Cinema O Cheiro da Gente retrata perdições sexuais de jovens skatistas Novo filme do cineasta Larry Clark está em cartaz no Cinema do Museu, em Casa Forte

Por: Júlio Cavani - Diario de Pernambuco

Publicado em: 02/01/2016 08:03 Atualizado em: 31/12/2015 17:07

Jovens são retratados com intimidade impressionante. Fotos: Larry Clark/ Morgane Production/ Divulgação
Jovens são retratados com intimidade impressionante. Fotos: Larry Clark/ Morgane Production/ Divulgação
 
Vinte anos depois de chocar o mundo com Kids (1995), o cineasta norte-americano Larry Clark demonstra que as coisas não mudaram tanto ao retratar a rotina de jovens skatistas no filme O cheiro da gente, que entrou em cartaz no Brasil antes da estreia nos Estados Unidos. No Recife, ele preenche a programação do Cinema do Museu (Casa Forte) junto com o clássico Morangos silvestres (1957), de Ingmar Bergman.

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O novo longa-metragem do controverso fotógrafo e diretor, sempre alvo de polêmicas, é ambientado em Paris, mas poderia ter qualquer metrópole do mundo como cenário. Os adolescentes retratados, afinal, têm um comportamento cultural totalmente americanizado (Pacman, Babyface e Rockstar são os nomes de alguns personagens). Se não fosse pela língua ou por detalhes das locações, praticamente não seria possível identificar onde se passa a ação. A atmosfera da França, por outro lado, contextualiza a questão na busca pela liberdade sexual, que tem o país europeu como um ícone (assim como a juventude norte-americana).

Independentemente do local e da época, a essência é semelhante, mas Clark atualiza o conteúdo de Kids para os tempos atuais, para a época dos "selfies" (especialmente dos "nudes"), das redes sociais e do Viagra. Os jovens do novo filme não se contentam mais em viver a vida como se não houvesse amanhã. Eles agora precisam também sempre fotografar e filmar os amigos e si mesmos (inclusive nus) para enviar as imagens pelo celular.

O cheiro da gente diferencia-se da maioria dos filmes produzidos no mundo pela maneira como os personagens são filmados com intimidade. Tudo parece real. Não só porque o sexo é explícito e aparentemente verdadeiro, mas também pela proximidade da câmera com os corpos. O título faz sentido, já que o ser humano é visto com uma proximidade orgânica a ponto de provocar uma experiência sinestésica, uma sugestão de odor. O cinema é ficção, mas a carne é real.

O personagem principal é um menino (vivido de forma desinibida e delicada pelo ator Lukas Ionesco) que se prostitui para conseguir financiar a própria diversão. Um dos clientes dele é um senhor idoso, interpretado pelo próprio Larry Clark (também presente no papel de um mendigo). O cineasta, portanto, está próximo do elenco não só por trás das câmeras, mas também com o próprio corpo.

Uma das poucas personagens femininas do filme, uma adolescente, reclama que todos os amigos dela preferem fazer sexo com homens do que com mulheres. É um dado que torna o filme ainda mais contemporâneo, já que a homossexualidade aparece na vida dos personagens com naturalidade e cada vez mais cedo, sem se tornar um tabu entre eles.


LARRY CLARK
As repercussões em torno da obra de Larry Clark sempre reforçam a contraditória ideia de que a naturalização do sexo é mais chocante para a sociedade do que a banalização da violência. Com o filme Ken Park (2002), por exemplo, ele foi considerado um cineasta polêmico por causa da pornografia, mas não por mostrar cenas de intolerância ou espancamentos.

Antes de realizar o primeiro longa-metragem (Kids), o diretor já era um fotógrafo consagrado no circuito internacional da arte contemporânea. Suas fotos fazem parte do acervo de grandes museus, como o Whitney (Nova York) e o Inhotim (Minas Gerais). Assim como nos filmes, os ensaios fotográficos do artista retratam principalmente nudez, sexo e uso de drogas, principalmente entre jovens. São representações do exercício da liberdade (mesmo quando transmitem tristeza, como no filme O cheiro da gente).

As fotos e filmes de Clark não são poderosos apenas pelo que mostram, mas pela forma como tudo é mostrado. As imagens podem chocar, mas também encantar por causa da delicadeza, da intimidade, da espontaneidade e do afeto presente nas cenas. A presença doa cultura do "selfie" (especificamente dos "nudes") em O cheiro da gente é uma maneira de abraçar um modismo contemporâneo que ele já exercitava em trabalhos clássicos como o ensaio fotográfico Tulsa (1971).


LUKAS IONESCO
Há uma possível explicação para Lukas Ionesco ficar tão à vontade nas cenas íntimas do filme O cheiro da gente. O ator (hoje com 20 anos de idade) é filho da atriz e cineasta Eva Ionesco e neto da fotógrafa Irina Ionesco. A mãe, que tem uma extensa carreira no cinema, foi revelada na década de 1970, ainda criança, como modelo de fotos eróticas feitas pela avó dele. Os ensaios fotográficos tornaram-se clássicos da representação da de nudez feminina na arte, mas, em 2012, Eva processou Irina, um ano depois de lançar o filme My little princess, que reconstitui sua infância. Depois da experiência com Clark, entretanto, Lukas revelou, em entrevistas, que não quer mais atuar.

Ao contrário de Lukas Ionesco, alguns dos adolescentes revelados em Kids decidiram seguir carreira no cinema. Alguns ficaram bastante famosos, como Rosario Dawson, Leo Fitzpatrick e Chlöe Sevigny (indicada ao Oscar no ano 2000 por Meninos não choram).

Chloë Sevigny e Rosario Dawson em cena de Kids
Chloë Sevigny e Rosario Dawson em cena de Kids


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