Arte Tragédia de Mariana inspira filme, livro e escultura de lama: críticos chamam de ruin porn Um filme, um livro e série de intervenções artísticas sobre a tragédia provocada por barro tóxico da Samarco resgatam cenários da cidade mineira

Por: Viver/Diario - Diario de Pernambuco

Publicado em: 29/04/2016 13:28 Atualizado em: 29/04/2016 13:28

Tragédia na cidade mineira de Mariana inspira filme, livro e série de intervenções artísticas pelo Brasil. Foto: Rogério Alves/Agência Brasil
Tragédia na cidade mineira de Mariana inspira filme, livro e série de intervenções artísticas pelo Brasil. Foto: Rogério Alves/Agência Brasil

Memórias de centenas de desabrigados e dos 19 mortos pelo rompimento da barragem da mineradora Samarco, em Mariana (MG), flutuam sobre a lama que devastou a cidade mineira: são, agora, transformadas em arte - em alguns casos, aclamadas, em outros, cercada de contradição. Rio lama, de Tadeu Jungle, se destaca como registro preciso da tragédia ambiental, enquanto as intervenções de Haroon Gunn-Salie foram chamadas de "ruin porn" (pornografia das ruínas, em tradução livre).

É em São Paulo, no galpão Videobrasil, que o artista sul-africano Haroon Gunn-Salie exibe vídeos e intervenções. Para desenvolver as obras, passou cerca de um mês imerso na lama que soterrou o lugar em novembro passado, recolhendo lembranças das vítimas. Ecos de sons que ficaram gravados entre os moradores, como o grito dos bichos, toras de bambu sendo quebradas com a força da água e construções sendo arrastadas pela correnteza. Segundo Guun-Salie, o som da lama foi mencionado por todos com quem teve contato.

O artista reconstruiu parte da catástrofe ambiental, com escombros reais de uma das casas atingidas e seis toneladas de lama recolhidas em Mariana. Ele defende a intervenção - na fronteira entre a arte politicamente engajada e o “ruin porn”, adjetivo dado a obras que estetizam a destruição, como ocorreu após os terremotos do Haiti e a passagem catastrófica do furacão Katrina por Nova Orleans. “Fazemos mais do que ruin porn. Damos a chance de navegar pela ruína. É possível ver de perto como foi estar ali”, argumenta Gunn-Salie.

Memórias de vítimas e escombros de cosntruções são resgatados pelos artistas. Foto: Agência Brasil/Divulgação
Memórias de vítimas e escombros de cosntruções são resgatados pelos artistas. Foto: Agência Brasil/Divulgação
Após críticas em relação ao transporte das ruínas de Minas Gerais a São Paulo, envolvendo dezenas de trabalhadores e desconstruindo parte do cenário do desastre, o artista explicou que os destroços foram doados. Segundo ele, a tentativa de compra foi desconsiderada quando uma moradora cedeu escombros a fim de dar visibilidade ao crime ambiental. O sul-africano classifica sua obra como “intervenção social profunda”: no passado, já retratou moradores de guetos de segregação racial na África do Sul, por exemplo, e moldou peças durante imersão artística em favela de Belo Horizonte (MG).

Tateando entre registros que o barro tóxico não varreu, o sul-africano não é o único a se empenhar em converter tragédia em arte - de cunho mais político do que poético. O cineasta Tadeu Jungle e o fotógrafo Christian Cravo também estão envolvidos em projetos dedicados ao tema. Cravo retrata, em livro a ser lançado no mês que vem, também em São Paulo, os vestígios de vida em meio à lama. Sapatos perdidos, cortinas sujas e móveis inutilizados estampam a obra, que não expõe figuras humanas. Havia feito o mesmo no Haiti, onde documentou rastros de tragédia sem fotografar pessoas.

Jungle, por sua vez, fez um filme em meio aos escombros. Segundo ele, tentando captar o momento em que a vida na cidade começava a evaporar. As imagens de Rio lama, curta disponível no YouTube, ofertam visão de 360° da tragédia, consideradas um dos registros mais precisos da devastação em Mariana.



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