes. Capitã Marvel e Mulher Maravilha, duas das mais importantes heroínas das editoras, têm recebido maior destaque em títulos e, serão, nos próximos anos, levada às telas do cinema com filmes solo. “Mais do que justo, é algo obrigatório. Quadrinhos não são específicos para um só gênero”, diz a desenhista Adriana Melo sobre o maior destaque que personagens femininos passaram a ter nas publicações. Ela, que já trabalhou para algumas das principais editoras internacionais de HQs, elogia títulos como Miss Marvel e Batwoman, outros dos expoentes recentes em títulos de super-heróis.

A artista diz perceber, hoje, melhor representação das mulheres nos quadrinhos e também menor sexualização das personagens, algo recorrente em publicações até os anos 1990. “Eu consigo olhar para trás e perceber que percorremos um caminho, mas que ainda há muito a ser feito”, diz Ana Recalde, autora de Beladona, HQ nacional de terror. A escritora, que cresceu lendo gibis de super-heróis, destaca que hoje existem mais mulheres atuando no mercado de quadrinhos mainstream e também melhor representação de personagens femininas nesses títulos, mas que no mercado independente há uma produção ainda mais expressiva.

“Quando comecei a escrever, a minha impressão era de que não havia outras mulheres fazendo quadrinhos. Havia um pouco de desconforto, era como entrar em um grupo de meninos. Com o tempo, fui descobrindo, principalmente nos coletivos femininos, que havia muitas mulheres produzindo”, destaca Recalde, que também é editora da Pagu Comics, selo especial da plataforma de streaming de HQs Social Comics, para produções de autoras brasileiras.

“Por ser mulher, você tem experiências diferentes (de um homem) e traz outras perspectivas para os quadrinhos”, enfatiza a escritora, ressaltando a importância de pluralidade e diversidade de visões nos quadrinhos.

A maior presença de autoras e personagens femininas não parte apenas de uma tentativa de tornar os produtos mais diversificados, mas de uma necessidade mercadológica: segundo estimativas do site especializado em histórias em quadrinhos Graphic Police, mais de 40% dos consumidores de HQs são mulheres.

A internet como plataforma
Se nos quadrinhos norte-americanos já é sentido o movimento girl power, o segmento autoral e independente tem ainda mais representação, sobretudo com as possibilidades de publicação proporcionadas pela internet. Mais do que um espaço democrático, autoras encontram na web um ambiente propício ao diálogo.

O site brasileiro Lady Comics funciona como plataforma de debate do papel da mulher na produção artística e também vitrine para autoras do mais variados gêneros. A equipe do portal conta com quase 20 integrantes e colaboradoras fixas, que se dividem nas tarefas de divulgação e atividades em feiras de quadrinhos e afins.
Gata garota, de Fefê Torquato surgiu na web e ganhou versão impressa. Foto: Nemo/Divulgação.
Gata garota, de Fefê Torquato surgiu na web e ganhou versão impressa. Foto: Nemo/Divulgação.

"Quase tudo que vemos (em quadrinhos) vem dos homens ou protagoniza os homens de algum modo", diz Bianca Pinheiro, mais uma das autoras que conseguiram fazer a migração da internet para as publicações físicas. "É normal a gente (mulheres) ser capaz de se relacionar com conteúdos feitos por qualquer pessoa. Para os homens, é mais difícil, imagino, porque tudo é sempre feito para eles", opina a quadrinista, que começou com webcomics. Bear, seu trabalho mais famoso, que conta a história de uma menina perdida procurando o próprio lar ao lado de um urso, tem uma nova página divulgada sempre às terças-feiras (no site bear-pt.tumblr.com) e ganhou também versão impressa, publicada pela editora Nemo. 

As aventuras já estão no terceiro volume, Bear 3 (Nemo, 88 páginas, R$ 37,90) lançado em agosto, durante a Bienal do Livro de São Paulo. No mesmo evento, a autora lançou Mônica: Força (Panini, 84 páginas, R$ 34), graphic novel com a personagem criada por Mauricio de Sousa. A quadrinista recebeu carta branca do autor para fazer uma releitura autoral das histórias da personagem do gibi.

Lu Cafaggi é mais uma que fez a transição entre o virtual: foi uma das primeiras autoras a colaborar com o Lady Comics, na estreia do site, em 2010, e também publicou os primeiros trabalhos no blog pessoal. Mais um ponto em comum com Bianca Pinheiro é o fato de também ter desenhado os personagens de Mauricio de Sousa (em parceria com o irmão, Victor) nas HQs Turma da Mônica: Laços (2013) e a continuação, Lições (2015). O mais recente trabalho dela são os desenhos de O mundo de dentro: Bruna Vieira em quadrinhos (Nemo, 80 páginas, R$ 36,90), uma espécie de biografia ficcionalizada em quadrinhos da youtuber Bruna Vieira.

"Eu vejo a quantidade e a qualidade dos quadrinhos feitos por mulheres no Brasil evoluir rapidamente a cada dia, mas a valorização desse trabalho não cresce na mesma proporção, infelizmente", podera Fefê Torquato, expoente com a webcomic Gata garota. Protagonizada por uma simpática menina com características felinas, a HQ publicada em gatagarota-hq.tumblr.com mistura humor, drama e aventura em delicadas ilustrações em preto e branco. O material também já foi parcialmente publicado pela Nemo. 

Fefê Torquato vê progresso no cenário e maior diversidade na produção, mas tem ressalvas. "Se considerarmos que as mulheres são mais da metade da população mundial, a presença delas como protagonistas de histórias universais, causando empatia em mulheres e homens, como autoras e criadoras de grandes personagens e editoras ainda é extremamente desproporcional", podenra.


Novo olhar
Ninguém melhor do que as mulheres para levar às páginas as angústias, pensamentos e situações enfrentadas por elas. Garota siririca (garotasiririca.com), escrita e desenhada por Lovelove6, aborda de com bom humor questões relativas à masturbação feminina, erotismo e sexualidade. Também com veia cômica, a ilustradora e quadrinista Fabiane Langona, a Chiquinha (chiqsland.uol.com.br), publica quadrinhos e cartuns protagonizados por personagens femininas, retratando assuntos como menstruação, depilação e relacionamentos virtuais. Políticas sociais, aborto e feminismo também estão na pauta da artista.

Ícone do feminismo na cultura pop, a Mulher Maravilha costuma ser retratada de forma sexualizada. Foto: DC Comics/Divulgação
Ícone do feminismo na cultura pop, a Mulher Maravilha costuma ser retratada de forma sexualizada. Foto: DC Comics/Divulgação

Heroína
A mais famosa super-heroína dos quadrinhos, a Mulher Maravilha foi criada pelo psicólogo William Moulton Marston. Apesar do lado positivo, de incluir uma figura feminina forte no panteão dos heróis das revistas, a criação é habitualmente criticada pela representação sexualizada da personagem. Nas primeiras aparições, a partir de 1941, era comum ver a heroína amarrada, amordaçada ou vítima de torturas. O uniforme também é alvo de críticas: decotes e saias curtas fizeram parte da indumentária da Mulher Maravilha durante maior parte da existência.



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