Dia dos Namorados O amor na literatura se rende aos likes Obras recentes abordam o lado digital dos relacionamentos contemporâneos

Por: Breno Pessoa

Publicado em: 12/06/2016 08:48 Atualizado em: 12/06/2016 09:35

Mais de 400 anos após sua publicação, Romeu e Julieta ainda é referência. Paramount/Divulgação
Mais de 400 anos após sua publicação, Romeu e Julieta ainda é referência. Paramount/Divulgação

Esteja você solteiro ou acompanhado, apaixonado, indiferente ou desiludido, é quase impossível não ser bombardeado pelo amor no Dia dos Namorados, quando tudo parece convergir para imagens de corações e cupidos, buquês de rosa, jantares à luz de velas etc. Na ficção, também não é fácil se desvencilhar do romantismo: o sentimento é dos temas mais abordados na literatura. Uma busca pelo termo no site da Amazon do Brasil, por exemplo, indica mais de 131 mil obras relacionadas, seja no título ou temática. Já na página da Livraria Cultura, foram listados mais de 97 mil livros, entre edições físicas e digitais.

O escritor Marcelino Freire tem um palpite sobre o tema estar em tantas obras: “Porque ou é o amor ou é a morte. Preferimos o amor. Mesmo sabendo que um dia ele vai morrer”. E a literatura é realmente cheia de representações do ideal romântico. Dos clássicos Anna Karenina (Liev Tolstói) e Senhora (José de Alencar) a obras contemporâneas, como A culpa é das estrelas (John Green) ou o recém-lançado O amor nos tempos de #likes (Pam Gonçalves, Bel Rodrigues, Hugo Francioni e Pedro Pereira), as relações amorosas são a questão central ou pano de fundo de narrativas dos mais diversos gêneros. Mas será que a maneira como o amor é representado nos livros muda de acordo com a época? Casais ficcionais clássicos, como o Sonhador e Nástienka, de Noites brancas, romance de Fiódor Dostoiévski publicado em 1848, diferem tanto de pombinhos modernos da literatura, como Emma e Dexter, de Um dia (2009), de David Nicholls?

Partindo do pressuposto que as próprias relações afetivas na sociedade mudam, sim. “A definição romântica do amor como ‘até que a morte nos separe’ está decididamente fora de moda”, diz o filósofo Zygmunt Bauman em seu livro Amor líquido, na qual defende que o significado do termo tornou-se mais flexível e menos idealizada na atualidade. “É assim numa cultura consumista como a nossa, que favorece o produto pronto para uso imediato, o prazer passageiro, a satisfação instantânea”, defende o autor.
"O amor virtual é mais real", opina o escritor Marcelino Freire. Virgínia Ramos/Divulgação
"O amor virtual é mais real", opina o escritor Marcelino Freire. Virgínia Ramos/Divulgação

Marcelino Freire segue uma linha de pensamento parecida. “Agora o amor ganhou nudes, ganhou fotos explícitas via Whats, ganhou pimenta virtual, ganhou compartilhamentos. Isso está pulsando nos livros. Hoje o amor é vira-lata. Não é mais duradouro. É coisa de um dia às vezes”, opina, completando que gosta dessa nova visão: “O amor virtual é mais real”. “A principal diferença que eu vejo é no aumento de possibilidades de abordar o sentimento com liberdade. Hoje se produz mais e se fala mais. Esta é uma diferença crucial”, afirma Cecília Garcia Marcon, linguista e colaboradora do 30:Min, podcast especializado em literatura.

Mestranda em sociologia, Cecília também acredita que a literatura contribui na formação do imaginário popular sobre o amor. “É fácil perceber isso quando notamos Romeu e Julieta sendo citado largamente mesmo que não se tenha lido a peça. A extensão da arte é imensurável”, defende.

Conectividade
Obras recentes abordam a conectividade em tempo integral, como o norte-americano Chad Kulten, em Homens, mulheres & filhos (Record, 352 páginas, R$ 35). Embora não seja focada em histórias de amor, a obra fala sobre como tecnologia interfere nas relações, a partir de personagens como o pai de família viciado em pornografia online, uma mulher que agenda encontros com desconhecidos pela web, adolescentes descobrindo a sexualidade e interagindo entre si a partir de redes sociais e mensagens de smartphones ou uma garota que busca fama postando fotos sensuais num blog etc.

Para compartilhar

Mais ameno, O amor nos tempos do blog (Companhia das Letras, 96 páginas, R$ 32,90), de Vinicius Campos, tem como personagem Ariza, um garoto de 13 anos que decide escrever em blog sobre a paixão da escola, garota que encontra na biblioteca no momento em que vai devolver O amor nos tempos do cólera, leitura de férias. Outras duas blogueiras estão por lá: a Deusa Cibernética, que se define como divertida e popular, e a Ciderela Virtual, romântica em busca do seu príncipe encantado. De título quase idêntico, O amor nos tempos de #likes, lançado neste mês, tenta atualizar três clássicos (Orgulho e preconceito, Dom Casmurro e Romeu e Julieta) para releitura na era virtual. Entre os protagonistas dos contos, youtuber famosa que tem receios em se abrir para relacionamentos, dois garotos que moram em cidades distantes e se conhecem através do Facebook e garota que saiu de um relacionamento abusivo e acaba conhecendo seu vlogger favorito.

É por postagem
Posts em redes sociais e mensagens de celular são elementos narrativos de Confusões de um garoto (Verus, 168 páginas, R$ 24,90), de Patrícia Barbosa, publicado em edição revista e ampliada. O romance juvenil faz retrato contemporâneo da adolescência entre selfies, a descoberta da paixão e até a questão do cyberbulling.

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