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Música Cem anos do samba: Ritmo ganha documentário com bambas pernambucanos Sambista Paulo Perdigão reúne bambas pernambucanos do gênero musical e dá início às gravações em abril

Por: Larissa Lins - Diario de Pernambuco

Publicado em: 01/03/2016 11:11 Atualizado em:

Paulo Perdigão quer dar voz aos bambas pernambucanos do ritmo. Foto: Paulo paiva/DP/DA Press
Paulo Perdigão quer dar voz aos bambas pernambucanos do ritmo. Foto: Paulo paiva/DP/DA Press

Aos 66 anos, Dona Selma do Samba se diz presenteada por dom divino: sem jamais ter posto os pés em terreiro, é capaz de criar versos inspirados no candomblé, entre os muitos que produz inspirada nos acordes do samba. Estima em 800 o número de canções autorais, compostas desde os 14 anos de idade. Carioca radicada no Recife, a sambista desconhece as notas musicais - “à exceção do sol maior”, emenda, rindo - e cantarola melodias para registrar suas inspirações. Ela será uma das protagonistas de documentário que começa a ser produzido em abril, ainda sem título, dedicado ao centenário do samba e à trajetória do ritmo em Pernambuco. Bambas do gênero musical em atuação no estado, como Dona Selma do Samba e o cantor Belo Xis, darão voz às memórias do samba pernambucano, misturadas às próprias recordações, em projeto do também sambista Paulo Perdigão, com lançamento previsto para a segunda metade deste ano.

Dona Selma do Samba tem mais de 800 composições acumuladas. Foto: Peu Ricardo/DP/DA Press
Dona Selma do Samba tem mais de 800 composições acumuladas. Foto: Peu Ricardo/DP/DA Press
Os cem anos da composição da música Pelo telefone (de Ernesto dos Santos, conhecido como Donga, e Mauro de Almeida) em 1916, considerada o primeiro registro fonográfico do samba no Brasil e gravada em 1917, serve de gancho para as filmagens - cujo planejamento foi inscrito, mas não contemplado, em editais de financiamento público. “No centenário do samba, precisamos resgatar o percurso do ritmo em Pernambuco. Sinto que, enquanto novos artistas prosperam e dão projeção às manifestações do gênero no estado, a velha guarda permanece no ostracismo. É preciso dar voz aos sambistas mais maduros, deixar que contem como o gênero se estabeleceu no Recife e como ele resiste até então”, explica Paulo Perdigão, que dedica 50 dos seus 72 anos ao ritmo.

Entre um gole e outro de café, Perdigão divaga sobre as preciosidades do samba melódico, seu preferido, e sobre ídolos como Elton Medeiros, João Nogueira e Paulinho da Viola. Ele quer dar vitrine a pernambucanos que, como esses expoentes, também somem décadas de composições e rodas de samba. Pontos de vista acerca da valorização do samba no estado, da receptividade do público e das características da produção pernambucana serão explorados nas entrevistas, que devem ter início em 23 de abril, quando o grupo Mesa de Samba Autoral promove festa em homenagem a São Jorge. A organização independente de sambistas, coordenada por Perdigão e oriunda do Movimento de Compositores de Pernambuco, fundado em 2004, se reúne periodicamente para cantar e debater.

Karynna Spinelli e Dona Selma do Samba dividem o palco promovendo intercâmbio de gerações. Foto: Facebook/Reprodução
Karynna Spinelli e Dona Selma do Samba dividem o palco promovendo intercâmbio de gerações. Foto: Facebook/Reprodução
“Meu sonho é cantar para o povo, os mais humildes. São eles que mais valorizam o samba”, declara Dona Selma, engajada há 12 anos no grupo e escalada como uma das protagonistas do futuro documentário. “Componho três músicas todos os dias. Quando tenho novidades, quero mostrá-las. E se não fosse a reunião de sambistas, eu não teria espaço para isso”, explica a compositora, que prefere escrever a se apresentar em shows. A despeito disso, sobe ao palco quando amigos lhe propõem: no domingo passado, se apresentou no Marco Zero com a sambista pernambucana da nova geração Karynna Spinelli, como convidada do projeto Clube do Samba. Tímida, guarda os sorrisos e a impostação de voz para ocasiões como essa. “Quando eu canto, sou outra pessoa, me transformo. Aliás, é quando sou eu mesma”, diz, justificando o empenho em homenagear o centenário do ritmo neste ano, quando as entradas no palco se multiplicam.

Os tributos são, nas palavras da sambista, gratidão. “Fui uma dona de casa que cantou samba numa sociedade machista, há décadas, quando o preconceito era ainda mais forte”, recorda. Hoje, fomentando diariamente o acervo de mais de 800 composições, Dona Selma endossa homenagem de Karynna Spinelli ao centenário do ritmo e recebe tributo em shows promovidos por Adriana B. O intercâmbio entre gerações é reforçado, ainda, por Gerlane Lops, Belo Xis, entre outros nomes locais, todos voltados, neste ano, a reverenciar as raízes dos próprios repertórios.

Confira o roteiro de shows do Divirta-se

ELAS PROMOVEM O...

Gerlane Lops pretende dar continuidade ao projeto Recife de Bambas. Foto: Maristela Martins/Divulgação
Gerlane Lops pretende dar continuidade ao projeto Recife de Bambas. Foto: Maristela Martins/Divulgação
GERLANE LOPS: Samba orquestrado

A pernambucana Gerlane Lops deu início, no carnaval, a série de apresentações intitulada Recife de Bambas, em homenagem ao centenário do samba. Acompanhada de orquestra com 15 instrumentistas, além de seis convidados especiais, ela resgatou vertentes do samba de raiz. O show foi registrado e dará origem a DVD - que não entrará no circuito comercial, mas terá tiragem distribuida como cortesia - cujas imagens estão sendo analisadas por Gerlane. “Assistindo à gravação, é possível entender o panorama do samba no estado, mapear os estilos de diferentes gerações”, diz a cantora, que concebeu e dirigiu o espetáculo. O retorno do projeto Recife de Bambas ao calendário de shows está em negociação.

Adriana B. homenageia, entre outros compositores, Dona Selma do Samba. Foto: Paulo Higor Nunes/Divulgação
Adriana B. homenageia, entre outros compositores, Dona Selma do Samba. Foto: Paulo Higor Nunes/Divulgação
ADRIANA B.: Samba tradicional

A cantora e compositora Adriana B. deu início aos tributos ao samba em dezembro passado. Ao longo deste ano, homenageia compositores do ritmo, como Noel Rosa e Lupicínio Rodrigues, além de Dona Selma do Samba. “Ela representa a tradição do samba e do choro em Pernambuco. Eu a considero a compositora de samba mais importante do estado, nossa estrela maior”, opina Adriana. Para a cantora, os compositores tradicionais simbolizam a assência do gênero musical. Ela estreou, no sábado passado, o show Derradeira, com participação de blocos líricos. “Fui convidada, ainda, para participar de evento nas Olimpíadas do Rio. Vou cantar samba pernambucano onde o samba nasceu, é um orgulho.”

Karynna Spinelli toca adiante o Clube do Samba, que ganha sede própria em 2016. Foto: Nilton Leal/Divulgação
Karynna Spinelli toca adiante o Clube do Samba, que ganha sede própria em 2016. Foto: Nilton Leal/Divulgação
KARYNNA SPINELLI: Samba popular

Há sete anos, Karynna Spinelli criou o projeto Clube do Samba, que nasceu no Morro da Conceição e ocorria há dois anos na Rua da Moeda, Centro do Recife, transferido em fevereiro para o Marco Zero. Nos shows, ela recebe convidados e apresenta músicas autorais. “Neste ano, em homenagem aos 100 anos do samba, lembraremos um compositor por mês. Em fevereiro, foi o carioca Nelson Cavaquinho”, explica Karynna, que defende o samba popular, levado às periferias e aos morros, onde o ritmo nasceu. Neste ano, o Clube ganha sede própria, em local ainda não definido, e a artista atua como produtora em circuito de homenagens ao centenário.

ENTREVISTA: Renato Phaelante, pesquisador fonográfico
"O samba era originado de expressão rítmica africana."

Há impasses em relação ao marco inicial do samba no Brasil. Podemos mesmo considerar a composição e gravação da música Pelo telefone como o nascimento do ritmo no país?

Essa foi a primeira informação oficial na história da discografia brasileira, registrada em 1917 como composição de Donga e Mauro de Almeida.

Como teria surgido a composição? Qual a sua história?
Sua letra era uma critica satírica e jocosa a um chefe de policia existente na época que proibia principalmente as manifestações musicais e folclóricas dos negros, o que acontecia de algumas formas pelo Brasil afora, nos grandes estados. "O chefe da polícia, pelo telefone mandou me avisar, que na Carioca tem uma roleta para se Jogar", dizia. É claro que não foi gravada dessa forma, ficando assim: "O chefe da polícia, pelo telefone, manda me avisar que com alegria não se questione para se brincar", agradando mesmo dessa forma. No entanto, perdendo o espírito da gozação esperada.

Para onde apontam as raízes do samba brasileiro?
Na realidade, numa comunidade de negros descendentes diretos de africanos, Pixinguinha, Senhor, Donda, China, entre  outros - alguns já conhecidos nas rodas de encontros de músicos, batuqueiros - frequentavam constantemente a casa de uma senhora chamada Tia Ciata, onde, provavelmente, surgiu a composição Pelo telefone, no quintal daquela residência, num ritmo chamado samba. Segundo o antigo pesquisador musical Renato de Almeida, embora nascido no Brasil, o samba era originado de uma expressão ritmica africana chamada Semba.

O samba, genuinamente carioca, adquiriu características próprias em Pernambuco? Quais?
As formas de expressões musicais, acho eu, principalmente as populares, fora dos seus lugares de origem, perdem um pouco a sua singularidade, onde quase nascem novamente. Tecnicamente, não há mudanças radicais. Mas, sim, na maneira e nas características, que se tornam próprias do “ser” pernambucano.




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