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Cinema Filme A Bruxa explora as diferentes formas do medo Em cartaz no UCI Recife e no Cinépolis Guararapes, premiado longa-metragem oferece novas contribuições ao gênero do terror

Por: Júlio Cavani - Diario de Pernambuco

Publicado em: 03/03/2016 12:08 Atualizado em: 03/03/2016 12:44

Trabalho do elenco, sob direção de Robert Eggers, tem forte intensidade. Fotos: Universal/ Divulgação
Trabalho do elenco, sob direção de Robert Eggers, tem forte intensidade. Fotos: Universal/ Divulgação
 
Um bode preto, um coelho e um corvo são as únicas imagens presentes em três diferentes versões do cartaz do filme A bruxa. "O Diabo assume várias formas" é a frase de divulgação do primeiro longa-metragem dirigido pelo cineasta Robert Eggers, que oferece um oportuna contribuição para o cinema de terror com uma obra elaborada em torno de símbolos macabros, construída de uma forma realmente diferente dos caminhos mais convencionais do gênero.

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O filme atravessa diversas formas de medo, suscitado por pequenos acidentes, sugestões sobrenaturais, paranoias e fanatismo religioso. O clima de suspense já começa a ser sugerido pela atmosfera sombria e intolerante da Nova Inglaterra no século 17, quando a região era habitada por refugiados britânicos, antes da independência dos Estados Unidos. É a mesma época do episódio histórico das "bruxas de Salem" (já levado ao cinema, à TV, ao teatro e à literatura), em que mulheres eram condenadas à morte sob acusação de serem feiticeiras.

O foco é uma família expulsa de um vilarejo por causa do comportamento fanático de um homem cristão, que se muda para uma casa isolada, ao lado de uma floresta, junto com a esposa e quatro crianças. O súbito desaparecimento do filho mais novo, ainda bebê, desencadeia uma série de comportamentos e acontecimentos que gradativamente direcionam a família para o tormento.

Há filmes de horror que explicitam os fenômenos sobrenaturais e os mostram como verdade, outros mantém tudo no campo da sugestão. Em alguns casos, a ameaça é fruto da imaginação dos personagens. Com A bruxa, Robert Eggers combina um pouco de cada uma dessas estratégias e deixa o espectador cada vez mais perdido, mas com a certeza de estar diante da presença do mal. A personagem-título é revelada logo no início, mas a natureza dela torna-se cada vez mais enigmática à medida em que o tempo passa.

O trabalho do elenco está acima da média. O cineasta, inclusive, ganhou o prêmio de Melhor Direção Dramática no Festival de Sundance, bastante disputado por diretores dos mais diferentes estilos (não apenas dos filmes de terror). O ator principal, Ralph Ineson, já havia trabalhado na série Harry Potter e em superproduções como Guardiães da Galáxia e Kingsman, mas A bruxa o oferece a oportunidade de demonstrar mais profundidade. A adolescente Anya Taylor-Joy deve tornar-se uma estrela e será a protagonista do próximo filme de M. Night Shyamalan (O sexto sentido). As crianças parecem possuídas de tão assustadoras e a mãe (Kate Dickie, da série Game of thrones) protagoniza os momentos mais agoniantes. Um deles encena uma das cenas de morte mais intensas dos últimos anos no cinema.

A bruxa merece ser visto em uma boa sala de cinema, com a plateia em silêncio. A ambiência é fundamental, com uma trilha sonora antimelódica e climática, que serve mais para criar sensações de arrepio e calafrios do que sustos ou induções de emoções por meio de ênfases. O terror está na ação, nas atuações, nas imagens, nas palavras e nos efeitos, mas sem recursos que induzam as reações do público à força.

A bruxa estaria para o terror assim como Sob a pele (de Jonathan Glazer, com Scarlett Johansson) está para a ficção científica. São filmes assumidamente estranhos, que recuperam a essência do mistério diante do sobrentaural ao explorarem os ícones do cinema fantástico de forma criativamente original para atingir efeitos mais intrigantes.

SATANISMO?

No filme, a bruxaria é associada ao Diabo pelos personagens cristãos, mas não há nada que comprove haver uma relação direta entre Satanás e os terríveis fenômenos retratados. Segundo Gilbraz Aragão, professor e pesquisador da Universidade Católica de Pernambuco, "essa associação foi criada pelas igrejas cristãs para prejudicar antigas religiões primitivas da Europa, cujas sacerdotisas passaram a ser perseguidas como bruxas". De acordo com ele, o bode preto, que é um dos personagens marcantes do longa-metragem, era um dos símbolos desses antigos cultos europeus celtas e nórdicos, mas o animal não tinha nada de demoníaco.

Em um contexto mais contemporâneo, o culto ao Demônio tem origem em posturas políticas e contraculturais. Autor do livro Rock me like the devil, o professor e pesquisador Jeder Janotti, da Universidade Federal de Pernambuco, estudou o fenômeno entre as bandas de metal e percebe duas motivações entre os músicos adoradores do Diabo: "Uma delas é a ressaca do movimento hippie e do flower power, que impulsionou o surgimento e a popularização da banda Black Sabbath. A outra, que vem dos países nórdicos, é uma resistência e um embate contra a hegemonia do cristianismo", exemplifica.

Segundo Janotti, entretanto, os integrantes e o público de algumas bandas, especificamente do subgênero black metal, partiram para um satanismo que aproxima-se de uma crença e até resgata as práticas das bruxas dos séculos passados. "É uma contrarreligião que assume traços religiosos a ponto de queimarem igrejas e cometerem assassinatos", compara.

Gilbraz reforça a constatação de Janotti ao mencionar o surgimento e o desenvolvimento de novos cultos satânicos nos Estados Unidos, a partir das década de 1960, baseados em livros escritos por líderes como Anton Szandor LaVey (1930-1997) e Michael Aquino (ainda em atividade).

Detalhe de um dos cartazes do filme A Bruxa
Detalhe de um dos cartazes do filme A Bruxa

PRDUTOR BRASILEIRO
O brasileiro Rodrigo Teixeira é um dos produtores do filme A bruxa. Por meio da produtora RT Features, ele tem conseguido investir em bons filmes tanto no Brasil quanto no exterior. Frances Ha, Alemão, Tim Maia, Quando eu era vivo, Mistress America, Indignation, Little men, Era el cielo, Abismo prateado e Heleno estão entre os títulos que lançou, a maioria com boa carreira em festivais e laguns com sucesso de bilheteria.





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