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Folia 2016 Carnaval 2016: Dez músicas que mostram o quanto a política tomou conta da festa Frevos e marchinhas dão o tom da brincadeira repleta de máscaras, fantasias e bonecos gigantes.

Por: Fellipe Torres - Diario de Pernambuco

Publicado em: 24/01/2016 16:45 Atualizado em: 23/01/2016 12:21

Do sambódromo carioca às ladeiras de Olinda, dos bailes VIP aos blocos de rua do Recife Antigo, das fantasias das crianças às feições dos bonecos gigantes, do frevo rasgado às marchinhas. Poucos elementos são tão capazes de unificar o espírito folião brasileiro quanto o hábito de extravasar, durante o carnaval, críticas sociais e políticas. É quase como se o mês de fevereiro fosse a época ideal para fazer uma retrospectiva anárquica dos fatos vexatórios do ano anterior, cada um a seu modo, com máscaras, canções, estandartes improvisados.

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O escárnio nos Dias de Momo é ainda mais exacerbado nos períodos após escândalos políticos, quando são destacadas (positiva ou negativamente) personalidades dos três poderes, além de acontecimentos marcantes no cenário brasileiro e internacional. Dito isso, pode-se considerar os tempos de agora um prato cheio para a criatividade de carnavalescos e foliões.

Para o pesquisador pernambucano Weydson Barros Leal, a crítica por meio do humor - a mais eficaz e contundente – encontra na folia de Pernambuco e do Rio de Janeiro terrenos férteis para florescer. Esse costume, contudo, remete às origens europeias, desde os carnavais da Península Ibérica e até mesmo da Itália. “Desde o surgimento dessas manifestações no Brasil, o humor crítico foi algo usado por muito tempo, até perder a força nos anos de repressão, como a ditadura Vargas e a Militar, quando havia menos liberdade. A crítica por meio da música, por exemplo, foi algo muito forte nos anos 1930 e 1940, depois perdeu força e, agora, vive um renascimento, na última década”.

Foliões se fantasiam de Lula e Dilma. Foto: Helder Tavares/DP/D.A Press
Foliões se fantasiam de Lula e Dilma. Foto: Helder Tavares/DP/D.A Press


Como observa o pesquisador Renato Phaelante, os frevos de conotação política surgem com mais frequência para exaltar e raramente para criticar. São exemplos disso algumas composições do maestro Nelson Ferreira, como Na hora H, Agamenon, para a campanha do então candidato ao governo de Pernambuco, Agamenon Magalhães, e O bloco da vitória, para comemorar a eleição de Cid Sampaio: "O bloco da vitória está na rua/ Desde que o dia raiou/ Vamos minha gente/Para o nosso cordão/ A hora da virada chegou/”. Na própria discografia de Nelson Ferreira, contudo, há também alfinetadas em formato de canção, como A canoa virou, escrita um ano após o ex-governador de Pernambuco Estácio Coimbra fugir em meio à Revolução de 1930: "A canoa virou/ Seu Estácio fugiu/ E o beicinho do beiçola/Nunca mais ninguém viu".

“Acho a crítica por meio de frevos e marchinhas algo importantíssimo para a história da música popular. O carnaval sempre teve esse componente de jocosidade, sobretudo após a abertura política. Isso foi relevante porque funcionava para os compositores como meio de comunicação que a juventude entendia e pelo qual poderiam passar mensagens relevantes, assim como ocorreu com a MPB”, comenta Phaelante.

Máscaras de políticos são muito comuns no meio da folia. Foto:  Filipe Barros/Esp.DP/D.A Press.
Máscaras de políticos são muito comuns no meio da folia. Foto: Filipe Barros/Esp.DP/D.A Press.


Importado da Europa enquanto essência, o espírito jocoso da festa de Momo ganhou tintas próprias nas ruas de Recife e Olinda do século 19, em um período de efervescência política. Se até meados de 1830 as festividades se limitavam ao entrudo (brincadeira entre famílias patriarcais do tipo mela-mela), o viés crítico surge desde o primeiro momento quando a rua passou a ser utilizada para o desfruto e o lazer. Segundo a antropóloga e pesquisadora Rita de Cássia Araújo, a partir da década seguinte, com o surgimento de uma sociedade mais burguesa, há formação de uma cultura urbana, citadina, na cidade e para a cidade, onde havia um grande encontro dos diferentes e dos iguais. Era o momento de se comparar, se reconhecer, enfrentar conflitos e tensões.

Esse carnaval burguês vai ressaltar a crítica social e politica, explica Rita de Cássia, em parte porque surgem as máscaras e fantasias. “Disfarçadas, sob o véu do anonimato, qualquer um poderia fazer crítica com veemência, livre de punições, não somente a políticos, mas a tipos sociais, como médicos e padres. É um costume que permanece até hoje muito forte”. Mais tarde, por volta de 1880, com o fortalecimento do movimento abolicionista, a festa ganhou um caráter racial e uma questão de classes. “Vê-se brancos se vestindo de negros e vice-versa, tanto como crítica quanto como para viver a experiência de vivenciar o outro, mas, sempre com certa jocosidade, com humor”.

Personagens do cenário político são transformados em bonecos gigantes.Foto: Brenda Alcantara/ Esp. DP
Personagens do cenário político são transformados em bonecos gigantes.Foto: Brenda Alcantara/ Esp. DP


Desde os primeiros passos (fossem de frevo ou não), o carnaval pernambucano, em particular, foi forjado em uma atmosfera de intensa movimentação político-social, luta e rebeldia. E a folia traduzia o clima de agitação e efervescência vivida pelo Recife no momento de sua formação, entre o final do século 19 e o começo do 20: "O crescimento da cidade, as grandes multidões, a agitação política, a formação da classe trabalhadora, o fortalecimento do movimento operário, as primeiras grandes greves, os melhoramentos do porto, as reformas urbanas e a perspectiva de modernização, tudo isso encontrou sua maior expressão no frevo, na força que emergia da grande massa popular que habitava a cidade".

NA SAPUCAÍ
Este ano, o desfile da escola de samba Mocidade Independente de Padre Miguel vai traduzir o escândalo da Operação Lava-Jato em gigantes ratos engravatados, presos aos carros alegóricos, junto a plataformas de petróleo e outras referencias aos esquemas de corrupção revelados recentemente. É apenas um dos exemplos de como episódios políticos vão invadir o sambódromo. A escola São Clemente relembra o movimento dos caras-pintadas, de 1992, quando se pedia o impeachment do então presidente Fernando Collor. 
 
Batalha de marchinhas e frevos 2016
O carnaval deste ano promete trazer grande número de marchinhas e frevos inspiradas em episódios políticos. Veja algumas:

%u2028%u2028Não enche o saco do Chico
%u2028Faz referência aos ataques de hostilidade dos quais foram alvo o cantor e compositor Chico Buarque, em dezembro, na saída de um restaurante no Rio de Janeiro. A composição é dos músicos mineiros Marcos Frederico e Vitor Velloso (também é dele a marchinha Pó Royal, de 2014, associada ao senador Aécio Neves). %u2028%u2028

Se encontrar o Chico na rua
E não tiver nada pra dizer
Talvez seja melhor ficar na sua
Ou achar outro saco pra encher%u2028%u2028
Você pode ter sua opinião
E pode discordar do Chico
Mas se for pra tirar satisfação
É melhor você fechar o bico
%u2028Não phode, Não phode
Playboy, patriota de araque
Não pode Não pode
Encher o saco do Chico Buarque
%u2028Você Não vai passar! Não vai!
Intolerante, nem por um segundo
Cálice filhinho de papai!
Vai trabalhar vagabundo!
 
 
Japonês da Federal %u2028

O agente da Política Federal Newton Ishii, conhecido personagem dos episódios da Operação Lava-Jato, não poderia ficar de fora. Em Pernambuco, ele já virou boneco gigante. No Rio de Janeiro, inspirou marchinha em mais uma edição do concurso da Fundição Progresso. A autoria é de Thiago Vasconcellos de Souza, também compositor de Tia Wilma e a bicicleta e Guarde bem sua cartinha, com referências aos passeios ciclísticos de Dilma e à carta enviada a ela pelo vice-presidente Michel Temer.
 
Aí meu Deus, me dei mal
Bateu à minha porta
O Japonês da Federal!%u2028%u2028
Dormia o sono dos justos
Raiava o dia, eram quase seis
Escutei um barulhão
Avistei o camburão
Abri a porta e o Japonês, então, falou:
- Vem pra cá!
Você ganhou uma viagem ao Paraná!%u2028%u2028
"Aí meu Deus, me dei mal
Bateu à minha porta
O Japonês da Federal!"
Com o coração na mão
Eu respondi: o senhor está errado!
Sou trabalhador...
Não sou lobista, senador ou deputado!%uFEFF
 
 
Tia Wilma e a bicicleta
 
A minha tia descolou uma bicicleta
E descobriu...
Que nasceu pra pedalar
Ela pedala e pedala todo dia
Ela pedala o dia todo sem parar
 
É ciclista... tia Wilma é ciclista
Pedalando ela é celebridade
Na ciclovia, tira onda artista!
 
A tia Wilma pedalou por todo mundo
E agora já não tem pra onde ir
Cuidado tia Wilma, não se canse
É bom descansar pra não cair
 
 
Guarde bem sua cartinha

Meu latim, com você não gasto mais
Está tudo acabado, aqui jaz...
Nosso amor virou rancor
Não me escreva nunca mais
 
Guarde bem sua cartinha
Eu não vou ficar sozinha
Pra sempre eu hei de ser amada
E você... Meu ex-amor
Será motivo de piada
 
 
Continha na Suiça
O compositor pernambucano Severino Araújo é a mente por trás do frevo sobre o deputado Eduardo Cunha, o atual presidente da Câmara dos Deputados. A música foi gravada na voz de Walmir Chagas (Véio Mangaba), com arranjo do Maestro Duda. Severino gravou e distribuiu pela cidade 500 CDs com a música.
 
Eu também tenho uma continha na Suíça
Ai que delícia!
Ai que preguiça!
Ver minha cara todo dia no jornal
Já sei que sou
Um herói nacional
 
Eu também tenho uma continha na Suíça
Ai que delícia!
Ai que preguiça!
Ver minha cara todo dia no jornal
Já sei que sou
Um herói nacional
 
Depois é somente correr pro abraço
Mermão, esse dólar é mesmo um cracaço
Iate de luxo, é ouro, é prata
Trabalhei muito para ser um magnata
 
Depois é somente correr pro abraço
Mermão, esse dólar é mesmo um cracaço
Iate de luxo, é ouro, é prata
Trabalhei muito para ser um magnata%u2028%u2028



Quanta Ladeira se tornou conhecido pelas paródias. Foto: Ivan Alecrim/Especial para o Diario
Quanta Ladeira se tornou conhecido pelas paródias. Foto: Ivan Alecrim/Especial para o Diario


Eles não perdoam ninguém
Fundado é 1997, a troça é conhecida por reunir músicos pernambucanos como Lenine, Lula Queiroga, Silvério Pessoa, além de muitos convidados para, no linguajar pernambucano, “tirar onda” de tudo e todos, inclusive deles mesmos. As músicas são paródias de canções consagradas com letras satíricas, muitas inspiradas em temas políticos. Para Weydson Barros, o Quanta Ladeira é uma ideia genial, com letras inteligentes. “Eles estão sempre armados com o humor, que é o grande veículo, a espada da crítica”.
Depois de encerrar em 2014, o Quanta Ladeira confirmou participação na festa Queirogada, dia 4 de fevereiro, na Mansão Bomfim, em Olinda. Relembre trechos de letras do bloco:
 
O parque

Cadê o Parque Dona Lindu?
Da prefeitura
Dinheiro, não
Conversa pura
Enrolação
Parque lindo
Que niguém vê
Só na moldura,
Televisão
Beleza pura
Passaram a mão
 
João
 
João, depois que tu brigou com joão
Virou a maior confusão
Perdeu a continuação
Onde e que eu boto o lixo
Imenso monte de lixo
Lixo pelo chão
Suja caminhada para a prefeitura
 
Geraldo Júlio
 
Geraldo Júlio
Tu que é bem novinho
Mas tu não sabe o que aconteceu
Quanta ladeira foi na prefeitura
Com a p*** dura e depois te comeu
 
Trapalhões da América Latina
 
Lula, Hugo Chaves, Seu
Madruga e Chapolin
Saíram pela América
Tocando bandolim
Beberam, arrotaram
Esbanjaram dindin
E dançaram funk com Fat Boy Slim%u2028%u2028Tomando tequila
Fazendo arruaça
Queimando petróleo
Soltando fumaça
E o Mercosul, tá maior o sururu
Mijaram no Chile
E vomitaram no Peru
 
Presidente Dilma Rousseff virou boneco de Olinda. Foto: Alcione Ferreira/DP/D.A Press
Presidente Dilma Rousseff virou boneco de Olinda. Foto: Alcione Ferreira/DP/D.A Press
 
Gigantes do frevo
Os bonecos gigantes de Newton Ishii e do juiz da Lava Jato, Sérgio Moro, já estão prontos para o carnaval. As réplicas estão disponíveis para visita na Embaixada dos Bonecos Gigantes de Olinda (Rua do Bom Jesus, 183, Bairro do Recife) e foram feitas pelo bonequeiro Leandro Castro. Todos os anos, personalidades políticas são representadas nas esculturas a serem carregadas pelas ladeiras de Olinda. Já se tornaram bonecos Hugo Chávez, Fidel Castro, a presidenta Dilma, o ex-presidente Lula, Joaquim Barbosa, entre outros. 
 
Na marcha da política
Mais de 9.500 músicas já foram inscritas no  Concurso de Marchinhas Carnavalescas da Fundição Progresso desde 2005, considerada a maior competição do gênero. Profissionais e amadores de todo o Brasil participam. No ano passado, venceram os pernambucanos Jota Michiles e Gustavo Krause, com Adoro celulite. Na edição 2016, segundo a organização, ao menos 25% das músicas inscritas aproveitam temas políticos.

“O momento político e a crise pela qual passa o Brasil estão muito presentes nas marchinhas deste ano, por meio do deboche, do esculacho. Vimos muitas sobre a Operação Lava-Jato, sobre Eduardo Cunha, Dilma, entre outros assuntos tirados da pauta dos jornais. O carnaval é o momento de as pessoas exorcizarem tudo isso cantando e dançando. É um momento de catarse”, diz o presidente da Fundição Progresso, Perfeito Fortuna.
 
Conheça trechos de marchinhas de teor político que fizeram sucesso em edições anteriores: 
 
Baile do Pó Royal %u2028%u2028
O pó rela no pé
O pé rela no pó
Esse pó é de quem eu tô pensando?
Ah é sim, ah é sim
 
 
Ocupa geral
%u2028 A colombina ainda está traumatizada
Pensaram que ela era black bloc
Sambo para fugir das bombas lacrimosas
No batalhão de choque
 
Menina black bloc
%u2028Menina black bloc
Black bloc, black bloc
Eu vou botar na rua
Um batalhão de choque
Escute Menina black bloc aqui
 
%u2028
Pula Catraca!%u2028%u2028
Se você pensa que eu pago a tarifa
Tarifa eu não pago não
Transporte tem que ser de qualidade
E atender a população
 
 
O Collor fez o Lula e o Bush fez Obama
%u2028Obama...
 
Bush virou bucha, bucha de balão em chamas
Presidente de araque, fez Barack toda fama
Joga bomba no Iraque, queima o filme, queima a banca
Mas queima quem, quem Mcain
 
O Collor fez o Lula
O bush fez Obama
Uma cagada antes feita
Ajuda, muda, faz a cama
Martin Luther King Já previa toda trama
Liberdade ao povo preto
O povo branco quis Obama
 
Obama...
 
 
O avião do Sarkozy
%u2028Vem, meu amor
Vem fazer ato secreto
Debaixo do cobertor
Ah, eu vou superfaturar
O carnaval
Vou esbanjar e por na conta
Do pré-sal
Depois pegar o avião
Do Sarkozy
Pra me acabar na Sapucaí
 



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