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Fusão entre humor e noticiário comum atravessa séculos e é alvo de pesquisas

Publicado: 29/02/2016 às 19:39

Críticas sociais, ironia e sarcasmo são pontos em comum entre jornal O Carapuceiro e site Sensacionalista. Imagem: Arquivo DP e Belas Letras/

Críticas sociais, ironia e sarcasmo são pontos em comum entre jornal O Carapuceiro e site Sensacionalista. Imagem: Arquivo DP e Belas Letras/

No próximo Dia da Mentira, 1º de abril, falsas notícias ganham formato de livro após terem sido veiculadas no Sensacionalista, o site mais popular entre os adeptos de tal prática. Ao pegar emprestada a linguagem jornalística, essas páginas “mentirosas” não só fazem rir como destilam críticas sociais, políticas, econômicas. Embora não possam ser levadas a sério enquanto veículos de comunicação, as manifestações virtuais se inserem em uma tradição bastante antiga de mesclar humor e notícia.%u2028%u2028 A prática remonta a jornais publicados em Pernambuco no século 19, como O Carapuceiro, A América Illustrada, O Zoilo e O Diabo a Quatro, cujos textos repletos de jocosidade e sarcasmo denunciavam mazelas do Recife e faziam cobranças. Há dois anos dedicada a pesquisar o humor em periódicos do passado, a escritora e professora Luzilá Gonçalves, colunista do Viver, prepara livro sobre o assunto, com lançamento previsto para 2017.
 
O impulso para a vice-presidente da APL estudar o tema partiu das muitas transformações pelas quais a capital pernambucana passou no século 19. “Nesse período, o Recife foi a cidade que mais cresceu, com a criação de seminário, faculdade, além das revoluções ocorridas aqui. Essa cidade efervescente é captada pela imprensa, também interessada em ver o país progredir”, comenta a escritora. Para ela, há uma “porosidade entre as classes sociais” quando as mulheres passam a se utilizar das ruas como um espaço de convivência.
 
“A cidade se inventa, e os cômicos vão tomar conta dos desmantelos da cidade, como as ruas alagadas, a presença femina no espaço público, os escravos vendendo coisas nas ruas. O humor ajuda a pensar a cidade de uma maneira não trágica, apesar de tudo”. Para a pesquisadora Adriene Santanna, cujo mestrado foi dedicado a analisar o periódico recifense O Carapuceiro, no Brasil daquela época os jornais contribuíram ativamente para o debate político e social, pois representavam anseios de grupos e de sujeitos capazes de direcionar a construção da nação. “
 
O Carapuceiro foi um deles, pois acirrou o debate e apimentou as discussões sobre a política nacional e regional, a moral e os costumes. Com tom satírico e perspicaz, seu redator, o padre Lopes Gama, buscou estabelecer um modelo de homem capaz de promover o progresso social, econômico e político do Brasil e, ainda sim, manter-se adepto aos princípios das sagradas escrituras”, revela a educadora da Universidade Federal de Ouro Preto.
 
A publicação mantinha constante diálogo com os outros jornais da época e não poupava ninguém na hora de distribuir críticas e “carapuças”. Por isso, destaca Santanna, o jornal possibilitou reflexões sobre hábitos, ações cotidianas e participações sociais. “Ainda hoje, é possível olhar para O Carapuceiro e encontrar questões históricas que precisam ser resolvidas ou, no mínimo, debatidas”, avalia a pesquisadora.
 
Outro período de grande representatividade no encontro entre o humor crítico e o fazer jornalístico ocorreu nas décadas de 1930 e 1940, quando clubes carnavalescos pernambucanos editavam as próprias publicações, como Os Lenhadores, A Vassoura, A Pá e O Leão. “Elas tanto falavam de carnaval quanto faziam críticas sociais a respeito do Recife, dos governantes (muitas vezes sem citar nomes, mas dando a entender de quem se tratava). Muitos pseudônimos engraçados são utilizados para falar do comportamento e dos costumes daquele tempo”, frisa Talita Rampazzo, doutora em comunicação e pesquisadora dos periódicos carnavalescos. Mais recentemente, a partir das décadas de 1960 e 1970, começaram a surgir jornais com apelo popular - principalmente nas manchetes - como é o caso do A Última Hora.
 
“Isso teve influência em muitos jornais de hoje, que usam trocadilhos interessantes nas manchetes para chamar a atenção do leitor. Acho interessante quando o jornalismo tem a possibilidade de trabalhar com uma linguagem humorística para suavizar alguns conteúdos mais áridos. Só é preciso cuidado com os limites, quando você desce para o apelo sexual, o escatológico. Provocar o riso pelo grotesco é algo complicado”, finaliza Rampazzo, também coordenadora do curso de jornalismo na Faculdade Boa Viagem.
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