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Música A Era Chico Science colocou em ebulição festas e inferninhos do Recife Na segunda reportagem da série em homenagem aos 50 anos de Francisco de Assis França, os lugares frequentados pelos mangueboys na capital pernambucana dos anos 1980 e 1990

Por: Larissa Lins - Diario de Pernambuco

Por: Luiza Maia - Diario de Pernambuco

Publicado em: 14/03/2016 19:42 Atualizado em: 14/03/2016 19:37

Principais bandas da cena mangue, Nação Zumbi e Mundo Livre S/A deram início à escalada nacional do movimento. Foto: Gil Vicente/DP
Principais bandas da cena mangue, Nação Zumbi e Mundo Livre S/A deram início à escalada nacional do movimento. Foto: Gil Vicente/DP

Nos anos 1980 e 1990, o Recife não tinha inferninhos e festas diárias para a cena alternativa como ocorre atualmente. Não havia MTV, com a proposta de disseminar as novidades do mercado musical internacional e garimpar a produção local. Não eram numerosas as lojas de discos com extenso e atualizado acervo, tampouco havia a possibilidade de baixar faixas - legalmente ou não - na internet, popularizada apenas a partir da segunda metade da década de 1990. Existia, entretanto, a ânsia por novidades sonoras e o desejo de preencher as lacunas.

Relembre a trajetória de Chico Science na primeira reportagem da série em homenagem aos 50 anos do mangueboy

Nascido Franciso de Assis França, ele tinha apenas 19 anos quando montou a primeira banda, Orla Orbe, com quem fez a única – e amadora – gravação de A cidade. Frequentador das rodas de break e fã contumaz do Public Enemy, ele, ainda sob a alcunha de Chico Vulgo, era um dos muitos garotos atraídos pelo interesse magnético por música.

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Muitos lançamentos musicais chegavam ao Recife com anos de atraso. Outros sequer eram importados, assim como a produção local, incipiente, mal atingia o público da capital. "A gente tinha perdido a referência de ter alguma coisa do Recife projetada nacionalmente. Desde a geração de 1970, com Alceu Valença, Geraldo Azevedo e Lula Côrtes", recorda Paulo André, empresário de Chico desde 1993.

Parada obrigatória, a Soparia, de Roger de Renor, ficava no Pina. Foto: Petrônio Lins/DP
Parada obrigatória, a Soparia, de Roger de Renor, ficava no Pina. Foto: Petrônio Lins/DP
As reuniões de amigos incluíam audições dos álbuns e compartilhamentos de informações. Os empréstimos e as fitas cassete eram a mídia utilizada para "piratear" álbuns trazidos por amigos com chance de realizar compras no exterior ou em São Paulo. "Eu acho que a nossa turma sempre foi antenada, desde as gravações, revistas, jornais importados, cadernos de cultura, discos, cassetes que amigos enviavam. E, claro, trocando figurinhas", recorda o "ministro da informação do mangue", Renato L.

Enquanto o axé ascendia rumo ao topo das paradas de sucesso nas rádios e conquistava a maioria do público - o Recifolia desfilou pela primeira vez em 1993, ano da estreia do Abril Pro Rock -, a escassez de espaços para as apresentações das próprias bandas impulsionaram o surgimento de endereços inusitados para a geração da época.

"Quando juntamos com o conceito de mangue, era mais para melhorar a cidade, agitar a cena. Os cinemas estavam fechando, a cidade parada. Nós queríamos pleitear mais diversão. Falávamos muito disso, melhorar o ambiente em que vivíamos", analisa o percussionista Gilmar Bolla8, parceiro de Chico na Loustal e Nação Zumbi.

Além do lendário bar Soparia, verdadeiro quartel-general da época, os mangueboys e manguegirls ocuparam boates gays, como a Misty (onde funciona hoje a Metrópole), puteiros e até realizaram baladas em um barco abandonado após incêndio. Sem opções de contrato, a turma, no melhor estilo punk de "do it yourself" (faça você mesmo) e em clima de cooperativa, produzia as próprias festas e impulsionava o surgimento de um pequeno circuito de endereços culturais para receber os shows das bandas.

Não à toa, o Manifesto Mangue, lançado em 1992 e assinado por Fred ZeroQuatro, da Mundo Livre S/A, era na verdade o release (texto enviado para a imprensa) da festa Viagem ao Centro do Mangue. "Eu fui contratado para roteirizar um documentário sobre manguezais. O parágrafo de abertura da narração é o mesmo do manifesto. Além disso, na época, a MTV estava aqui no Recife para fazer reportagens de comportamento", frisa Fred. Era o pontapé para aquele grupo de jovens apaixonados por música gerar o principal movimento musical dos anos 1990 em Pernambuco.

Os lugares

 (Foto: Fred Jordão/Divulgação)
Os puteiros
No fim dos anos 1980, o Adília’s Place (foto), depois rebatizado Francis Drinks, recebeu a primeira festa em puteiro: Sexta Sem Sexo. Eles pagavam para alugar as casas, como Athenas, e o bar ficava por conta da administração. O cenário e a música "maluca" eram os principais atrativos.

Parada obrigatória
A Soparia, bar do agitador cultural Roger de Renor, estava quase sempre aberta. No Pina, era o ponto de encontro da cena local, com shows - a Nação Zumbi tocou uma única vez lá - , desfiles de moda e outros eventos. Ao redor, surgiram bares como Borracharia e Oficina Mecânica.

 (Foto: Acervo pessoal)
Daruê Malungo
Sede dos ensaios do bloco de samba-reggae Lamento Negro, a ONG promove aulas de capoeira, frevo e percussão na comunidade de Chão de Estrelas. Criado pelo mestre Meia-Noite, o espaço é citado na canção O cidadão do mundo, no álbum Afrociberdelia.

Mercado Pop
Criado em 1995, era inspirado nos mercados públicos de Paris, segundo o idealizador, Evêncio Vasconcelos. O galpão onde foi erguido o Paço Alfândega, o festival Abril Pro Rock, a Torre Malakoff (onde Chico discotecou) e os armazéns 12 e 13 receberam o projeto.

 (Foto: Acervo pessoal)
Oásis
Palco de shows da Orla Orbe, tinha parca estrutura. "Oásis foi bem importante, era do Kurt, um alemão gente fina. Foi lá que aconteceu o debut de Chico à frente do Lamento Negro", recorda o DJ Dolores. Nasi, do Ira!, fez canja em apresentação da Loustal.

Arte Viva
Academia de dança, foi um dos lugares travestidos em centros culturais diante dos poucos points. Mundo Livre, Vã Filosofia, Santa Boêmia, e MDR (transformada em Paulo Francis Vai Pro Céu) tocaram lá. Pokoloko e Mauritztaad, no Antigo, eram palcos alternativos.

 (Foto: Acervo pessoal)
Mesa de bar
O circuito de bares da Zona Norte era destino certo. O Cantinho das Graças, o preferido, tinha radiola de ficha. "Era muito maluco, com coelho, galinha. O cara botou mesa, quebrou as paredes, até que virou um galpão", conta o fotógrafo Fred Jordão.

Joana D’Arc
Com bares, como o Satchmo, recebia eventos. "Fizemos uma festa de Natal dos fundos da galeria, em 1992. Foi um divisor de águas, porque todas as pessoas descoladas estavam lá. Rapidamente a coisa se espalhou nos anos seguintes", conta Renato L.

 (Foto: Acervo pessoal)
Lojas de discos
Duas lojas eram reduto para os lançamentos. A Discossauro ficava próxima ao Parque 13 de Maio, com discos de vários estilos. O produtor Paulo André fundou a Rock Xpress, especializada em heavy metal. Na foto, tarde de autógrafos da banda Morbid Angel.

Centro Luiz Freire
Fundado em 1972, em Olinda, o Centro de Cultura Luiz Freire, assim como o Clube Atlântico, recebeu shows da cena mangue e várias festas. Um dia antes de morrer, Chico Science reencontrou vários amigos no Centro, durante a prévia do bloco Enquanto Isso na Sala da Justiça.

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