Artes visuais Exposição no Museu do Estado mostra como a arte pernambucana se beneficiou das ações coletivas A exposição Ateliês pernambucanos 1964-1982 traz 160 trabalhos e documentos relacionados a artistas locais

Por: Isabelle Barros

Publicado em: 12/05/2016 13:12 Atualizado em: 12/05/2016 15:09

Gilvan Samico foi um dos artistas cuja obra foi selecionada para a mostra. Crédito: Museu do Estado/Reprodução
Gilvan Samico foi um dos artistas cuja obra foi selecionada para a mostra. Crédito: Museu do Estado/Reprodução

Se o estado de Pernambuco é conhecido dentro e fora do Brasil pela pujança de suas artes visuais, parte desse mérito vem de um grupo de artistas que começou a atuar a partir da segunda metade do século 20 e transformou especialmente a cidade de Olinda em um celeiro de força criadora. A exposição Ateliês pernambucanos 1964-1982, com abertura hoje no Museu do Estado, traz um recorte dessa produção e sublinha a importância dada a esses artistas a espaços coletivos de produção.

A mostra, com 160 trabalhos, é patrocinada pelo banco Santander, que mantém uma parceria com o museu desde 2014, quando a empresa fechou o Santander Cultural. Além das obras, também são expostos cartazes, folders e documentos relacionados aos artistas.  Entrevistas com os artistas envolvidos foram outros elementos para nortear a curadoria. O marco inicial é a ocupação cultural do Mercado da Ribeira, localizado no Sítio Histórico de Olinda, onde se instalou o Ateliê Coletivo e uma galeria permanente de exposições em 1964. Embora o município atraísse artistas desde o fim dos anos 50 pela disponibilidade de imóveis grandes e baratos, foi a partir da atividade na Ribeira que essa tendência se consolidou.

A partir daí, o que se viu foi o surgimento de mais ateliês: a Oficina 154, Atelier Mais 10, além de casas-ateliês de artistas nas ruas da Cidade Alta de Olinda. Galerias como a Sobrado 7, Lautréamont e Senzala também marcavam seu espaço. A abertura do Museu de Arte Contemporânea de Pernambuco, em 1976, e o início da Oficina Guaianases de Gravura, em 1974, ajudaram a impulsionar a carreira de vários artistas. “A cidade também vai ser um lugar mais apropriado para a pintura de paisagem, por causa de sua beleza, algo experimentado com sucesso por nomes como José Cláudio e Guita Charifker”. Este também foi um trunfo usado pelo designer Aloisio Magalhães para defender a candidatura de Olinda como Patrimônio Cultural da Humanidade em 1982. A data é considerada o recorte final da mostra.

De acordo com o curador da mostra, Marcelo Campos, o campo para essa efervescência de Olinda foi semeado por artistas como Abelardo da Hora, fundador da Sociedade de Arte Moderna do Recife, uma experiência coletiva, e de Vicente do Rêgo Monteiro. Os dois têm obras na mostra como uma espécie de introdução ao trabalho dos ateliês. “Ambos trouxeram não somente as influências do modernismo internacional, como o cubismo, mas no caso de Abelardo, a grande pesquisa em torno da cultura popular, incluindo as mazelas sociais do Recife”.

Para Marcelo, o laço que une os artistas que fizeram parte dos ateliês era a vontade de experimentação tanto estética quando política, ao dar ênfase às trocas e ações coletivas, seja com ou sem apoio do poder público. Os prêmios ganhos em salões de arte não eram empecilho para uma produção dita “alternativa”. Não por acaso, o período de tempo compreendido pela mostra engloba quase a totalidade do período da ditadura militar. “Essa é uma caracteristica é viva e evidente na produção pernambucana. A exposição mostra a potência desse momento e como isso vai frutificar daí para diante. Gil Vicente, por exemplo, é uma espécie de caçula desse grupo e a relevância de sua carreira posterior tem a ver com seu período inicial de carreira na Oficina Guaianases de Gravura”.

DEPOIMENTOS

RAUL CÓRDULA
Artista e curador paraibano radicado em Pernambuco, escreveu o livro Utopia do Olhar (2013), sobre a transformação de Olinda em polo das artes visuais

"Esta mostra é boa porque, com ela, é possível ver como a arte em Pernambuco nunca deixou de ser ativa e evoluir constantemente. Havia uma proliferação de artistas-ativistas. É por isso que há, atualmente, um grupo de artistas contemporâneos de primeira linha. Vejo dois fatores principais para a importância de Olinda nesse cenário: a abertura do MAC, que teve uma atuação muito boa durante grande parte de sua existência, e a Oficina Guaianases. Ela reuniu mais de cem artistas, até de outros estados, e isso aconteceu ao longo de toda a sua existência"

LUCIANO PINHEIRO
Pintor, gravador e desenhista pernambucano, fez parte da Oficina Guaianases de Gravura e hoje vive no Alto da Sé, em Olinda.

"Nunca estudei arte academicamente, então encontrei em Olinda um grupo de artistas, como Adão Pinheiro, Guita Charifker e José Barbosa, com quem pude conviver. Nos anos 70, fiz parte da Oficina Guaianases de Gravura e considero este o movimento de artes visuais mais importante de Pernambuco, por ter sido uma forma de se organizar com vistas à nossa sobrevivência. Foi uma experiência de democratização da arte, de discussão, de expectativa com relação aos nossos caminhos. A exposição vem suprir a lacuna de fornecer informações sobre um momento de formação de identidade no Estado. Hoje em dia, temos um mercado incipiente e fraco, mas ele existe, e isso ocorreu porque houve pessoas que viram a possibilidade disso acontecer"

+OFICINA GUAIANASES DE GRAVURA
Criada pelos artistas plásticos João Câmara e Delano, a oficina funcionou inicialmente no bairro de Campo Grande, no Recife e começou seu trabalho com litrografias, ou seja, matrizes feitas em pedra. Em 1979, a Guaianases se mudou para o Mercado da Ribeira, em Olinda, e se transformou em um ponto de encontro de artistas, tornando-se um movimento de importância nacional. Após sua dissolução, em 1995, parte de seu acervo foi levada para o Centro de Artes e Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), onde está preservado no Laboratório Oficina Guaianases de Gravura.



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