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Homenagem Mãe de Chico Science relembra dificuldades e diz ter se surpreendido com sucesso do filho Aniversário de 50 anos do nascimento do principal ícone do manguebeat é lembrado em série de reportagens do Viver a partir deste domingo

Por: Larissa Lins - Diario de Pernambuco

Por: Luiza Maia - Diario de Pernambuco

Publicado em: 13/03/2016 08:58 Atualizado em: 13/03/2016 10:31

Dona Rita no colo de Chico Science, em 1995. Foto: Fernando Gusmão/DP
Dona Rita no colo de Chico Science, em 1995. Foto: Fernando Gusmão/DP

Quando o garoto Francisco Assis de França nasceu, há 50 anos, no Hospital dos Evangélicos, no bairro da Jaqueira, Dona Rita carregou o menino nos braços em um passeio de barco, a caminho de casa. Havia táxis em frente à maternidade, mas ela preferiu - por "intuição divina", diz - levar o menino pelo rio. Naqueles primeiros dias de existência, começou uma relação do futuro Chico Science com os manguezais.

Relembre a trajetória de Chico Science na primeira reportagem da série


A mãe do ex-líder da Nação Zumbi e grande ícone do movimento manguebeat guarda na casa onde mora, nas Graças, uma vasta coleção de fotogafias - Chico era afeito aos retratos e, numa época de registros analógicas, a selfies -, roupas, tênis, chapéus, instrumentos musicais, vinis e roupas, todos pertencentes a ele, morto em em trágico acidente de carro, no dia 2 de fevereiro de 1997.

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"
Se fosse para viver chorando, eu não parava de chorar, mas não é por aí", revela, saudosa. Ela se orgulha da força demonstrada desde o dia da morte e diz ter apenas boas lembranças do artista responsável por carregar as raízes pernambucanas a festivais de música pop no Brasil e no mundo. Nesta entrevista, ela recorda travessuras do menino Chiquinho e confessa ter se surpreendido com o sucesso do filho.

ENTREVISTA // DONA RITA

Mãe guarda itens usados pelo filho, como o famoso chapéu. Foto: Peu Ricardo/DP
Mãe guarda itens usados pelo filho, como o famoso chapéu. Foto: Peu Ricardo/DP
Chico sempre gostou do rio?
Desde pequeno. Em Rio Doce, tinha um rio próximo, os meninos grandes iam pra lá. Criança, a gente evitava, pra não acontecer acidente. Quando eu via, ele já estava chegando de lá, escondendo de mim os pés sujos de lama. Eu não queria. Primeiro, porque ele tinha asma. Depois, pelo perigo. Os meninos pegavam os bichinhos e lá vinha ele feliz também, dizendo que tinha pegado. 

Ele era muito treloso?
Era. Uma vez, ele chegou da escola dizendo que estava doente, com dor de cabeça. Botei a mão e não estava quente. Pensei: "essa história tem areia". Eu, ocupada, que costurava, não notei que Chiquinho faltou na cama, acredita? Quando eu vejo, chega a diretora. Ela disse "olhe, Chico furou a parede da escola". "Chico está doente. Deitado ali". "É mesmo? Tem certeza?". O menino tinha levantado, ido e furado a parede. Voltou, deitou-se e eu não vi, tamanha era a minha luta. Fez um rombo, quebrou uns dois tijolos. Criança é assim. A gente dava um castigo, mas tinha jeito não.

Com que idade ele começou a frequentar os bailes de hip hop?
Logo cedo. Ele via os meninos se aprontarem para ir para as festas. Quando estava pronto, eu dizia "você não vai, você é pequeno". Ele tinha uns 12 anos. Assim foi crescendo, depois a gente não segura mais. Eu não sabia o que Chico fazia na noite, sempre preocupada. Só rezava. Era meia-noite, uma hora da manhã, bem tarde. Mas ele estava fazendo o trabalho dele. Eu pensava que era molecagem, mas era muita responsabilidade. Aí ele fez um show nas Graças [Abril pro Rock, em 1993], e aí ele já foi convidado para ir para São Paulo.

E como foi a expectativa para a viagem?
Na véspera - ele ia de ônibus -, comprou um bocado de pão para fazer sanduíche de mortadela. Aquele sacrifício. “Mamãe, eu vou te dizer uma coisa: eu vou por baixo, mas eu volto por cima”. E, realmente, de lá, ele já foi convidado pela Sony Music, foi para o Rio e já voltou contratado. Um carro da Sony foi me parabenizar, na porta de casa. Foi uma coisa surpreendente. Já estava tudo dentro da cabeça dele. Eu não percebia. Não sabia que ele tinha aquela coletânea todinha na cabeça. 


Como era a vida de vocês, a situação financeira?
A gente morava numa vila. Era sustentável. Francisco trabalhava em uma fábrica, como enfermeiro, mas eu tinha que costurar dia e noite, porque o dinheiro dele só não dava. Graças a Deus, eu tinha uma clientela muito grande. Assim, a gente mantinha os meninos na escola.

Ele ficava batucando em casa, cantando?
Não. Ele saía e chegava tarde. Não era de ficar cantando, ensaiando. Por isso digo que me surpreendeu. Quando chegava em casa, era tarde, ia deitar e dormir. Ele trabalhava na Emprel, acordava tarde e eu “Chiquinho, a hora do trabalho”. Preocupadíssima, para ele não perder o emprego. Quando eu vi, ele estava era de malas prontas. Deixou tudo pra lá.

Como ele era em casa?
Ele era muito dengozinho. Eu sentava no colo dele e ele ficava me beijando. Tem uma foto da gente beijando na boca. Eu era muito preocupada, por causa da asma. Mas, graças a Deus, começou a cantar e não teve mais nada. Ele era direitinho, não era rebelde. Era calmo. Só treloso. 

Como a senhora soube que ele tinha morrido?
Foi duro. Eu tinha um sítio [em Chã da Mangabeira, na Cidade Tabajara] e estava lá. Eu fui para casa, no domingo de noite. Minha filha chegou e disse, bem calma para não me assustar, me chamou lá dentro para a cozinha e disse "Chiquinho sofreu um acidente". "É mesmo, Goretti?". "Foi, mamãe". Aquela coisa tocou bem forte. Aí eu perguntei “Chiquinho morreu, não foi?”. Ela não pôde negar. Eu recuei no canto e agradeci a Deus por ele ter me dado um filho tão querido. Eu tinha conversado com ele de tarde, antes de sair do sítio. Eu disse "meu filho, eu te amo muito". "Isso é chantagem", ele respondeu.

No velório tinha muita gente. Ficou impressionada?
Fiquei. Colocaram corda, fizeram uma enorme fila pra passar em frente ao caixão e olhar. Aí eu vi o quanto meu filho era querido. São coisas assim que não esqueço nunca. É muita saudade. Se fosse para viver chorando, eu não parava de chorar, mas não é por aí. Não vou dizer que é uma felicidade e, ao mesmo tempo, digo, porque você perder um filho e só ter coisas boas para falar a respeito dele é uma coisa muito boa. Um privilégio. 



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