Arte Entrevista: artista pernambucano Lourival Cuquinha lança provocadora obra sobre a política atual Lourival já costurou uma bandeira da Inglaterra com notas de dinheiro num total de mil libras e hasteou uma bandeira de dólares em Havana (Cuba)

Por: Nahima Maciel - Correio Braziliense

Publicado em: 19/04/2016 11:30 Atualizado em: 19/04/2016 12:19


A obra é uma forma de Cuquinha refletir sobre os rumos do Brasil atual. Foto: Teresa Maia/DP
A obra é uma forma de Cuquinha refletir sobre os rumos do Brasil atual. Foto: Teresa Maia/DP

Limite e provocação são duas noções que o pernambucano Lourival Cuquinha cultiva com esmero. Dono de um questionamento político explícito, o artista costuma dizer que trabalha no limite da legalidade e gosta de provocar. Na semana passada, ele vendeu o Parangolé revival na SP Arte. A performance que veste um ator com farda da Polícia Militar e o coloca de guarda na galeria foi comprada por Cleusa Garfinkel por R$ 25 mil e doada ao Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM/SP).

A obra é uma forma de Cuquinha refletir sobre os rumos do Brasil atual, a presença da polícia nas ruas, as fronteiras entre o público e o privado, a liberdade individual e até o impeachment da presidente Dilma Rousseff.

Esse tipo de arte é urgente para o pernambucano, que já costurou uma bandeira da Inglaterra com notas de dinheiro num total de mil libras e hasteou uma bandeira de dólares em Havana (Cuba). A primeira foi vendida por 17 mil libras e a segunda, por R$ 80 mil. Cuquinha gosta de criar obras que reflitam sobre os valores da arte e o mercado. O artista falou sobre o papel da arte na cena política e sobre o mercado de arte.

Entrevista >> Lourival Cuquinha, artista


Essa não é sua primeira performance com a figura do policial. Por que esse tema?

Algumas vezes fiz uma performance que chama Filtro em espaços culturais. No Rio, na Oi Futuro, no dia da abertura da exposição, havia vários policiais em forma de triângulo e eles ficavam do lado, você ia passando mas tinha que tocar neles e ficar olhando nos olhos. Não tem indicação de que é nada performático. Em espaços culturais, vai todo tipo de gente, mas geralmente, em galerias, vão pessoas que têm poder aquisitivo alto, grã-finos que nunca têm contato com a polícia, que nunca levaram um baculejo. Eles ficam com medo e alguns comentários são bem interessantes. Chegava aquela colecionadora e falava “olhe como tá chique, é a PM quem tá fazendo a segurança”. Quando não é chique, seria um crime, na verdade, a coisa pública e privada misturadas. Mas a gente tem isso incrustado socialmente, quando a coisa pública é usada para uma coisa privada é chique, né?

Essa performance do parangolé veio disso?

Sim, comecei a pensar nesse embate da coisa pública e privada. E pensei nessa performance com a farda da polícia chamada de parangolé. O parangolé você veste e faz o que quiser e a farda da polícia também, mas com sentidos completamente opostos, um de liberdade, outro de autoritarismo. Quando veio a feira, pensei nesse momento do Brasil e falei “é isso, vou falar de um estado pré-policial que pode acontecer”. Acho o governo Dilma horrível, mas não sou manipulado. Estou vendo o que está acontecendo. Daqui a pouco a gente vai ser governado por Eduardo Cunha? Então pensei nisso. Mas achando que não ia vender.

E que tipo de reação teve, nesse que é também lugar de grã-fino, já que é feira de arte?

Então, acho que a maioria das pessoas pensa que não é nenhum trabalho e passa direto. Já tive amigos que vieram, eu apontei meu trabalho (ao lado de um quadro) e disseram “e tu tá pintando?”. E alguém me perguntou: “É tão valioso aquele quadro que tem que ter um policial guardando?”. É isso, tem esse embate estético também. E esse momento de embate político que estamos vivendo, de tensão, também está ali.

Foto: Teresa Maia/DP
Foto: Teresa Maia/DP


E o papel da arte nesse momento? Tem que comentar?

A arte não tem que (fazer) nada. A priori, ela não tem que (fazer) nada. Depende da poética de cada artista, de como você se sente tocado por isso. Tenho amigos com produções artísticas poderosas, lindas, que nem tocam nisso. Eles até acham que tocam, às vezes, mas eu acho que não. E vamos nessa, tem que ser feito. E tem umas pessoas que me dão prazer. Claro, tem o que me interessa mais. Tem aquele tipo de trabalho que você gosta e tem o tipo de trabalho que você gosta e sente “pô, devia ter feito antes”. Porque as coisas estão pairando, a gente se conecta, acho que a gente é mais uma antena de conexão numas nuvens que estão por aí. Às vezes, as nuvens estão bem óbvias. Às vezes, mais baixas. Às vezes, mais altas. Não acho que arte tenha que ser engajada.

Mas, no seu caso, é engajada.

No meu caso, sempre foi. Até os trabalhos mais poéticos que já fiz acabam tendo um engajamento social. E, apesar de poder suscitar várias questões, acho que ele é bem direto.

Por que sente essa necessidade de engajamento?

Acho que vem de uma formação, mesmo. Sou de Olinda. Não vou definir toda minha poética só porque sou de lá, mas é um estado que tem uma história de luta e tem uma história na produção artística, uma coisa mais combativa, discursiva. A gente se forma tendo aquelas referências. Não vou dizer que isso me define totalmente, mas também não vou dizer que não me define. E tem uma formação familiar, de gente que foi presa na ditadura. Tenho contato com isso, culturalmente. Meu avô era um repentista que tinha verve poética bem esquerdista, de melhorias sociais, amigo de (Miguel) Arraes, engajado. Nada me define tanto, mas acho que tenho histórico nesse sentido. Fora que a minha sensibilidade está muito voltada para a cidade, o meio urbano, coisas que vejo e me tocam. É difícil saber exatamente.

Quais questões o angustiam e refletem no seu trabalho?

É uma noção de valor, na verdade. Uma relativização de valor. Tenho outros trabalhos que lidam com mercado financeiro. E a relativização de isso ser um valor. Eu estudei direito e, por exemplo, o homicídio, o máximo dos crimes: ninguém vai duvidar que é crime, mas, se tem a pena de morte, para o Estado deixa de ser crime. Então, até o crime é uma coisa relativizada. Essa noção de valor com o crime ou com outros conceitos sociais como o direito, uma farda, um parangolé, essa relativização de conceitos me interessa. É por aí. Claro que em momentos críticos sociais, como eu acho que a gente está vivendo agora, essa relativização de conceitos tende a uma exacerbação.

E encontra respostas assim na arte brasileira?

Menos do que gostaria, mas isso sou eu, é minha opinião. A arte não tem que (fazer) nada. Penso assim. Acho que a gente teve um boom de mercado de 2009 até o ano passado e a crise aconteceu. O boom direcionou muito da produção de quem está se formando, de artistas novos, com coisas formais belíssimas. E adoro ter o prazer puramente estético na obra, não questiono isso. Mas isso direciona, de certa forma. Eu não achava que ia vender esse trabalho, por exemplo. Mas quis fazer. Essas coisas que você fica mais na dúvida, que talvez seja uma pesquisa na qual a arte empurra os próprios limites, ficam mais soft. Não acho que mercado seja ruim não, você pode fazer obras dentro do mercado que o questionam. A arte está aí pra isso. Mas um mercado forte pode deixar uma arte mais soft do que um mercado como o do Recife. Lá não tem mercado de arte e o experimentalismo ocorre mais. Não é por ser melhor ou pior, é condição ambiental, biológica.

Acha que isso dá liberdade?

É. Ou menos conforto. Porque conforto também é liberdade, você pode experimentar o que quiser. No mercado, (as pessoas têm que consumir) e você entra num nicho com seu nome. Isso também dá uma certa liberdade. Mas tem outra liberdade, aquela de “já que você tá na merda, você pode produzir qualquer merda”. Você não tem rédeas como “minha poética foi por aí, vou continuar isso”, ou “vou questionar ela aqui, mas nem tanto”. Acho que esse diálogo de ter e não ter o mercado também é interessante.

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