Cinema CRÍTICA: O Valor de um Homem e a crise acima dos trópicos Filme está em cartaz no Cinema do Museu, em Casa Forte

Por: Viver/Diario - Diario de Pernambuco

Publicado em: 30/05/2016 12:45 Atualizado em:

Vincent Lindon em cena de O Valor de um Homem. Foto: Imovision/Divulgação
Vincent Lindon em cena de O Valor de um Homem. Foto: Imovision/Divulgação

O cinema europeu tem, de diferentes modos, narrado a crise econômica e social pela qual passa a Europa. Desde cenários niilistas como os apresentados por Melancolia e Ninfomaníaca de Lars Von Trier a filmes com uma nostalgia opaca como a Grande Beleza de Paolo Sorrentino, há uma convergência forte quanto ao reconhecimento da diminuição do poder econômico e político da Europa.

Confira o roteiro de cinema do Divirta-se


O valor de um homem, cujo título literal seria A lei do mercado, compõe esse espírito do tempo, mas as suas notas atingem diretamente o motivo do desenvolvimento e declínio da Europa: o capitalismo.

Na verdade é o sistema capitalista que está presente na boca do segurança quando ele diz para Thierry (personagem principal interpretada à perfeição por Vincent Lindon) que todas as pessoas são potenciais ladras. A ação de roubar não conhece idade, sexo etnia, nada. Esse dialogo é a tradução verbal da opção estética do diretor Stéphane Brizé: deixar de lado qualquer coisa que não seja uma crítica voraz ao sistema.

Isso explica porque o filho com deficiência de Thierry não é o foco central de sua angústia, nem muito menos a sua relação com a sua mulher é desenvolvida com vistas a aprofundar um drama pessoal. Interessa apenas os planos fechados, a câmara guarda sempre uma mínima distância dos atores, em vários lugares fechados, com vários closes no rosto de Thierry. O capitalismo é retratado pela expressão de um só homem.

O seu ar incrédulo diante da comemoração da aposentadoria de uma colega de trabalho é a certeza da tragicidade dos trabalhos repetitivos, fragmentados e cansativos aos quais estão submetidos os trabalhadores atuais. O seu olhar disciplinado em face do jovem que roubara um carregador de celular vai sendo paulatinamente alterado, ao longo do filme, quando os ladrões, cumprem a máxima, anunciada pelo segurança mais experiente e passam a ter os mais variados perfis. Ninguém foge à lógica do sistema. O Valor de um homem mostra que a corrupção não é um fenômeno individual, particular e localizado numa classe de indivíduos. Ela se prolifera em todos os corredores, caixas e pessoas da loja. A corrupção é sistêmica.

Num cenário reduzido basicamente à casa, à loja e às instituições do Estado, O valor de um homem fala do cotidiano do capitalismo. É uma micronarrativa sobre um sistema econômico global que está em todos lugares: na lógica da eficiência na escola, exigida para o filho de Thierry, nas metas da loja e no desejo pelo consumo que leva diferentes pessoas ao roubo.

Stéphane Brizé consegue usar ao seu favor um dos principais pressupostos do capitalismo: o indivíduo quando mostra por meio do rosto de um só homem o drama que atravessa todas as fronteiras.

Érico Andrade é filósofo e professor da Universidade Federal de Pernambuco


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