Música Zeca Baleiro apresenta Era Domingo no Recife: 'Vivemos um tempo de trevas' Disco reúne 11 faixas inéditas, sendo nove compostas por Zeca e duas parcerias

Por: Larissa Lins - Diario de Pernambuco

Publicado em: 04/06/2016 12:29 Atualizado em: 04/06/2016 12:34

Zeca Baleiro apresenta Era Domingo no Teatro Guararapes. Foto: Bernardo Rabello/Divulgação
Zeca Baleiro apresenta Era Domingo no Teatro Guararapes. Foto: Bernardo Rabello/Divulgação

Quando as primeiras leis dedicadas à “santificação” dos domingos surgiram, na França do século 19, eram alicerçadas pela narrativa biblíca em torno da gênese do mundo. O décimo disco de inéditas do maranhense Zeca Baleiro, Era domingo (Som Livre, R$ 26), não se propõe a resgatar as escrituras, mas dá abertura à associação. No sétimo dia, o músico descansava: após noite insone, hospedado em hotel de Fortaleza (CE), compôs a faixa que dá título ao álbum - a gênese de todas as outras. “O sol, enfim, chega e varre a beira-mar. Traz luz. E redenção”, é como Baleiro descreve a cena, o processo de composição.

Por contemplação, define a coletânea finalizada como obra cercada por “aura de maturidade.” Descansa. Neste sábado (04), apresenta as 11 novas canções no palco do Teatro Guararapes (Centro de Convenções), em Olinda, somadas a antigas composições rearranjadas e, ainda, a releituras de outros artistas - entre David Bowie e Herivelto Martins.

“É um disco muito ‘interior’, apesar de ter ritmo, vibração. A construção foi bonita, coletiva, com o envolvimento de 13 produtores. Vivemos num tempo de muita solidão, apesar de estarmos na era da conectividade. O disco fala muito disso, embora sua feitura tenha sido a muitas mãos”, reflete o músico. Tuco Marcondes, Adriano Magoo, Fernando Nunes, Kuki Stolarski e Pedro Cunha conduzem a produção. Zeca assina - “solitariamente”, como prefere dizer - nove das 11 composições. Deserta (parceria com Lokua Kanza) e Desesperança (parceria com Paulo Monarco) são as exceções - a última, inspirada em poema homônimo do século 19, escrito pelo também maranhense Sousândrade. “A vida era tão calma / aqui na solidão”, dizem os versos principais, datados de 1857, tonificando a paz do isolamento como fonte de inspiração.

Ainda assim, o músico não rejeita - como prova a ficha técnica do disco, sucessor de O disco do ano (2012) - a produção coletiva. Após quase 20 anos na estrada, Baleiro vê a fuga da solidão como divertimento, espécie de folga. “É um jeito divertido de fazer, que surgiu num momento em que eu estava muito ocupado com projetos paralelos. A produção coletiva é instigante, estimulante, e artistas com trajetórias longas têm que buscar novas formas de fazer. Hoje, 19 anos de carreira são uma eternidade”, analisa.

Um desses trabalhos concomitantes, ele recorda, aponta em direção ao Recife: Zeca Baleiro desenvolveu, no semestre passado, o projeto Café no bule, em parceria com Paulo Le Petit e o percussionista pernambucano Naná Vasconcelos, morto em março. “Foi uma convivência muito rica, intensa. Naná era incrível. Pena que não conseguimos fazer o show de lançamento com a presença dele”, observa. Café no bule concorre a Projeto Visual e Projeto Especial no 27° Prêmio da Música Brasileira, no qual Baleiro disputa, ainda, o prêmio de Melhor Canção por Antes do mundo acabar, composição em parceria com Zélia Duncan.

SERVIÇO
Zeca Baleiro lança Era domingo

Quando: Sábado (04), às 21h
Onde: Teatro Guararapes, no Centro de Convenções de Pernambuco (Av. Prof. Andrade Bezerra, s/n - Salgadinho, Olinda)
Quanto: R$ 140 (plateia), R$ 70 (plateia meia), R$ 100 (balcão) e R$ 50 (balcão meia).
Informações: 3182-8020
 
ENTREVISTA: Zeca Baleiro, músico

“Dificilmente, política e arte juntas rendem boas obras”

Zeca Baleiro compôs nove das 11 faixas sem colaborações. Foto: Divulgação
Zeca Baleiro compôs nove das 11 faixas sem colaborações. Foto: Divulgação
Além de Naná, há outros parceiros pernambucanos que marcaram sua trajetória artística? Poderia mencionar nomes e projetos cujas parcerias foram especialmente enriquecedoras?

Já desenvolvi projetos com Décio Rocha, um músico pernambucano genial e inventor de instrumentos, radicado há anos no Rio. Entabulei uma parceria com Lula Côrtes, que infelizmente não se concretizou, já fiz alguns shows em dobradinha com Alceu, fiz colaborações com Zé Brown e Faces do Subúrbio, Ortinho, Siba, Spock, muita gente.

Acredita que, na atual conjuntura político-econômica do país, os artistas contribuem mais ao produzir músicas de protesto ou ofertando entretenimento de qualidade intelectual ao público?

Política e arte juntas dificilmente rendem boas obras. Protestar pela música é legítimo, mas o que muda as coisas de fato é a atuação política, e a sociedade (incluindo artistas, claro) precisa lutar pelas conquistas democráticas. A sensibilidade para a arte está embaçada, vivemos um tempo de trevas. Mais uma razão pra espalhar poesia por aí.

O disco foi lançado, na íntegra, na internet. Como é sua relação com os serviços de streaming e plataformas digitais? Vê esses caminhos como os mais importantes, de maior alcance? Ou ainda considera os CDs e vinis como fundamentais?
Vejo que a cultura do streaming está crescendo, e rápido. Lamento que o apego ao objeto cd esteja diminuindo, porque sou aficcionado por cds e vinis. Mas, por outro lado, as pessoas estão ouvindo mais música que nunca, e em vários suportes e plataformas. E isso é um bom sinal.

Há parcerias em Era Domingo, como Ellen Oléria, Lino Krizz, Luciana Vieira. Como os nomes foram escolhidos? E como as músicas foram distribuídas a cada um deles?
Conheço a Ellen e o Lino de longa data. Ela, antes de participar do The Voice, ainda em Brasília. É uma baita cantora e sempre quis tê-la de algum modo colaborando em um disco meu. O Lino conheço do início dos 90 em São Paulo, antes dele ter trabalho próprio e fazer backing pros Racionais. E a Luciana foi indicada pelo Rogério Delayon, produtor de uma faixa do cd. E, como os outros, ela arrasou

Você chegou a dizer que a parceria com Walter Costa e Sergio Fouad na direção de produção e na coordenação artística do álbum resultaram em novo formato, refletindo uma necessidade sua de se reinventar, de fugir do burocrático, do comum. Como se deu esse processo de renovação? Quais efeitos os fãs poderão perceber?
Boa pergunta. Acho que é um jeito divertido de fazer, que surgiu num momento em que eu estava muito ocupado com projetos paralelos (foi quando gravei O Disco do ano). Esse esquema de produção coletiva é instigante, estimulante, e artistas com trajetórias longas (19 anos de carreira hoje são uma eternidade) tem que buscar novas formas de fazer.

Como é a dinâmica do novo show? Qual o formato? Haverá duetos no palco?
Toco com minha banda. Tá com muito punch o show, gostoso de tocar. Espero que o público se divirta. Toco canções do cd e também antigas canções rearranjadas, além de releituras de outros compositores, como David Bowie e Herivelto Martins.

 

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