Artes Cênicas Débora Falabella e Yara de Novais chegam ao Recife com peça sobre relação profissional doentia Em 'Contrações', Débora faz Emma, que se submente a situações cada vez mais absurdas para manter o emprego

Por: Isabelle Barros

Publicado em: 28/07/2016 08:58 Atualizado em:

Débora Falabella (à esq.) e Yara de Novaes fazem, respectivamente, subordinada e chefe em uma trama que usa oabsurdo para falar de relações de trabalho. Crédito: Guto Muniz/Divulgação
Débora Falabella (à esq.) e Yara de Novaes fazem, respectivamente, subordinada e chefe em uma trama que usa oabsurdo para falar de relações de trabalho. Crédito: Guto Muniz/Divulgação


As regras do ambiente corporativo são rígidas: roupas, conduta e até relacionamentos afetivos se tornam objeto de análise dos patrões perante seus empregados. Essa opressão é internalizada até as últimas consequências por Emma (Débora Falabella), que se submete a situações cada vez mais absurdas, provocadas por sua chefe (Yara de Novaes), para manter seu emprego. Esta história poderia ser um simples relato do que se passa em diversas empresas do Brasil e do mundo, mas é o enredo do espetáculo Contrações, do Grupo 3 de Teatro, cuja temporada começa hoje e vai até o dia 6 de agosto, na Caixa Cultural Recife.

A peça, com texto do britânico Mike Bartlett e que ganhou vários prêmios nacionais, amplifica a realidade por meio da arte e tem seus questionamentos disparados a partir de uma cláusula do contrato de Emma: ela não pode ter nenhum tipo de relacionamento amoroso ou sexual com nenhum colega de trabalho. A eficiente Emma, no entanto, tem um segredo, e a revelação dele leva a funcionária ao seu limite físico e mental, por meio das manipulações da gerente. A chefe, que nem nome tem, é um arquétipo de um mundo empresarial pintado de maneira fria, ditatorial, que esmaga os sentimentos de seus empregados em nome de uma vaga noção de “vencer na vida”.

Embora Yara de Novaes também seja diretora, a encenação do espetáculo ficou por conta de outra mineira, Grace Passô, também conhecida por seu trabalho como atriz e dramaturga. A escolha foi por uma cenografia despojada e, ao mesmo tempo, não tão próxima do realismo. O palco tem apenas um ambiente, o de um escritório corporativo, com uma bateria na qual Emma finalmente pode desabafar suas frustrações. Ela e sua gerente, na verdade, agem em simbiose. Uma não existe sem a outra, pois não há opressão sem haver um oprimido, seja por ignorância ou conveniência. A contracena de Débora e Yara também foi reconhecida por prêmios como o Aplauso Brasil e APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte), pois ambas dividiram os prêmios de melhor atriz.

+GRUPO 3 DE TEATRO O Grupo 3 de Teatro foi criado em 2005 pelo produtor Gabriel Paiva, pela atriz Débora Falabella e pela atriz e diretora Yara de Novaes. O coletivo encenou quatro textos: Contrações, que estreou em 2013, O amor e outros estranhos rumores, O continente negro e A serpente. Antes da criação do grupo, Yara de Novaes morou no Recife, onde foi professora da Universidade Federal de Pernambuco.

SERVIÇO
Contrações, do Grupo 3 de Teatro
Quando: De hoje a sábado (30) e de 4 a 6 de agosto - quintas e sextas, às 20h; sábados, às 18h e às 20h
Onde: Caixa Cultural Recife - Avenida Alfredo Lisboa, 505, Bairro do Recife
Ingressos: R$ 20 e R$ 10 (meia)
Informações: 3425-1915

ENTREVISTA // YARA DE NOVAES

Contrações é uma peça que se apoia muito na contracena. De que forma vocês duas calibraram esses dois personagens juntas?
Só contracenei com a Débora em um dos espetáculos da companhia, O continente negro, e quase não nos encontrávamos no palco. Fora isso, estivemos juntas em um espetáculo para crianças. Temos uma interdependência muito grande, um trabalho geminado. Em Contrações, estamos no sentido mais estrito do que pode ser um jogo teatral. Se uma interfere no jogo da outra, tudo acontece de maneira diferente.

Vocês incluíram o público no processo de criação do espetáculo desde os ensaios. Em que medida isso norteou a encenação?
O gruppo nunca havia feito isso, e foi fundamental, porque, normalmente, o público só entra em ensaios abertos, em uma etapa mais avançada da montagem, ou na própria estreia. É como se nos preparássemos o tempo todo para chegar até ele. Nós, ao contrário, já incluímos plateia desde a primeira semana de trabalho com o texto, a partir de algumas orientações da diretora, Grace Passô. De cara já colocamos um dos elementos fundamentais para que o teatro se configure e a construção do espetáculo aconteceu realmente a partir desses encontros. Por outro lado, em O amor e outros estranhos rumores, com texto do Murilo Rubião, fizemos um tipo de oficina aberta com outros artistas e eles nos trouxeram pontos de vista interessantes e inéditos.

Você já falou em entrevistas que a personagem da gerente é uma alegoria de um sistema desumanizante. Você acha que é possível sair dessa teia?
Acho que Contrações fala sobre nosso tempo. Você sabe que precisa fazer algo, se movimentar, mas tudo o que é feito diante dessa necessidade parece muito incipiente. Parece que todos nós estamos atravessando de um lado para o outro e, no meio dessa travessia, precisamos entender como seremos afetados pelo outro de novas maneiras. O que faço com essa nova pele? O teatro tem o papel de revisar seu tempo, sua história, para que você possa fazer dela um trampolim.

Já que você também é encenadora, de que forma você vê a direção de Grace Passô?
Ela fez escolhas muito certeiras, com uma comunicação muito direta com a plateia. Ela colocou os técnicos do espetáculo em cena, e esse é um ponto muito singular. Esta escolha é uma confissão de que estamos fazendo teatro. Ao fazer isso, ela também está falando de relações profissionais que vão além do ambiente corporativo. Ela coloca a nós, artistas, como trabalhadores, e essa decisão amplifica a discussão da montagem para tudo a que se refere a trabalho ou emprego. Além disso, essa confissão gera no público a coragem de se manifestar. A plateia, normalmente, é muito ruidosa, se identifica com as situações. As pessoas costumam perguntar se isso nos incomoda, mas respondemos que faz parte, pois esse lugar do público tem grande importância desde o início do processo.

Na situação atual do Brasil, de crise econômica, em que as pessoas estão fazendo de tudo para manter seus empregos, você acha que o texto encontra uma ressonância ainda maior?
Nunca vi nenhum momento em que o mundo capitalista não explorasse o trabalhador. Isso acontece desde que o dinheiro virou uma coisa divina e as relações de produção foram pautadas para enriquecer alguns em detrimento da maioria. A menos que tenhamos uma sociedade na qual os meios de produção sejam repensados e se tornem mais humanos, essa exploração sempre vai aparecer. Em minha opinião, os dias de hoje são uma repetição do passado, e isso é uma tristeza, por dar a sensação de não conseguirmos ir para a frente. Mas, na contramão disso, há o movimento negro, o movimento feminista, puxado muito pelos jovens. Há uma conscientização e uma ação muito maior e especialmente a juventude de periferia está atravessando essas pontes. O movimento conservador vai encontrar um muro na frente, tanto que estamos vivendo um momento muito bélico. As oposições estão aí, porque não é mais tão fácil subjugar o outro.

 

Confira vídeo com entrevistas e trechos do espetáculo:



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