Cinema Woody Allen, o gênio da comédia satírica, agora é um oitentão Cineasta conhecido por produções como Annie Hall e Vicky Cristina Barcelona mantém vitalidade com lançamentos anuais

Por: Ricardo Daehn - Correio Braziliense

Publicado em: 01/12/2015 09:00 Atualizado em: 30/11/2015 22:08

Gênio da comédia sarcástica comemora mais uma primavera nesta terça. Foto: Telegraph/Reprodução
Gênio da comédia sarcástica comemora mais uma primavera nesta terça. Foto: Telegraph/Reprodução

O aniversário de 80 anos de Woody Allen, nesta terça-feira (1º), vem para desanimá-lo. Mesmo que a morte seja tema recorrente nas piadas do cineasta, ele encara a data como "um ano mais próximo da morte". Aos fãs, resta o consolo de o ídolo preservar boa genética: o pai, taxista, e a mãe, vendedora de flores, chegaram quase aos 100 anos. A relação familiar, no entanto, sempre foi conturbada e, por vezes, invadiu as páginas policiais, com questões ligadas a adultério e incesto. Daí o motivo de os próprios filmes terem ganhado teor de desencanto.

Com produção de qualidade irregular, Allen se tornou ícone que causa frio na barriga quando o assunto é admiração. Autônomo na produção de longas tão eficientes quanto baratos, o sagitariano não perde o foco e enfrenta bem os ares de montanha-russa aderidos na vida pessoal e na profissional. Veja passagens.

A trajetória

“Sei de muitas vidas menos monótonas”, já sublinhou o rei da autodepreciação Woody Allen, que chegou às telas, em meados dos anos de 1960, por indicação da atriz Shirley MacLaine, impressionada por vê-lo nos palcos de pequenos clubes noturnos. Executivos aceitaram a sugestão e o marco inicial foi O que é que há, gatinha?, no qual assinou o roteiro e atuou. Nascido Allan Stewart Königsberg adotou, em 1952, o pseudônimo.

O Que é Que Há, Gatinha?, A Era do Radio e What's up Tiger Lily. Fotos: Divulgação
O Que é Que Há, Gatinha?, A Era do Radio e What's up Tiger Lily. Fotos: Divulgação


A revelação de tramas de superação alimentou uma cadeia de fãs incondicionais. Situações de comédias com fundo tragicômico estão, por exemplo, em A era do rádio (1987, acima), com a trilha sonora da infância, um amuleto eterno e que incluía canções clássicas de George Gershwin e Irving Berlin. No contexto da família judaica, os conselhos desmedidos da mãe Mae Questel, dona de boas cenas em Contos de Nova York (1989), dão conta da opressão experimentado por Allen.

Saído do padrão de shows de stand-up, Allen dava ares modernosos de um Tarantino de seu tempo. Exemplo disso foi a dublagem - com diálogos disparatados jogados em cima da banda sonora de um filme japonês, base para a estreia na direção com What’s up Tiger Lily? (1966).

Antes da consagração com Noivo neurótico, noiva nervosa (1977), que levou Oscars de filme, direção e roteiro original, o diretor manteve modestas produções, como Um assaltante bem trapalhão (1969) e Sonhos de um sedutor (1972), além da comédia de sexo em episódios Tudo o que você sempre quis saber sobre sexo e tinha medo de perguntar (1972, à direita). Desse último, veio a icônica imagem na pele do espermatozoide tímido.


Ainda na década de 1970, surge um dos elementos mais recorrentes: piadas com reentrâncias sexuais. Em A última noite de Boris Grushenko (1975), um dos personagens credita à “prática solitária” a qualidade de ser bom amante. “Não fiz muito progresso com nenhum dos sexos”, disse. O pendor pela direção de mulheres - que “seguem sentimentos”, como enfatiza - rendeu triunfos como o Oscar de Cate Blanchett em Blue jasmine (2013).

Tudo Que Você Sempre Quis Saber Sobre Sexo, Noivo Neurótico Noiva Nervosa e A Última Noite de Boris Grushenko. Fotos: Divulgação
Tudo Que Você Sempre Quis Saber Sobre Sexo, Noivo Neurótico Noiva Nervosa e A Última Noite de Boris Grushenko. Fotos: Divulgação


Notoriamente mais cultuado na Europa do que nos EUA, nunca abriu mão da pontuação do berço do cinema. Muito antes da declarada adoração pelo valor da arte vista em Meia-noite em Paris (2011), vieram traços de refinamento. Em Interiores (1978), um drama denso, Allen se apropriou de traçados dramatúrgicos de Ingmar Bergman. Com Memórias (1980), fez tributo a Federico Fellini.

“Hollywood não tenta me conquistar, nem quero que isso aconteça”, uma vez disse, categoricamente, no que muitos viram como arrogância. Mas, a bem da verdade, Allen, dono de fitas sem grandes orçamentos, nunca se viu acuado pela interferência dos estúdios. Ele categoriza a produção como “distração” e “fonte energética” para viver.

A unidade de equipe, sem rupturas abruptas, permitiu correr riscos, como na fase em que tem encarado regulares viagens para criações de longas, como Vicky Cristina Barcelona (2008), Para Roma com amor (2012) e Magia ao luar (2014). Além disso, Allen soube evocar estética dos primórdios do cinema, com obras em preto e branco do porte de Manhattan (1979), Broadway Danny Rose (1984), Neblina e sombras (1991) e Celebridades (1998).

Vicky Cristina Barcelona, Woody Allen ao vivo em show de jazz e Match Point. Fotos: Divulgação
Vicky Cristina Barcelona, Woody Allen ao vivo em show de jazz e Match Point. Fotos: Divulgação


Compromissado com o clarinete e apresentações no antigo Michael’s Pub (acima), ganhou detratores ao não receber pessoalmente o Oscar de melhor diretor, entregue em 1978. Também ao lado de outro que não é unanimidade, o ator Sean Penn, Woody cravou belo retrato do músico Emmet Ray, em Poucas e boas (1999). Foi mais uma incursão num modelo de filme que, estruturado em mentiras, afunilava trajetória de personagem fictício, a exemplo de Zelig (1983). O filme Woody Allen in concert - Wild man blues (1997) tratou de sacramentar, nas telas, a paixão de Allen por música.

Numa certa medida, há declarações que tornam Allen misantropo, por excesso de sinceridade. “Para mim, sair e socializar é sempre um pesadelo”, demarcou. Mais ríspido foi o ataque cortante, quando questionado sobre a vontade de “viver eternizado nos corações dos fãs”: “Prefiro continuar vivendo no meu apartamento”. Ressabiado com a mídia e as especulações sobre a vida íntima, ao divulgar Match point (2005, abaixo), se disse expert em receber “punições da sociedade”.

Musa de um período de obras ricas, que incluem Sonhos eróticos de uma noite de verão (1982), A rosa púrpura do Cairo (1985) e Hannah e suas irmãs (1986), a atriz Mia Farrow pôs à prova, nos tribunais, a ideia de isenção nas desavenças entre “marido e mulher”. Ironia do destino a coincidência com o lançamento de Maridos e esposas (1992).

Nada apaziguou ânimos do casal em crise. Acusações de abuso sexual se misturaram a informações que aliviaram o veredicto em torno de Allen. Mesmo com o distanciamento da vida em casas separadas, a assumida relação amorosa com a enteada, a coreana Soon-Yi, surtiu nefasto efeito na opinião pública.

Sem nunca proporcionar escandalosos risos, Allen passou a suscitar tensão, a cada acusação de seus supostos desvios de comportamento. Demorou para o público desfazer o alerta vermelho: a união oficial em Veneza, entre Allen e Soon-Yi, veio seis anos depois de muito auê. Assumindo o desafio constante do próximo filme, Allen não é dado a revisões, mas incorporou algo das más vivências nas tramas.

Tratando indiretamente de filhos adotivos e de prostituição, em Poderosa Afrodite (1995), saudou a convicção de Mira Sorvino interpretar uma “personagem barata”, a exemplo do que acontecia com Mia Farrow. Outra alfinetada veio pela “descoberta da feminilidade intensa”, ao lado da asiática Soon-Yi.

A Rosa Púrpura do Cairo, Woody Allen e a coreana Soon-Yi e cena de Homem Irracional. Fotos: Divulgação
A Rosa Púrpura do Cairo, Woody Allen e a coreana Soon-Yi e cena de Homem Irracional. Fotos: Divulgação


Sofrendo ou não o efeito dominó, pelo dito ou por fatos, entre os admiradores, aos quase 80 anos, Woody Allen se reafirma como “um trabalhador”. Na labuta, ele segue supremo na capacidade de criar enredos. É o roteirista com maior número de indicações ao Oscar - são 16. Neurótico, hipocondríaco, ansioso, criminoso (ou não), faz história com filmes imperdíveis como Crimes e pecados (1989), Tiros na Broadway (1994), Desconstruindo Harry (1997), Trapaceiros (2000) e O homem irracional (2015, acima).


MAIS NOTÍCIAS DO CANAL