Cinema Filme pernambucano Big Jato, de Cláudio Assis, entra em cartaz no Cinema São Luiz Vencedor do Festival de Brasília, longa-metragem já pode ser visto em sessões diárias

Por: Júlio Cavani - Diario de Pernambuco

Publicado em: 30/06/2016 07:43 Atualizado em: 29/06/2016 19:19

Personagem principal é um menino que cresce em uma pequena cidade do Sertão. Foto: Asley Ravel/ Divulgação
Personagem principal é um menino que cresce em uma pequena cidade do Sertão. Foto: Asley Ravel/ Divulgação
 
Depois de retratar personagens à beira da marginalidade em Amarelo manga (2002), Baixio das bestas (2006) e Febre do Rato (2011), o diretor Cláudio Assis direciona o olhar para questões íntimas sobre família, infância e adolescência em Big Jato, vencedor do Festival de Brasília, que já está em cartaz no Recife. O novo filme reafirma o estilo inquieto do cineasta, mas há bem menos provocações críticas de desconforto em comparação à trilogia anterior. O roteiro de Hilton Lacerda e Ana Carolina Francisco é baseado no livro homônimo, escrito por Xico Sá a partir de experiências pessoais vividas no Sertão.

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O protagonista de Big Jato é o adolescente Francisco, que é interpretado por Rafael Nicácio, ator revelado pelo curta-metragem Sem coração, e por Francisco de Assis Moraes (nas cenas da infância do personagem). A história é ambientada na década de 1970 em uma fictícia cidade de interior, chamada de Peixe de Pedra em referência a fósseis encontrados nas redondezas. O menino vive dividido entre as ideias defendidas pelo pai e pelo tio, que são irmãos gêmeos representados por Matheus Nachtergaele.

O título do filme (e do livro) é o nome do caminhão-pipa dirigido pelo pai do garoto, que trabalha na limpeza das fossas das casas da região. O tio é um poeta e radialista, fã de rock'n'roll. Eles representam influências opostas sobre a formação do adolescente, que, junto com os irmãos, vive uma fase de descobertas artísticas, amorosas e sexuais. A mãe batalhadora (Marcélia Cartaxo) e um poeta de rua (Jards Macalé) também exercem papéis marcantes na educação de Francisco.


"Prefiro perder um filho pra qualquer coisa no mundo, menos pra poesia", grita o pai do menino em uma cena de fúria. "Cinema é mentira", diz o mesmo personagem. Assim como Febre do Rato e Tatuagem (de Hilton Lacerda), Big Jato idealiza a condição do artista, já que caminho oferecido pelo tio é assumidamente associado à libertação, enquanto o pai simboliza o conservadorismo. É uma visão romantizada e bem intencionada sobre os poetas das mais variadas linguagens, mas é uma postura que cai no risco da generalização.

Matheus Nachtergaele e Marcélia Cartaxo ganharam os troféus candangos de Melhor Ator e Melhor Atriz em Brasília. Diante de personagens que poderiam cair no maniqueismo, entretanto, eles procuraram desconstruir previsibilidades. O tio radialista, por exemplo, tem tantos defeitos quanto qualidades e chegou a ser classificado como um homem machista, vaidoso e irresponsável por Nachtergaele em entrevista coletiva cedida no festival. As contradições estariam presentes, portanto, em ambos os irmãos gêmeos que afetam o destino de Francisco.
Apesar de ser mais coloquial e de ter um fio narrativo mais objetivo do que nos filmes anteriores do cineasta (todos roteirizados por Lacerda), Big Jato ainda é cheio de declamação.

Os diálogos são pontuados por frases de efeito ditas com ar de sabedoria, carregadas de uma imponência verbal que transparece uma autoimportância poética. Apesar de ser baseado em um romance, é um cinema que busca uma aproximação maior com o rebuscamento da poesia intuitiva e não tanto da prosa cerebral. O resultado é mais próximo de Cláudio Assis do que de Xico Sá. "Quando as entranhas se manifestam, o juízo se esvai", defende o "príncipe" interpretado por Jards Macalé.

As fezes humanas que o caminhão carrega são tratadas como metáforas ao longo do filme. A presença dos dejetos, entretanto, não chega a direcionar Big Jato para a escatologia. Todas as imagens do filme, mesmo as mais sujas, parecem buscar o belo, com uma plasticidade clássica que reforça as intenções poéticas dos textos. Essa opção visual (presente nos outros filmes de Assis) já foi considerada contraditória por críticos, mas sugere que a miséria não precisa ser retratada de maneira miserável e que qualquer periferia do mundo pode receber um tratamento cinematográfico grandioso.

Uma temática também bastante presente é a importância do exílio. Assis, Sá e Lacerda, na vida real, decidiram abandonar a cidade onde nasceram para viver em metrópoles maiores, onde consolidaram as carreiras artísticas. Big Jato defende abertamente esse caminho, já que o menino Francisco sente-se um prisioneiro em Peixe de Pedra. A mensagem, entretanto, merece ser relativizada no mundo atual de conectividades globais, oportunidades menos centralizadas e fontes de informação mais plurais e acessíveis.

Outro prêmio vencido em Brasília foi o de melhor trilha sonora para o trabalho de DJ Dolores, que criou uma banda fictícia, chamada Os Betos. Interpretados pelos músicos Lailson, Erasto Vasconcelos, Xandinho e Hugo Lins, eles teriam influenciado o surgimento dos Beatles. A invenção do grupo foi uma saída criativa adotada pelos roteiristas (também premiados com o candango) para contornar eventuais problemas com direitos autorais, já que o livro de Xico Sá é cheio de referências ao quarteto inglês.

O filme tem uma intenção educativa claramente voltada para adolescentes e não apenas para adultos. Os produtores queriam que o filme fosse assistido pelo público juvenil, mas o Ministério da Justiça determinou que a classificação indicativa fosse de 16 anos por causa de "conteúdo sexual, drogas e violência". Os mais jovens, portanto, só poderão ir ao cinema acompanhados dos pais ou responsáveis legais.

Como em toda premiação, a consagração de Big Jato em Brasília indica que o filme tem qualidade, mas não garante certeza sobre a relevância cinematográfica da obra. Como espetáculo audiovisual, o longa realmente explode na tela e impõe um pluralidade de riquezas visuais, sonoras, textuais e musicais com um impactante volume de informações, originalidade e sensorialidade. A notícia foi boa para o cinema pernambucano, mas foi um mau sinal para o Festival de Brasília. Afinal, o cineasta já havia vencido os candangos de melhor filme duas vezes e o estilo dele não sofreu grandes mudanças, enquanto o cinema brasileiro contemporâneo tem desenvolvido outros caminhos. Os concorrentes exibidos não representavam a produção nacional que tem sido reinventada e tem chamado atenção para o país. O júri seguiu a lógica de que um filme mais controverso, visceral e arriscado tinha uma importância maior do que os concorrentes mais contidos.

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