Especial A nossa primeira independência Há 199 anos, em 6 de março de 1817, pernambucanos formaram o primeiro governo livre brasileiro

Por: Diario de Pernambuco

Publicado em: 06/03/2016 18:44 Atualizado em: 06/03/2016 19:45

O Diario de Pernambuco resgata, ao longo das próximas 52 semanas, a história da Revolução de 1817. Arte: Greg/ DP
O Diario de Pernambuco resgata, ao longo das próximas 52 semanas, a história da Revolução de 1817. Arte: Greg/ DP

O Diario de Pernambuco inicia hoje uma contagem regressiva que já é histórica. Neste 6 de março se celebram os 199 anos da Revolução de 1817, o movimento democrático e republicano que nos legou a bandeira azul e branca e a Data Magna estadual. Preparando a comemoração do bicentenário deste evento tão significativo, o jornal vai resgatar, ao longo das próximas 52 semanas, a história de quem é hoje nome de rua, como Gervásio Pires, Padre Roma e Cruz Cabugá. Aproveitando a data, lançamos também o projeto Pernambuco, História & Personagens, que visa popularizar para as novas gerações a saga de protagonistas de 23 eventos significativos no estado e no país, do período da Nova Lusitânia até os dias atuais.Ao longo dos 199 anos passados após a revolução que durou apenas 74 dias, o Diario circulou em 191 deles. Pela sua própria história de quase dois séculos, o jornal assume o compromisso de resgatar o que Pernambuco tem de mais rico, através dos exemplos morais e éticos dados pelos seus inúmeros heróis. Apesar de bem esmiuçados por grandes estudiosos, os feitos dos nossos personagens carecem de maior divulgação além da academia. Para esta tarefa, contaremos com a ajuda de um editor convidado, o jornalista Paulo Santos.


 (Nando Chiappetta/DP)

Quando chegou ao quartel do Regimento de Artilharia, no bairro de Santo Antônio, por volta das 13h de 6 de março de 1817, o brigadeiro português Manoel Barbosa não poderia imaginar que logo estaria morto. E, menos ainda, que o seu passamento daria início a um movimento político capaz de influenciar os rumos das histórias de Portugal e do Brasil.

Pela manhã, Barbosa recebera do governador Caetano Pinto Montenegro a incumbência de prender alguns oficiais brasileiros da Artilharia, sob seu comando, acusados de conspirar pela independência do país. Já o brigadeiro Moscoso, comandante do Regimento de Infantaria, sediado em Olinda, deteria os seus subversivos, enquanto o marechal José Roberto Pereira faria os mesmo com os líderes civis da pretensa intentona. Os outros dois cumpriram as suas tarefas sem dificuldades. Só Barbosa deu azar. Em grande parte, por culpa dele mesmo.

O fato é que o brigadeiro se achava muito valente. Moscoso, por exemplo, mandou seus oficiais se apresentarem no Forte do Brum, sem lhes dizer o motivo. E, lá chegando, eles foram detidos. Barbosa, não. Ele quis prender os acusados na frente da tropa, para mostrar quem era o galo que cantava naquele terreiro. Aí, lascou-se. O capitão José de Barros Lima, apelidado de “Leão Coroado”, por ser muito valente e careca no topo da cabeça, porém com longos cabelos nos lados, parecendo uma juba, não acatou a ordem de prisão. Em vez disso, sacou espada e varou, de um lado para o outro, a barriga de Barbosa. E a revolução, planejada secretamente pelos maçons para rebentar daí a um mês, na Semana Santa, simultaneamente em Pernambuco, no Rio de Janeiro e na Bahia, nasceu de forma prematura no Recife.

Do quartel da Artilharia, o movimento ganhou as ruas de Santo Antônio, habitado pelos recifenses pobres e remediados (os ricos preferiam a Boa Vista). E invadiu o antigo bairro do Recife, onde ficava o porto e vivia a grande colônia portuguesa.

No dia seguinte, o governador, que se asilara no Forte do Brum, capitulou. E os pernambucanos, reunidos no velho prédio do Erário, que fica onde é hoje o Palácio do Campo das Princesas, formaram o primeiro governo do povo brasileiro livre.

Democracia dos maracatus
Do novo governo, que era colegiado e provisório -- funcionaria até que houvesse eleições livres, também pela primeira vez, no país --, fazia parte o comerciante Domingos Martins, o padre João Ribeiro, o senhor de engenho Manoel Correia de Araújo, o advogado José Luiz Mendonça e o capitão Domingos Teotônio Jorge. Já o trabalho administrativo ficou a cargo de três religiosos: Padre Miguelinho, Frei Caneca e Vigário Tenório.

Então, o povo começou a festejar. Os maracatus, ou “batuques de negros”, que estavam proibidos, foram liberados. E motivos para comemoração não faltaram, nos dias seguintes. O governo revolucionário foi logo extinguindo as distinções sociais. Todos passaram a se tratar de “vós” e “patriota”, equivalentes, hoje, a “você” e “companheiro”.  Também comprou alimentos em grosso para revender, assim evitando a especulação dos comerciantes portugueses, que monopolizavam o comércio; reduziu impostos; e criou a primeira polícia nacional, que garantiu, de fato, a segurança pública, por algum tempo.

O casamento do governador Domingos José Martins com a jovem Maria Teodora, cujo namoro era proibido há quatro anos, porque ele era brasileiro e ela filha de um português muito rico, foi uma tremenda festança. E a bênção da bandeira -- azul e branca, com um sol, um arco-íris e três estrelas, representando, além de Pernambuco, a Paraíba e o Rio Grande do Norte, que também haviam se rebelado -- foi outra. Mas toda essa alegria durou pouco.

Já no dia 11 de abril uma esquadrilha portuguesa bloqueou o Porto do Recife, e a fome começou a acirrar os ânimos contrários, pois em Pernambuco só se plantava cana e algodão.

Um sonho que durou setenta e quatro dias
No dia 1º de maio um exército inimigo, vindo da Bahia, cruzou o São Francisco. E com apoio nos senhores de engenho das Alagoas e da Mata Sul, que temiam a libertação dos seus escravos, derrotou as tropas republicanas, mal armadas e sem preparo. No dia 19 de maio, a revolução acabou, e Pernambuco foi ocupado e tratado como um país inimigo.

Dezenas de republicanos foram executados, tendo as suas cabeças e mãos cortadas e expostas em praça pública. Centenas foram despachados para a prisão, na Bahia, onde muitos morreram, devido aos maus tratos, e a comarca das Alagoas foi declarada independente, como prêmio por ter ficado ao lado do Rei.

Apesar disso, a Revolução de 1817 teve grande repercussão, na época, e inspirou os maçons portugueses que promoveram a Revolta do Porto, em 1820; a qual, por sua vez, provocou a independência do Brasil, em 1822. E seus remanescentes -- entre eles Gervásio Pires, Frei Caneca e Manoel de Carvalho -- seriam protagonistas das novas rebeliões pernambucanas de 1821 e 1824. Alguns deles, de 1848.    
Até a memória da Revolução foi perseguida. Por ser independentista, o governo português fez o que pôde para ocultá-la, até 1822. Por ser republicana, continuou no ostracismo durante o Império. Apenas durante a República Velha ela foi reconhecida.

O dia 6 de março foi considerado feriado nacional no seu centenário, em 1917, e sua bandeira tornou-se, então, o símbolo de Pernambuco.

Mas aí vieram o Estado Novo, depois o golpe militar de 1964, e, por ser radicalmente democrática, ela foi empurrada, novamente, para baixo do tapete.

Que as comemorações do bicentenário possam tirá-la de lá.

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