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Arte Relação de Gilberto Freyre com artes visuais é tema de exposição no Recife Desenhos assinados pelo sociólogo em cartas a amigos, cartões de Natal e quadros expostos em vida entram em cartaz na Caixa Cultural do Recife

Por: Larissa Lins - Diario de Pernambuco

Publicado em: 22/03/2016 17:52 Atualizado em:

O sociólogo mantinha relação estreita com as artes visuais. Fotos: Fundação Gilberto Freyre/Divulgação
O sociólogo mantinha relação estreita com as artes visuais. Fotos: Fundação Gilberto Freyre/Divulgação

As raízes da escrita sensorial do escritor e sociólogo pernambucano Gilberto Freyre, marcante em clássicos como Casa-Grande & senzala, Interpretação do Brasil e Sobrados e mocambos, ganham contornos mais nítidos a partir de hoje, quando a mostra Gilberto Freyre: vida, forma e cor abre as portas na Caixa Cultural Recife, nesta terça (22), às 19h30. A fim de desvendar a estreita relação entre Freyre e as artes visuais, o que clarificaria seus textos imagéticos, a mostra reúne cerca de 200 peças, das quais somente três estão permanentemente expostas na casa-museu dedicada ao escritor em Dois Irmãos, Zona Norte do Recife, onde ele morava. A veia artística do sociólogo, ainda pouco conhecida, aflora em documentos, cartas, cartões natalinos, desenhos e quadros. Revela facetas mais íntimas, tão emotivas quanto raras, do autor de Casa-grande & senzala.

“A relação de Freyre com a arte é muito íntima, ordinária mesmo, no melhor sentido da palavra, porque revela intimidade. A arte é, para ele, algo cotidiano, que feito repetidamente constitui parte inerente da sua relação com o mundo. Entendendo isso, essa faceta, é possível compreender melhor os estudos sociais que desenvolveu”, explica Clarissa Diniz, que assina a curadoria do evento junto com Jamille Barbosa, Leonardo Borges e Fernanda Arêas Peixoto. “Ele desenhava os cartões de Natal, ilustrava as cartas aos amigos, produzia cadernos de desenhos para os netos, sem que houvesse qualquer ambição de ser chamado de artista. Aquilo era um hábito, era encarado com naturalidade”, complementa.

Entre os objetos expostos na mostra, estão desenhos feitos por ele aos oito anos, retratando professores colegiais - que se desdobrariam, mais tarde, em caricaturas ácidas de seus mestres universitários. As obras denunciam, segundo os organizadores, a utilidade dos traços como ferramenta de inserção no mundo, facilitadora de suas relações interpessoais.

Para o pesquisador e historiador Leonardo Borges, responsável por conceber a estrutura da exposição há cerca de dois anos, a atuação de Freyre no campo das artes visuais revela mais um de seus pioneirismos. “Ele foi vanguardista em muitos aspectos. Atribuiu valor documental e histórico a fontes consideradas, até então, secundárias, como diários. Em relação às artes, o escritor usou imagens para ampliar o sentido dos próprios textos. Reunir registros dessa associação entre arte e produção textual prova o quão duradoura, íntima e intensa foi essa relação, o quanto ela influenciou seus tratados sociais”, opina. Após a temporada na capital pernambucana, a exposição segue para a Caixa Cultural de São Paulo, terra natal de Leonardo, onde permanece em cartaz entre 21 de maio e 10 de julho.

PERCURSO
Para guiar a reconstrução da teia de aptidões do sociólogo pernambucano, a mostra está dividida em quatro etapas. A primeira, Mundo de imagens, exibe itens ligados à vivência da arte no ambiente familiar, pessoal. Cartas ilustradas endereçadas a amigos e cadernos de desenhos dedicados aos netos estão na abertura. Na segunda, Escritor de formas e cores, a frase “eu pinto escrevendo e acho que um pouco escrevo pintando”, do próprio Gilberto Freyre, é demonstrada nos objetos expostos, como telas e desenhos associados a trechos de seus principais livros. Contaminações criativas, a terceira fase do percurso, disseca a relação do pernambucano com artistas que ilustraram seus textos. Por fim, Ecos, a quarta e última etapa da mostra, reúne em formato de linha do tempo as reflexões do escritor acerca das artes visuais brasileiras.

Obras como Partida de Futebol e Senhora Negra com Filho no Caminho estão na mostra. Fotos: Fundação Gilberto Freyre/Divulgação
Obras como Partida de Futebol e Senhora Negra com Filho no Caminho estão na mostra. Fotos: Fundação Gilberto Freyre/Divulgação

ENTREVISTA: Jamille Barbosa, gerente editorial da Fundação Gilberto Freyre

Como uma mostra com tal recorte temático, tão pouco explorado, enriquece a compreensão do público em torno da obra freydiana?

Há dois principais benefícios. O primeiro é o acesso ao acervo, já que são mais de 200 peças reunidas na mostra e apenas três delas estão expostas ao público na casa-museu. O restante do material está restrito a pesquisadores, o que transforma a exposição numa grande oportunidade para os admiradores em geral. As pessoas podem conhecer melhor a obra, fazer suas próprias análises, se aproximar dele. Outro ponto positivo é a abordagem da exposição. É comum ouvir que o estilo de escrita de freyre é diretamente ligado às imagens, que ele escreve como quem desenha. A exposição revela, em detalhes, como isso se dava.

Por que a maior parte das peças expostas a partir de hoje não estão acessíveis ao público?

Isso se deve ao fato de ser necessário preservar a casa-museu do modo como Freyre a deixou enquanto habitava aquele espaço. É o conceito de casa-museu. Esses documentos, quadros, cartas, estavam guardados, arquivados dentro do gabinete dele, for a de alcance. E assim permaneceram.

Podemos dizer que é a primeira mostra dedicada à veia artística dele?
Em vida, Gilberto Freyre realizou algumas exposições com seus quadros. Mas essa é a primeira dedicada a analisar essa produção. Ele não se considerava um artista visual, nem a exposição se propõe a classificá-lo assim. Mas é a primeira vez que os quadros e documentos estão reunidos com essa proposta de relacionar imagens e textos de modo tão direto.

SERVIÇO
Exposição Gilberto Freyre: vida, forma e cor
Quando: 22 de março, às 19h30 (abertura), de 23 de março a 8 de maio (visitação); terças a sábados das 10h às 22h, domingos das 10h às 17h
Onde: Caixa Cultural Recife (Av. Alfredo Lisboa, 505, Bairro do Recife)
Quanto: Entrada gratuita
Classificação: Livre
Informações: 3425.1915


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