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Televisão Cineasta pernambucano mais prestigiado no exterior encara a primeira série para a TV "Talvez seja o primeiro passo para que eu me aproxime da televisão. E o segundo é fazer série de ficção", disse o diretor

Por: Fernanda Guerra - Diario de Pernambuco

Publicado em: 10/07/2016 10:02 Atualizado em: 10/07/2016 10:09

Segundo projeto para TV do diretor tem previsão apra 2017. Foto: AFP Photo/ Loic Venance
Segundo projeto para TV do diretor tem previsão apra 2017. Foto: AFP Photo/ Loic Venance
O prestígio conquistado pelo cinema pernambucano no Brasil e no mundo é um fenômeno incontestável. E um dos responsáveis pela projeção dos filmes produzidos no estado é o cineasta Kleber Mendonça Filho, diretor dos premiados O som ao redor (2012) e Aquarius (2016), o primeiro longa-metragem de Pernambuco a concorrer à Palma de Ouro de Cannes, principal festival cinematográfico do planeta. Enquanto colhe os louros pelo trabalho na obra mais recente (premiada em festivais da Austrália e da Polônia), o recifense mira uma nova tela: a televisão. Com dez episódios, a série documental Os filmes já começam na calçada analisará a relação afetiva entre as salas de cinema e o público.

O início da produção está programado para o fim deste ano, e a estreia da série, para o ano que vem, ainda sem canal definido. Mas a relação entre o cineasta e o assunto é antiga. Kleber começou a pesquisar o tema quando ainda era estudante de jornalismo na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). "Ambientes de salas de cinema são uma paixão pessoal. Não por acidente, eu terminei indo trabalhar no Cinema da Fundação", explicou Kleber, coordenador dos cinemas da Fundaj desde de 1998.

O Cinema São Luiz será um dos espaços de destaque da série. É lá onde o diretor realiza, anualmente, o festival Janela Internacional de Cinema. "A gente tem muita sorte de ter o São Luiz. O filme se transforma em relação de três partes. As pessoas criaram uma ligação com Janela, com o local e com o filme", celebra.

A presença de cineastas renomados à frente de produções para a televisão é um fenômeno impulsionado, recentemente, por projetos tocados por nomes famosos da sétima arte. Os exemplos são internacionais, como Martin Scorsese (Vinyl, Boardwalk Empire), Woody Allen (série para a Amazon), David Fincher (House of cards) e Steven Spielberg (The whispers, Public morals), nacionais, como Fernando Meirelles (Felizes para sempre?), José Padilha (Narcos e uma série sobre a Operação Lava-Jato, em produção), Breno Silveira (Um contra todos), e pernambucanos, como Claudio Assis (Se cria assim), Hilton Lacerda (Contos que vejo) e Henrique Spencer e André Pinto (Fãtásticos).

Em festivais dos quais participa, Kleber tem percebido a nova tendência. "Toda vez que viajo, tenho conhecido realizadores jovens que já mudam o discurso. Antes, era comum dizer que queriam fazer um curta--metragem para, depois, realizar um longa. Cada vez mais, eu ouço que querem fazer uma série", observa.

Atualmente, Kleber concilia três projetos. Além da série para a televisão, já começou a trabalhar no terceiro longa-metragem, intitulado Bacurau, e acompanha a circulação de Aquarius em festivais. Antes da estreia nos cinemas brasileiros, agendada para o dia 1º de setembro, o filme será exibido pela primeira vez no país em 20 de agosto, no Cinema São Luiz, no Recife. O longa-metragem, que tem coprodução da GloboFilmes, é estrelada por Sonia Braga, Irandhir Santos, Humberto Carrão e Maeve Jinkings e estará disponível na Netflix, ainda sem data.

>>Entrevista Kleber Mendonça Filho, cineasta

O que pode adiantar da série documental Os filmes já começam na calçada?
A serie é de viagem, de descoberta, preservação, memória e de uma certa alegria e amor pelo cinema. A ideia parte da minha relação com salas de cinema, que conseguiram um ambiente de convívio para desfrutar e compartilhar um filme. Esse ambiente vem mudando ao longo dos anos. É por isso que fico impressionado pelo Cinema São Luiz existir intacto por mais de 70 anos. E é muito bom que fique claro que eu não sou contra as novas maneiras de consumir filme. Você hoje tem um lançamento mundial de um filme na Netflix. Isso tudo para mim faz parte e é cinema também. A série oferecerá uma análise e uma viagem muito particular que é em salas de cinema de uma outra época, que ainda permanecem abertas. Uma viagem no tempo.

Além do Cinema São Luiz, a série falará de quais salas?
Existem salas de outros países que também funcionam dentro de um formato que cada vez mais a gente não vê hoje em dia. A lista não está totalmente fechada, mas Aquarius passou em Sydney, na Austrália, em uma sala de 1929. É uma sala espetacular. Também vamos mostrar espaços em Los Angeles, Berlim Oriental, Índia e Paris. Utilizaremos imagens de arquivo e atuais. Há uma relação que é quase emotiva com os espaços. Não há essa relação, de ligação pessoal, com as salas modernas de Multiplex.

Por que escolheu a televisão para falar de cinema e não um documentário convencional?
Eu geralmente só faço coisas que dizem respeito a mim. Acho que a televisão chegou em um nível técnico excelente. Esteticamente, qualidade excelente. Séries hoje são praticamente filmes. A série é muito mais adequada para televisão. Talvez seja o primeiro passo para que eu me aproxime da televisão. E o segundo é fazer série de ficção. Estou cada vez mais interessado. Eu fiz um curta-metragem encomendado pela SporTV sobre a Copa do Mundo no Recife. Adorei ter feito para televisão.

Por muito tempo, a TV era estigmatizada de ser inferior a outros meios... Existia um certo preconceito de cineastas em relação ao meio. Acha que isso mudou?
Acho que isso mudou bastante. Eu lembro muito bem quando isso acontecia. Aquarius tem distribuição garantida em muitos países em cinema, mas uma distribuição importante para o filme é a Netflix. E a Netflix, eu não sei exatamente o que é. Mas é mais para televisão que para o cinema. Para mim, as coisas estão um pouco confusas. Eu continuo tendo projeto de filme, mas cada vez mais eu me pergunto onde eles vão passar.

A televisão brasileira vem produzindo mais seriados, mas não há uma continuidade. Por que acha que isso acontece?
A lei que obriga a exibir conteúdo nacional é uma grande vitória para a produção brasileira. Acho incrível essas séries estarem sendo feitas. Mas é complexo e difícil você acertar e fazer algo que seja bom, incrível. Quando vejo alguma dessas séries norte-americanas, como Mad men, Breaking bad e House of cards, eu fico muito impressionado. A televisão brasileira não tem esse traquejo. Porque a grande tradição é da telenovela a partir da produção da Globo. Até acho que, nos anos 1980, as novelas eram melhores. A minha percepção é que hoje não é tão boa. É como se ela não tivesse gerado uma escola. Com esse incentivo, com essa inspiração que vem de fora, acho que há um interesse e inspiração maiores para fazerem séries de televisão com um formato mais de cinema.

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