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Memória Documentário sobre trajetória do pernambucano Joaquim Cardozo está em fase de produção

Por: Fellipe Torres - Diario de Pernambuco

Publicado em: 22/02/2016 20:20 Atualizado em: 23/02/2016 10:34

Poeta e engenheiro Joaquim Carodozo. Imagem: Arte/DP
Poeta e engenheiro Joaquim Carodozo. Imagem: Arte/DP

A multifacetada trajetória do poeta, contista, engenheiro Joaquim Cardozo vai ser contada em documentário em 2017, quando são lembrados os 120 anos de nascimento do intelectual pernambucano. O longa dirigido pelo cineasta carioca Joel Pizzini teve uma das etapas cruciais executada nos últimos dias, quando ele esteve no Recife para gravar depoimentos com figuras pertencentes ao universo do escritor, além de formalizar a autorização com descendentes do homenageado. A passagem pela cidade, bancada com recursos próprios, sobrepõe os processos de pesquisa, criação do roteiro e filmagem, na tentativa de acelerar a produção do filme. A obra tmbém terá cenas em Brasília e no Rio de Janeiro, para contemplar aspectos e momentos da obra de Cardozo. Um será a participação como engenheiro nos cálculos de construção dos importantes em Brasília.

“Tenho vasto material de arquivo, fruto de pesquisa  em arquivos. Mapeei tudo o que existe sobre ele”, diz Pizzini. O filme vai partir do poema O último trem subindo ao céu para explorar as realizações do poeta. “O poema tem signos ligados ao movimento - a infância do cinema começou no trem. É um texto bem sugestivo, que cria pontes de contato entre as três cidades”. Haverá trechos dramatizados, com participação de atores como Aramis Trindade.

Entre os depoimentos já colhidos, estão os de Carlos Magalhães (“Em Brasília, um dos remanescentes da equipe de Oscar Niemeyer”) e de amiga de  Cardozo, antiga proprietária da livraria Leonardo da Vinci, frequentada pelo poeta. No Recife, o artista multimídia Paulo Bruscky e o escritor Everardo Norões, pesquisadores da obra do recifense. 

“Joaquim Cardozo foi uma pessoa que, em pleno século 20, demonstrou conhecimento vasto em diversas áreas do saber humano. Foi matemático, responsável por colocar de pé as esculturas de Niemeyer. Falava várias línguas, tinha um teatro imbuído do mais moderno da época. Como escritor, era extremamente original”, diz Everardo Norões. Para ele, o poema O último trem subindo ao céu é meditação sobre a morte (como não pode ser explicada, faz poema com visão esotérica).

Sobre um possível desconhecimento da obra de Cardozo pelo público leitor, Norões atribui à existência de um tipo de “poesia pensante, filosófica, que não se limita ao jogo de palavras e a acrobacias verbais”, caso do poeta. “No fundo, ele era filósofo, fazia poesia filosófica. Não era para as massas, como Manuel Bandeira e Carlos Pena Filho”.

Para Paulo Bruscky, Cardozo é, sim, esquecido, principalmente no Recife. “As pessoas o veem como o calculista de Brasília, mas ninguém conhece a obra poética. Eu mesmo descobri um poema inédito, publicado aos 17 anos, em jornal de Tejipió. Venho estudando a vida dele, poemas visuais e concretos, a ligação com a história da poesia de vanguarda no Brasil. Ele escreveu texto sobre a história das calçadas que é genial. Joaquim se antecipa, é dos maiores gênios daqui”. Bruscky frisa que, por ser grande calculista, supostamente Cardozo deveria ser um cara frio, mas é “um dos mais sensíveis do mundo” com sua poesia. “Acho genial a ideia do documentário. Fico contente, acho louvável e, por isso, abro as portas de tudo o que tenho sobre ele”.

Exatas x humanas
Dois conhecidos aforismos de Joaquim Cardozo tratam justamente da convivência harmônica entre a formação de engenheiro e a vocação de escritor. Vale ressaltar, houve ainda um meio termo - ele foi um grande desenhista.

Não visualizo qualquer incompatibilidade entre poesia e a arquitetura. As estruturas planejadas pelos arquitetos modernos são verdadeiras poesias. Trabalhar para que se realizem esses projetos é concretizar uma poesia.”
Os muros das construções são o papel onde se inscreveram as páginas da história, onde ainda se inscrevem as mensagens para o futuro. E, escrever estas mensagens, cabe ao arquiteto.”

Um poema

Trecho de Visão do último trem subindo ao céu

Quando houve um trilo no ar: uma luz brilhou
No ar noturno — carvão 
do dia —
E uma dentre todas sentiu, de repente,
O alento do calor;
Alento que se estendeu do fogo,
E que lhe veio em sangue ardente,
Em respiração rumorosa de brancos vapores.

Uma dentre elas
Que era preta, violentamente, luzidia;
Que era preta, vagarosamente preta;

Preta e lentamente e luzidia;
Avançando, transpôs o virador;

E foi!


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