Jornalismo O dia em que Geneton Moraes Neto tomou o primeiro grande susto no jornalismo Repórter faleceu nesta segunda-feira em virtude de um aneurisma na aorta

Por: Viver/Diario - Diario de Pernambuco

Publicado em: 22/08/2016 21:05 Atualizado em: 22/08/2016 21:30

Jornalista começou a carreira no Diario de Pernambuco. Foto: Nando Chiappetta/DP
Jornalista começou a carreira no Diario de Pernambuco. Foto: Nando Chiappetta/DP

Nos anos de trabalho no Diario de Pernambuco, o jornalista Geneton Moraes Neto, falecido nesta segunda-feira em virtude de um aneurisma na aorta, colecionou histórias marcantes. Uma delas se passou ao entrevistar o escritor Júlio César de Melo e Sousa, conhecido pelo pseudônimo Malba Tahan, autor do célebre livro O homem que calculava.

O autor estava de passagem pelo Recife, em 1974, para uma série de palestras sobre educação, quando morreu, aos 79 anos, vítima de ataque cardíaco. Doze horas antes do incidente, o então repórter do Diario de Pernambuco Geneton Moraes Neto havia entrevistado o matemático e escritor. Mais de quatro décadas depois, pedimos ao jornalista para rememorar a experiência. (texto publicado originalmente em 9 de agosto de 2015).

Confira o depoimento de Geneton ao Diario


A ÚLTIMA FALA, O PRIMEIRO SUSTO

"Deve ter sido o primeiro susto que tive no jornalismo. Repórter iniciante, eu tinha meus dezessete anos de idade. Trabalhava no Diario de Pernambuco à tarde e fazia o primeiro ano de jornalismo na Universidade Católica à noite. Quando cheguei para trabalhar, pouco antes das duas da tarde, o então chefe de reportagem, Ricardo Carvalho, me perguntou, ansioso: "Você guardou alguma coisa da entrevista com Malba Tahan ou usou tudo na matéria que saiu no jornal de hoje? ".  Respondi com uma pergunta: "...Mas por quê?". E ele: "O homem morreu! Teve um enfarte no hotel! Fulminante!". A incredulidade se instalou no ar. Só havia uma coisa a dizer: "O quê? Não é possível!". Mas era: o escritor que me dera entrevista poucas horas antes, na sede do Diário de Pernambuco saíra do jornal para morrer num quarto de hotel, em Boa Viagem.

Eu tinha entrevistado o escritor Malba Tahan no final da tarde do dia anterior, na sala do então superintendente do jornal, Gladstone Veira Belo. A lembrança é clara: eu estava me preparando para deixar a redação e ir para a aula quando fui convocado a comparecer à sala da direção para entrevistar um visitante. Em situações normais, os pobres dos repórteres reagem com um muxoxo quando são  chamados a fazer as tais entrevistas com visitantes ( em geral, autoridades que dificilmente pronunciarão algo de relevante numa "visita de cortesia" aos bravos rapazes da imprensa...). Mas ali era diferente.

Posso até ter reagido com um muxoxo, mas o visitante era uma espécie de "ídolo" literário dos meus tempos de infância: eu tinha lido, para um trabalho escolar, o livro "O Homem que Calculava" ( ou terei ganhado de presente um exemplar? Aqui, minha memória claudica miseravelmente ). Depois, um exemplar de Maktub fora parar em minhas mãos. Maktub - a gente logo aprendia - queria dizer "estava escrito". A palavra "maktub", portanto, carregava um certo peso dramático: parecia avisar que a vida pode ser regida por maquinações indecifráveis do destino.

Os livros falavam de mundos mágicos e misteriosos, personagens que se moviam por paisagens orientais de uma beleza cintilante. O nome Malba Tahan tinha o poder de deflagrar, num passe de mágica oriental, essas lembranças "literárias". E lá estava ele: efusivo, entusiasmado, falava da visita ao Recife como se fosse marinheiro de primeira viagem. Guardei um detalhe: Malba Tahan trajava um paletó quadriculado. Fora visitar o Diário, na Praça da Independência, em companhia da mulher. Voltei às pressas para a redação para redigir a entrevista que seria publicada no dia seguinte. Zarpei para a escola. O escritor seguiu para o hotel. Estava escrito que aquelas seriam as últimas horas do autor de Maktub. Estava escrito que Malba Tahan, na verdade, nunca existiu: era apenas o pseudônimo de um professor de matemática carioca chamado Júlio César. Jamais visitara o Oriente. Que importa?

O que interessa é que tinha virado sinônimo de mundos mágicos, distantes, inalcançáveis. Estava escrito que, lastimavelmente, aquela seria a última fala de Malba Tahan - e o primeiro grande susto do jovem repórter. Estava escrito: maktub,. maktub, maktub."


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