Entrevista Livro pernambucano reúne 80 pessoas que mudaram o mundo Fruto de cinco anos de pesquisa e produção, "Pequeno dicionário de grandes personagens históricos" traz biografias de pensadores, guerreiros, artistas, cientistas e líderes políticos e militares

Por: Fellipe Torres - Diario de Pernambuco

Publicado em: 10/04/2016 11:01 Atualizado em:

 ("Desde sempre nós nos interessamos pela vida dos outros", comenta o historiador Karl Schurster. )

Biografias de homens e mulheres notáveis são, com frequência, ponto de partida para a compreensão da história da humanidade. Sociedades de todas as épocas tiveram e têm as minúcias culturais, políticas e econômicas desvendadas com base nos feitos alcançados por essas pessoas. São pensadores, guerreiros, líderes políticos e militares, artistas, cientistas. Motivados a compilar em um único livro as trajetórias dos indivíduos de grande relevância, três historiadores pernambucanos uniram esforços para escrever o Pequeno dicionário de grandes personagens históricos (Editora Alta Books, R$ 76,90, 512 páginas), cujo lançamento será na próxima sexta-feira (15), às 19h, na livraria Saraiva do  RioMar. Na ocasião, os autores, José Maria Gomes de Souza Neto, Kalina Vanderlei Silva e Karl Schurster, fazem palestra sobre o projeto.

"Esse livro procura trazer a complexidade da vida por meio da história dessas pessoas. Por exemplo, eu posso ler a história da Guerra Fria a partir de Yuri Gagárin? Posso. A vida dele corresponde a todo jogo complexo da guerra? Não. Nós tentamos desconstruir ideias, mostrar que, na verdade, não há heróis. O que você pensou que era um herói, era uma pessoa comum. E são as pessoas comuns que tomam decisões - certas ou erradas - a todo momento, e fazem história", esclarece Karl Schurster, pós-doutor em história pela UFRJ e professor da UFPE.

Fruto de cinco anos de pesquisa e produção, a obra é dividida em seis partes, correspondentes às atividades de cada personalidade. A primeira é reservada a cientistas, místicos e aventureiros (entre eles Colombo, Newton, Darwin, Freud, Einstein), seguida dos líderes políticos (Júlio César, Carlos Magno, Maurício de Nassau, Lênin) e religiosos (Krishna, Moisés, Maomé). Também há capítulos dedicados a artistas e pensadores (Homero, Confúcio, Shakespeare, Marx, Machado de Assis), aqueles chamados heróis da resistência (Zumbi, Chica da Silva, Luther King) e guerreiros (Joana D'Arc, Napoleão, Bolívar). No total, 80 pessoas são biografadas, em textos de quatro a seis páginas cada.

Capa do livro "O pequeno dicionário de grandes personagens históricos". Foto:Alta Books/Divulgação.
Capa do livro "O pequeno dicionário de grandes personagens históricos". Foto:Alta Books/Divulgação.
ENTREVISTA // Karl Schurster
"Desde sempre nós nos interessamos pela vida dos outros"

A proposta de escolher 80 nomes para serem biografados em um único livro soa bastante ousada. Como isso aconteceu?
Foi um trabalho de cinco anos, escrito a seis mãos. A primeira pergunta do editor do livro, quando fomos apresentar a proposta, foi o que um projeto de biografias traria de novo, tendo vista que parte dos biografados são muito famosos, como Hitler, Lênin, Mandela, Bin Laden. A resposta é que não são biografias que se caracterizam por personalidades brancas e europeias. Nós vamos da Ásia antiga ao norte e centro da África. Buscamos todos os continentes, na vontade de quebrar estereótipos. No início tínhamos um certo receio, claro. A relação entre biografia e história é muito interessante. A biografia é um dos gêneros mais antigos. Você encontra esse mecanismo desde autores como Plutarco. Desde sempre nós nos interessamos pela vida dos outros.

Que abordagem metodológica vocês escolheram para abarcar a trajetória de cada figura histórica?
Nos focamos em abordar o impacto que os personagens causaram no tempo em que viveram, ao invés da perspectiva de transformá-los em heróis. No caso de Yuri Gagárin, por exemplo, a biografia é uma grande passagem pela Guerra Fria. Ele não aparece como um herói guerreiro. É um personagem pensado estrategicamente para aquele conflito, mas poderia ter sido qualquer outro. Em larga medida, todas as biografias têm documentações históricas e trazem algo de inédito. Não foram baseadas em outras biografias.

Entre os 80 verbetes, há alguns bastante surpreendentes...
Os personagem biografados fogem do mundo clássico da politica. Há figuras como Billie Holiday, cujo verbete mostra como ela contribuiu para inserir a sociedade negra norte-americana. Falamos dela como um ator politico. Temos também o perfil de uma banda, os Beatles... Da mesma forma, mostramos como um homem como Machado de Assis é capaz de não se envolver em política e ainda assim ter uma função social muito importante, a partir da escrita. Tentamos mesclar bastante, sair do próprio mundo para enxergar essas figuras. Não acreditamos que se tratem de indivíduos à frente do seu tempo. Pelo contrário, são pessoas que deixaram uma grande marca no seu tempo, que agregaram de forma sintomática aquilo que o tempo deles permitiu que eles fossem. Nos interessamos como eles se colocam perante a sociedade.

O quão complicado foi se manter conciso para contar, em até seis páginas, a vida de personagens cujas trajetórias são riquíssimas?
A proposta não era dissecar o personagem, e, sim, gerar ponto de reflexão, estimular o leitor a ir em busca de mais informações. Passei a minha vida inteira estudando Hitler. Se eu fosse só falar sobre as biografias já lançadas sobre ele, já daria um livro. Mas optei, é claro, por uma abordagem mais ampla. A decisão de se manter entre quatro e seis páginas para cada personagem foi para não dar a impressão que um foi maior que o outro, pois biografias não são comparáveis. A experiência não se repete. Cada um só vive pelo próprio indivíduo.

PERNAMBUCO PARA O MUNDO
Uma grata surpresa do livro é o verbete sobre o sociólogo pernambucano Gilberto Freyre, cuja escolha para constar no projeto foi baseada principalmente na identificação dos autores com o estilo de escrita do mestre de Apipucos. A minibiografia destaca o lançamento de Casa-Grande & senzala (1933), ocorrido simultâneo à ascensão do nazismo na Alemanha. A obra freyriana ("que já nasceu revolucionária"), conforme consta no texto, "marcaria indelevelmente o imaginário e a identidade brasileira". A referência a Maurício de Nassau, governante de Pernambuco durante a invasão holandesa no século 17, e a Zumbi dos Palmares, escravo líder da resistência ao regime escravocrata, coloca em evidência dois outros personagens essenciais para a compreensão da história e da formação social de Pernambuco. O período maurício deixou legado na arquitetura e na ocupação urbana da capital enquanto a luta do negro inspirou ideais de igualdade racial na região e no país.

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