Comunicação Agora em livro, Spotlight se soma a outras obras para refletir sobre o jornalismo

Por: Fellipe Torres - Diario de Pernambuco

Publicado em: 06/03/2016 15:43 Atualizado em: 06/03/2016 16:31

Independência, perseverança e condições de trabalho alicerçaram o ofício jornalístico narrado no longa-metragem. Foto: Kerry Hayes/divulgação
Independência, perseverança e condições de trabalho alicerçaram o ofício jornalístico narrado no longa-metragem. Foto: Kerry Hayes/divulgação

Uma série de reportagens iniciada em janeiro de 2002, no jornal The Boston Globe, nos Estados Unidos, rapidamente tomou proporções globais e rendeu ao grupo o Prêmio Pulitzer, o mais disputado troféu do jornalismo norte-americano. Seria o auge do reconhecimento profissional, não fosse a força da história narrada, capaz de levar as descobertas a um patamar de popularidade raramente alcançado. Os bastidores da investigação sobre casos de abuso sexual de menores por membros da Igreja Católica inspiraram o filme Spotlight - Segredos revelados, indicado a seis prêmios no Oscar e vencedor nas categorias Melhor Filme e Roteiro Original. Com o sucesso, os pormenores do trabalho da equipe de repórteres são revelados também em livro homônimo, lançado no Brasil pela editora Vestígio.%u2028
 
%u2028Ironicamente, a exaltação do bom jornalismo surge em um momento delicado para a indústria de produção de notícias, especialmente no caso de veículos tradicionais, como é o do The Boston Globe. Prova disso é o apelo feito repetidamente pela repórter Sacha Pfeiffer - interpretada no filme por Rachel McAdams - em favor da valorização dos jornais. Em várias entrevistas, ela tem frisado a importância de o leitor oferecer suporte por meio da assinatura, seja ela digital ou física. A sobrevivência desses veículos e a coexistência com outras fontes de informação é discussão recorrente também em outras obras recém-lançadas.
 
Sociólogo espanhol Manuel Castells. Foto: www.teinteresa.es/reprodução da internet
Sociólogo espanhol Manuel Castells. Foto: www.teinteresa.es/reprodução da internet
 
 
%u2028%u2028Em O poder da comunicação (Paz & Terra), o sociólogo espanhol Manuel Castells não só reconhece a inexistência de um modelo econômico viável para o jornalismo online, como aponta uma reorganização dos veículos tradicionais, “globalmente conectados às redes de informação pela internet”. Para o pesquisador, o poder comunicativo e informacional da web está sendo distribuído para todas as esferas da vida social, assim como a rede elétrica e o motor elétrico distribuíram energia na sociedade industrial. “À medida que as pessoas se apropriaram de novas formas de comunicação, elas construíram seus próprios sistemas de comunicação de massa, por SMS, blogs, vlogs, podcasts, wikis e afins”. %u2028%u2028
 
Castells sublinha, ainda, a importância de mecanismos de jornalismo investigativo independente, como o WikiLeaks. Na avaliação do teórico, o fato de o site manter anônimas as fontes responsáveis pelos “vazamentos” de informação não é algo novo. “A diferença é que agora governos e corporações estão sendo espiados por uma legião de delatores de dentro de suas próprias burocracias, em vez de serem governos espiando uns aos outros ou a cidadãos e organizações de modo geral”. Ele frisa o fato de a página manter uma equipe editorial responsável por checar todo o material recebido, escrever a respeito e até preservar detalhes capazes de colocar pessoas em perigo.“O WikiLeaks passou a representar tanto um símbolo quanto uma ferramenta do movimento mundial em defesa da informação livre e da internet como plataforma indispensável para continuar essa defesa”.%u2028%u2028
 
Filósofo suiço Alain de Botton. Foto: www.smh.com.au/reprodução da internet
Filósofo suiço Alain de Botton. Foto: www.smh.com.au/reprodução da internet

A despeito do avanço de outras formas de se fazer jornalismo, o filósofo suíço Alain de Botton considera indispensável refletir sobre a relação entre a mídia tradicional e o cidadão comum. Em Notícias - Manual do usuário (Intrínseca), ele relembra o aforismo de Hegel: “As sociedades se modernizam quando o noticiário passa a ocupar o lugar da religião como principal fonte de orientação e como referência de autoridade”. Para Botton, de fato o espectador espera, ao consumir informações por meio da mídia, “ter revelações, aprender o que é certo e o que é errado, conferir sentido ao sofrimento e entender como funciona a lógica da vida”.%u2028%u2028
 
O autor se refere ao noticiário como “o mais influente meio de educar as populações” e considera ele bem à frente das escolas no papel de “dar o tom da vida pública e moldar as impressões que temos da comunidade para além dos limites de nossa casa”. Nesse espaço, formam-se as realidades políticas e sociais. Da parte dos espectadores, no entanto, há uma espécie de prazer em estar sob o domínio da enxurrada de informações sobre os mais diversos assuntos. Na interpretação do filósofo, o noticiário pode representar “um alívio do peso claustrofóbico de vivermos em nossa própria companhia, de a todo momento tentarmos fazer justiça ao potencial que temos, de lutarmos para convencer umas poucas pessoas em nossa limitada órbita de conhecidos a levar a sério as ideias e necessidades que transmitimos”.
 
Para aprofundar as reflexões, ele analisa notícias reais, divididas nas áreas de política, internacional, celebridades, desastres e consumo, além de imaginar como seria um noticiário ideal (leia mais no boxe), capaz de atender a necessidades profundas dos espectadores e torná-los pessoas melhores. “Talvez a sociedade precise de ajuda para lidar com o que o noticiário vem causando a todos nós: inveja e terror, alegria e frustração. Tudo aquilo que nos tem sido dito e que, no entanto, desconfiamos que às vezes seria melhor nunca ter sabido”. %u2028
 
Nos sonhos...
Crítico do modelo nos meios de comunicação de massa, o filósofo Alain de Botton imaginou um noticiário ideal, de acordo com cada editoria:

Noticiário político - Deveria provocar interesse pela mecânica complexa das sociedades, ajudar a nos mobilizar de maneira inteligente por uma reforma e aceitar limitações sem gerar fúria. Criar uma nação harmoniosa e tolerante na imaginação do público, tornando possíveis os momentos de orgulho e a empatia coletiva. Acompanhar não só as atividades de quem está no poder, mas os males sistêmicos que impedem o progresso da comunidade.%u2028%u2028

Noticiário internacional - %u2028Deve abrir nossos olhos à natureza da vida de outros países, acima e além dos momentos de crise dramáticas e sanguinolentas, que paradoxalmente bloqueiam nossa capacidade de sentir empatia e de nos identificarmos. Precisa nos fornecer retratos ricos, sensoriais e, eventualmente, pessoais de outras nações. Deveria nos ajudar a humanizar o outro, fazendo-nos a abandonar nosso provincianismo globalizado.%u2028

Noticiário econômico - Deve investigar, de acordo os preceitos do filósofo suíço, no livro Notícias: Manual do Usuário, as inúmeras abordagens teóricas inteligentes e viáveis que podem concretizar versões mais sadias e satisfatórias do capitalismo de mercado, permitindo-nos descartar tanto o cinismo desnecessário presente em várias notícias quanto a indignação imatura. %u2028%u2028

Noticiário de desastres - As tragédias dos outros deveriam nos lembrar de que muitas vezes também estamos muito perto de nos comportar de forma amoral, tacanha ou violenta. Os acidentes que todos os dias ceifam nossos semelhantes deveriam servir para nos demonstrar quanto sempre estamos expostos ao risco da morte súbita e de ferimentos. Assim, ficaria claro que devemos comemorar cada hora livre da dor com gratidão e generosidade.%u2028

Noticiário de celebridades - Deveríamos ser apresentados às pessoas mais admiráveis da época - via critérios maduros e sutis - e orientados sobre como obter delas inspiração e conselhos.%u2028
 
Noticiário de consumo
Deveria nos alertar para o fato de que, na sociedade agressivamente comercial, é muito complicado gerar uma felicidade genuína ao gastar dinheiro.



MAIS NOTÍCIAS DO CANAL