Nos anos 1980 e 1990, o Recife não tinha inferninhos e festas diárias para a cena alternativa como ocorre atualmente. Não havia MTV, com a proposta de disseminar as novidades do mercado musical internacional e garimpar a produção local. Não eram numerosas as lojas de discos com extenso e atualizado acervo, tampouco havia a possibilidade de baixar faixas - legalmente ou não - na internet, popularizada apenas a partir da segunda metade da década de 1990. Existia, entretanto, a ânsia por novidades sonoras e o desejo de preencher as lacunas.
Nascido Franciso de Assis França, ele tinha apenas 19 anos quando montou a primeira banda, Orla Orbe, com quem fez a única – e amadora – gravação de A cidade. Frequentador das rodas de break e fã contumaz do Public Enemy, ele, ainda sob a alcunha de Chico Vulgo, era um dos muitos garotos atraídos pelo interesse magnético por música.
Muitos lançamentos musicais chegavam ao Recife com anos de atraso. Outros sequer eram importados, assim como a produção local, incipiente, mal atingia o público da capital. "A gente tinha perdido a referência de ter alguma coisa do Recife projetada nacionalmente. Desde a geração de 1970, com Alceu Valença, Geraldo Azevedo e Lula Côrtes", recorda Paulo André, empresário de Chico desde 1993.
Enquanto o axé ascendia rumo ao topo das paradas de sucesso nas rádios e conquistava a maioria do público - o Recifolia desfilou pela primeira vez em 1993, ano da estreia do Abril Pro Rock -, a escassez de espaços para as apresentações das próprias bandas impulsionaram o surgimento de endereços inusitados para a geração da época.
"Quando juntamos com o conceito de mangue, era mais para melhorar a cidade, agitar a cena. Os cinemas estavam fechando, a cidade parada. Nós queríamos pleitear mais diversão. Falávamos muito disso, melhorar o ambiente em que vivíamos", analisa o percussionista Gilmar Bolla8, parceiro de Chico na Loustal e Nação Zumbi.
Além do lendário bar Soparia, verdadeiro quartel-general da época, os mangueboys e manguegirls ocuparam boates gays, como a Misty (onde funciona hoje a Metrópole), puteiros e até realizaram baladas em um barco abandonado após incêndio. Sem opções de contrato, a turma, no melhor estilo punk de "do it yourself" (faça você mesmo) e em clima de cooperativa, produzia as próprias festas e impulsionava o surgimento de um pequeno circuito de endereços culturais para receber os shows das bandas.
Não à toa, o Manifesto Mangue, lançado em 1992 e assinado por Fred ZeroQuatro, da Mundo Livre S/A, era na verdade o release (texto enviado para a imprensa) da festa Viagem ao Centro do Mangue. "Eu fui contratado para roteirizar um documentário sobre manguezais. O parágrafo de abertura da narração é o mesmo do manifesto. Além disso, na época, a MTV estava aqui no Recife para fazer reportagens de comportamento", frisa Fred. Era o pontapé para aquele grupo de jovens apaixonados por música gerar o principal movimento musical dos anos 1990 em Pernambuco.
Os lugares
No fim dos anos 1980, o Adília’s Place (foto), depois rebatizado Francis Drinks, recebeu a primeira festa em puteiro: Sexta Sem Sexo. Eles pagavam para alugar as casas, como Athenas, e o bar ficava por conta da administração. O cenário e a música "maluca" eram os principais atrativos.
Parada obrigatória
A Soparia, bar do agitador cultural Roger de Renor, estava quase sempre aberta. No Pina, era o ponto de encontro da cena local, com shows - a Nação Zumbi tocou uma única vez lá - , desfiles de moda e outros eventos. Ao redor, surgiram bares como Borracharia e Oficina Mecânica.
Sede dos ensaios do bloco de samba-reggae Lamento Negro, a ONG promove aulas de capoeira, frevo e percussão na comunidade de Chão de Estrelas. Criado pelo mestre Meia-Noite, o espaço é citado na canção O cidadão do mundo, no álbum Afrociberdelia.
Mercado Pop
Criado em 1995, era inspirado nos mercados públicos de Paris, segundo o idealizador, Evêncio Vasconcelos. O galpão onde foi erguido o Paço Alfândega, o festival Abril Pro Rock, a Torre Malakoff (onde Chico discotecou) e os armazéns 12 e 13 receberam o projeto.
Palco de shows da Orla Orbe, tinha parca estrutura. "Oásis foi bem importante, era do Kurt, um alemão gente fina. Foi lá que aconteceu o debut de Chico à frente do Lamento Negro", recorda o DJ Dolores. Nasi, do Ira!, fez canja em apresentação da Loustal.
Arte Viva
Academia de dança, foi um dos lugares travestidos em centros culturais diante dos poucos points. Mundo Livre, Vã Filosofia, Santa Boêmia, e MDR (transformada em Paulo Francis Vai Pro Céu) tocaram lá. Pokoloko e Mauritztaad, no Antigo, eram palcos alternativos.
O circuito de bares da Zona Norte era destino certo. O Cantinho das Graças, o preferido, tinha radiola de ficha. "Era muito maluco, com coelho, galinha. O cara botou mesa, quebrou as paredes, até que virou um galpão", conta o fotógrafo Fred Jordão.
Joana D’Arc
Com bares, como o Satchmo, recebia eventos. "Fizemos uma festa de Natal dos fundos da galeria, em 1992. Foi um divisor de águas, porque todas as pessoas descoladas estavam lá. Rapidamente a coisa se espalhou nos anos seguintes", conta Renato L.
Duas lojas eram reduto para os lançamentos. A Discossauro ficava próxima ao Parque 13 de Maio, com discos de vários estilos. O produtor Paulo André fundou a Rock Xpress, especializada em heavy metal. Na foto, tarde de autógrafos da banda Morbid Angel.
Centro Luiz Freire
Fundado em 1972, em Olinda, o Centro de Cultura Luiz Freire, assim como o Clube Atlântico, recebeu shows da cena mangue e várias festas. Um dia antes de morrer, Chico Science reencontrou vários amigos no Centro, durante a prévia do bloco Enquanto Isso na Sala da Justiça.
Leia a notícia no Diario de Pernambuco