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Cinema Documentário exibido no Recife denuncia como nazistas brasileiros escravizaram crianças Menino 23 - Infâncias perdidas no Brasil tem sessões especiais no Cinema do Museu

Por: Eduarda Fernandes

Publicado em: 07/07/2016 21:45 Atualizado em: 07/07/2016 21:53

Seu Aloísio, morto aos 93 anos, enfrentou as crueldades do recrutamento nazista quando criança. Ele deu depoimentos emocionantes para o documentário. Foto: YouTube/Divulgação
Seu Aloísio, morto aos 93 anos, enfrentou as crueldades do recrutamento nazista quando criança. Ele deu depoimentos emocionantes para o documentário. Foto: YouTube/Divulgação

Em 1933, 50 meninos negros foram retirados do orfanato Romão Duarte, no Rio de Janeiro, e levados para uma fazenda em Campina do Monte Alegre, no interior de São Paulo, com a promessa de obter estudos e uma vida melhor. O que encontraram foi quase dez anos de trabalho escravo e isolamento.

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A história é contada em Menino 23 - Infâncias perdidas no Brasil, dirigido por Belisario Franca. O documentário, vencedor de Melhor Roteiro e Montagem no Cine Ceará, chega ao Recife com duas sessões especiais no Cinema do Museu: sexta-feira, às 14h50, e sábado, às 14h40.

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O roteiro é baseado na tese de doutorado Educação, autoritarismo e eugenia: Exploração do trabalho e violência à infância desamparada do Brasil (1930-1945), do historiador Sidney Aguilar Filho. Em 1998, durante uma aula sobre nazismo, Aguilar Filho se surpreendeu quando uma aluna mencionou que havia centenas de tijolos na fazenda da família marcados com a suástica. A informação despertou a curiosidade de Sidney e ensejou uma pesquisa. O professor descobriu a existência da Fazenda Santa Albertina, da família Rocha Miranda, e os horrores que as 50 crianças vivenciaram.

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No documentário, Aguilar Filho, especialistas e historiadores traçam os contextos históricos, políticos e sociais do Brasil da época e explicam como o país aceitou e naturalizou teorias de eugenia (aprimoramento genético) e pureza racial, a ponto de incluí-las na Constituição de 1934.

Uma das 50 crianças, conhecida como "23" (os meninos eram chamados por números), era Aloísio Silva. O hoje nonagenário conta, em depoimentos exibidos no filme, a raiva que sentiu durante a vida, a infância roubada, os maus-tratos sofridos na fazenda, a obrigação de vestir o uniforme e cantar toda semana o hino da Ação Integralista Brasileira, movimento político de caráter fascista.

Seu Argemiro fugiu da fazenda, morou na rua até trabalhar na Marinha. Foto: YouTube/Reprodução
Seu Argemiro fugiu da fazenda, morou na rua até trabalhar na Marinha. Foto: YouTube/Reprodução

Em uma cena emocionante, Seu Aloísio volta ao orfanato Romão Duarte e relembra a forma como Oswaldo Rocha Miranda escolheu os meninos que levaria à fazenda: jogou um punhado de balas no ar e observou quem correu mais rápido para pegá-las. "A coisa 'mais ruim' que tem é quando a gente fica lembrando do passado", lamenta Seu Aloísio, que alega não saber o que faria se encontrasse um dos membros da família Rocha Miranda.

O idoso, que faleceu em outubro de 2015, aos 93 anos, não foi o único dos 50 meninos que Aguilar Filho conseguiu encontrar durante as pesquisas. Argemiro Santos conseguiu fugir da fazenda pouco antes da liberação dos jovens e, após anos morando na rua e engraxando sapatos na Avenida Paulista, se alistou na Marinha, onde trabalhou até se aposentar.

"Eu ia fazer o que lá (na fazenda)? Não tinha futuro ali", conta Argemiro. Pelo mesmo motivo, Seu Aloísio decidiu ficar na região após a libertação. "Eles (os meninos) falavam 'vamos embora, vamos sumir'. Eu fiquei. Agora, eu estava acostumado aqui, no ambiente daqui, aí fiquei. Porque eu acreditava que eu era um homem sem futuro nenhum".

Procurados pela produção do filme, membros da família Rocha Miranda não quiseram dar depoimentos. Em 2013, Mauricio Rocha Miranda, sobrinho dos antigos proprietários da fazenda, criou o blog familiarochamiranda.com para defender a família. Em um dos posts, ele escreve que "não temos nada de que nos envergonharmos. Temos, isso sim, um orgulho enorme da obra que minha família desenvolveu naquela região de São Paulo". Procurado pela reportagem, Maurício não retornou a tempo da publicação desta matéria.

Veja o trailer do documentário:



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