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Entrevista Roteirista de novelas e séries de TV, Tati Bernardi narra crise de pânico em livro Na obra "Depois a louca sou eu" a autora revela crônicas inéditas sobre o medo, a dor, o sofrimento, a insegurança e a confusão

Por: Nahima Maciel - Correio Braziliense

Publicado em: 02/05/2016 10:38 Atualizado em: 02/05/2016 10:43

Na Globo, Tati escreveu para as novelas Sangue bom (2013) e Vida da gente (2011) e para o programa Amor & sexo (2009 e 2011). Foto: Renato Parada/Divulgação
Na Globo, Tati escreveu para as novelas Sangue bom (2013) e Vida da gente (2011) e para o programa Amor & sexo (2009 e 2011). Foto: Renato Parada/Divulgação

Tati Bernardi tentou de tudo para lidar com a ansiedade. Consultou o Dr. Guido, psiquiatra que cobrava R$ 900 por consulta e a enviou para um teste insano na tentativa de descobrir se tinha uma doença que a fazia desmaiar. Mas Dr. Guido não ouviu quando Tati insistiu que “‘nunca” desmaiava. Fez meditação com um monge escroque, tentou constelação familiar que consistia em abraçar almofadas, se juntou a um grupo de deprimidos em uma fazenda no interior, fez acupuntura com um galã cuja ousadia beirava o crime e até procurou um “psiquiatra espírita” da USP. Não deu certo. Passou a técnicas como boxe, grupo de corrida, tarólogas, cartomantes e astrólogas. Também não funcionou.

Tati Bernardi sofre de crise de pânico, e a escrita, de todos os tratamentos, talvez seja o mais importante. Por isso, Depois a louca sou eu é um ato de sobrevivência e, também, de coragem. "Talvez escrever me salve diariamente de não enlouquecer de verdade", escreve a roteirista na introdução dessa reunião de crônicas inéditas nas quais a ansiedade e como conviver com ela são os temas dominantes. É um livro sobre o medo, como lembra a escritora, e para escrever um livro sobre o medo, é preciso coragem.

Escrito em primeira pessoa, uma marca de tudo que Tati escreve, Depois a louca sou eu tem todo o humor negro e a ironia característicos da autora e pode ser bem engraçado em muitos momentos, mas é mais que isso. É de dor, sofrimento, insegurança, confusão e hesitação que ela fala, mesmo que às vezes o faça sem nenhuma piedade de si mesma e até com certo escárnio. A ansiedade pode colocar a pessoa em situações surreais, eventualmente hilárias, mas na maioria das vezes, é sofrimento mesmo que se colhe. "Sempre fui muito ansiosa, desde criança, e mais velha fiquei pior", conta.

Um contrato como roteirista da Rede Globo piorou a situação. Profissionalmente, foi muito bom. Tati viu alguns de seus trabalhos fazerem sucesso. A série Meu passado me condena, com Fábio Porchat, foi exibida durante três anos no Multishow, entre 2012 e 2015, e virou filme. Escreveu também para as novelas Sangue bom (2013) e Vida da gente (2011), além do programa Amor & sexo, entre 2009 e 2011. Mas Tati mora em São Paulo e precisou virar freguesa da ponte aérea para dar conta dos compromissos que deveriam ser, na verdade, motivo de comemoração de sucesso profissional. Entrar em um avião toda semana para enfrentar horas de reunião ao lado de “amigos cariocas bronzeados, felizes” fez a ansiedade subir a mil.

Em um dos textos, ela fala sobre a primeira crise de pânico. Não foi no avião, mas aos 6 anos, na casa de uma coleguinha. E foram muitas outras primeiras até Tati decidir ou entender que precisava de auxílio e encontrar uma ajuda que realmente fosse efetiva. Ela percebeu então que não era a única a sofrer de ansiedade. Descobriu que 80% das pessoas que conhecia já haviam tomado ou estariam em vias de tomar um ansiolítico. E se deu conta de que, talvez, isso seja uma espécie de mal do século. Ou, pelo menos, de um fim de milênio e início de outro.

Serviço
Depois a louca sou eu
De Tati Bernardi. Companhia das Letras, 140 páginas. R$ 34,90

Foto: Companhia das Letras/Divulgação
Foto: Companhia das Letras/Divulgação
Entrevista Tati Bernardi // autora


"A loucura é não saber que você está louco"

O que motivou foi desopilar ou uma vontade de compartilhar e dar uma perspectiva a quem sofre de ansiedade?
Acho que tem um pouco de tudo. Tem um pouco de querer compartilhar, para rir com os outros. Tem também uma busca pelo que é pop, porque quero sempre escrever coisas boas, legais, mas uma busca pelo popular bom. O que pode agradar a todos e ainda assim ter uma qualidade é o que busco no meu trabalho. Então, além de ter esse lado de querer desopilar e saber que esse livro vai ajudar quem tem essas ansiedades. E como está todo mundo ansioso, eu acreditei nesse projeto como um projeto pop.

O que é a loucura?
A loucura é não saber que você está louco. Faço terapia há mais de 10 anos e foi a primeira frase que meu analista me falou, porque eu estava numa época superansiosa, sentindo que estava no limite de ter um surto, não de ser internada, mas de paralisar. E ela falou que só o fato de fazer terapia e estar tratando significa que sou só uma pessoa muito comum. O louco tem certeza de que está tudo bem na vida dele, não tem a menor ideia de que está vivendo fora da realidade. Eu sei que vivo fora da realidade, mas só de saber eu não sou louca.

Que amor é possível hoje?
Passei um bom tempo me relacionando com pessoas que eram uma explosão de sentimentos e durava dois, três meses. Era uma paixão louca e aquilo acabava da mesma maneira que tinha começado, de repente e com muita intensidade. Hoje, eu sou casada há três anos. Primeiro a gente ficou amigo, depois tivemos um caso que não foi pra frente, depois ficamos amigos de novo. E foi indo. Acho que o amor possível é aquele que você nem percebe e quando vai ver, está há um tempão com a pessoa. Vai dando certo, você não consegue explicar racionalmente, não consegue colocar numa lista neurótica os motivos, mas está ali. Te faz bem, te acalma, é amor, não é uma paixão que te faz mal, te tira noite de sono, é um amor que te acalma. Esse é o amor possível. Não descarto várias paixões que duraram pouco tempo. Mas acho que amor é uma coisa menos neurótica.

Como lida com as críticas na rede social?
Quando comecei a coluna na Folha de S.Paulo, lidava muito mal, chorava, ficava tensa, respondia. Aí, comecei a perceber que o que eles faziam comigo, eles faziam com todos os colunistas e com qualquer pessoa que tenha uma coluna um pouquinho mais lida. Não era pessoal comigo, era uma moda, tem um monte de gente que entra ali para xingar. E era uma coisa sem sentido: eu escrevia sobre uma coisa, a pessoa entendia outra, ou não entendia a ironia. No começo, me fazia muito mal. Hoje, eu nem leio. Quando leio, dou risada.

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