Batida Nova safra de músicos fomenta cena eletrônica DJs bandas pernambucanas reforçam pluralidade da produção local

Por: Breno Pessoa

Publicado em: 04/07/2016 20:00 Atualizado em: 10/07/2019 21:39

Radiola Serra Alta, de Triunfo, investe em referências nordestinas. Flora Pimentel/Divulgação
Radiola Serra Alta, de Triunfo, investe em referências nordestinas. Flora Pimentel/Divulgação

Se nos anos 1990 o manguebeat deu certo espaço para a música eletrônica como ingrediente no caldeirão de ritmos e influências do movimento, hoje o eletrônico passa por uma fase de maior protagonismo na cena local. Mais do que acessório, é o foco do trabalho autoral de uma nova safra de DJs e bandas.

Uma das recentes adições ao cenário é a Phalanx Formation, que vai lançar neste mês o primeiro álbum. Hélder Bezerra, um dos integrantes do duo, não enxerga distinção entre o eletrônico e outras vertentes e, por isso mesmo, considera a escolha pelo gênero como algo natural.

“A música eletrônica é algo já demasiado antigo, tendo suas raízes no início do século 20”, destaca o músico, que divide o trabalho com Enio Damasceno. “Antes de termos esta banda, tocamos juntos na formação final do Sweet Fanny Adams, que era basicamente música eletrônica”.

Outra razão para a escolha pela música eletrônica, diz Bezerra, estaria relacionada à falta de traquejo social. “Talvez tenhamos um melhor relacionamento com máquinas do que pessoas”, comenta. A dupla ainda não tem apresentações agendadas, mas já planeja os próximos passos após o lançamento do trabalho.

Para Raoni Santos, do projeto musical Mind Movies, o fator decisivo é a liberdade criativa e ampla gama de possibilidades na produção do som. “São vários instrumentos que se pode ter e muitos sons possíveis, indo além do que uma guitarra oferece”, enfatiza. “É fantástico abrir um programa e ter praticamente tudo, na hora que quiser, e, muitas vezes, gratuitamente, já que existem muitos bancos de sons e instrumentos virtuais gratuitos na internet”, completa.

Santos, que teve os contatos iniciais com música eletrônica a partir do primeiro disco de Otto, Samba pra burro, e de alguns remixes do disco CSNZ (1998), da Nação Zumbi, também destaca a popularização das ferramentas de produção, como softwares e bancos de som, e a existência de tutoriais no YouTube, cursos online e fóruns de discussão em redes sociais.

“Não basta apenas ter isso em mãos, é necessário certa apropriação da linguagem para fazer as coisas e até subvertê-las”, ressalta. “Além disso, é possível entrar em contato com produtores de diversos locais do mundo, fazer colaborações e mostrar a produção em plataformas como Soundcloud e Bandcamp”, acrescenta.

A possibilidade de produzir dentro de casa foi um dos atrativos para Cláudio N, da Chambaril. “Era mais prático de ensaiar na casa dos membros da banda”, diz o artista sobre a escolha do uso das batidas eletrônicas e samplers. “Chegamos a experimentar ter um baterista, mas queríamos soar mais próximo dos discos”, explica o compositor, que mistura rock, música latina, funk carioca, brega e carimbó em suas obras.

“Da minha parte, música eletrônica tem estrutura própria, não tenta reproduzir a música acústica. É para quem gosta de repetição, de timbres, de desenho de som”, afirma Helder Aragão, o DJ Dolores, um dos mais bem estabelecidos do gênero no estado. O músico ressalta que embora muitos artistas usem recursos eletrônicos em músicas, “na maior parte das vezes é só um enfeite”.

A entrada no gênero começou de maneira bastante artesanal, até pelas restrições tecnológicas da época. “Um dos meus primeiros instrumentos foram fitas cassetes, nas quais fazia loops de beats e sons para mixar ao vivo. Cheguei a fazer um show com a Mundo Livre S/A na década de 1980 usando esse sistema”, recorda.

Na avaliação de Dolores, há tradicionalmente dois caminhos a serem seguidos: buscar uma música eletrônica com identidade brasileira ou ser um produtor cosmopolita. “Gosto dessa busca de elementos do entorno, sonoridades, células rítmicas etc”, destaca o DJ, que já trabalhou com cantores locais como Maciel Salú, Isaar e Jorge du Peixe. “Quando toco essas ‘paradas’ no meu set no exterior, o povo enlouquece”, afirma.

Essa combinação com elementos regionais é justamente o mote do trabalho da Radiola Serra Alta, dupla de Triunfo que mescla a sonoridade da música popular nordestina com o eletrônico e também outras vertentes, como rock e rap. A inspiração no regional está até na caracterização dos músicos, que usam os pseudônimos Veinha e Careta e escondem a identidade vestindo máscaras de caboclos.

Prova do potencial alcance dessa fusão de ritmos está na participação do Radiola Serra Alta no Glastonbury, em junho passado, na Inglaterra, considerado o maior festival de música do mundo.

Nas picapes

Cosmopolita
O trabalho da Soundpack é aquele tipo de som para quem gosta das pistas das boates. A dupla, formada por Pedro de Renor e Henrique Xavier, lançou este ano as suas primeiras faixas autorais, no EP Oh boy!, uma estreia marcada pelo deep house e electro. Leo B e Bruno V são outros dos representantes dessa vertente mais baladeira. Este último participou, em 2015, do festival Tomorrowland, ao lado de José Pinteiro, com quem formou o Duoprop.

Regional

Coco, frevo, maracatu e outros ritmos tradicionais podem casar bem com o eletrônico. DJ Dolores é um dos que conseguem aliar elementos tradicionais da música local e dar uma identidade nova para composições difíceis de serem classificadas. Em 2015, ele se juntou a Yuri Queiroga e Maestro Spok no projeto Frevoton, que ainda tem influências de ritmos caribenhos, rock e outros sons.

Eclética
As possibilidades quase infinitas de criação, além das facilidades para recortar, copiar e colar trechos de músicas, despertam em alguns músicos um desejo quase irresistível de misturar todo tipo de gênero e ritmo. A Chambaril representa bem essa vertente, combinando desde disco music a sons do Norte do país. Leo D e William P são outros artistas que já tiveram projetos de música eletrônica autoral, como a dupla Mad Mud e o grupo Diversitrônica. Na linha mais conceitual e menos dançante, Yuri Bruscky, e grassmass são outros representantes dessa categoria.



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