Música Naná Vasconcelos: o autodidata que virou doutor honoris causa O percussionista será homenageado em cerimônia na UFRPE, nesta quarta-feira (9), quando "discursa" tocando berimbau

Por: Larissa Lins - Diario de Pernambuco

Publicado em: 09/12/2015 10:05 Atualizado em: 09/12/2015 12:54

Naná transformou o berimbau em instrumento para concerto com orquestra. Foto: Rafael Martins/DP/DA Press
Naná transformou o berimbau em instrumento para concerto com orquestra. Foto: Rafael Martins/DP/DA Press


Naná é homem de pouca cerimônia, mas faz questão de servir bolo de rolo com café fresco para as visitas. Os gestos são carregados de simplicidade sofisticada: elegantes por serem simples. Lição de etiqueta. “Me dê licença um minuto, por favor, que estou dando entrevista”, fala aos bentivis do quintal, enquanto conversa com a reportagem. E dá risada sem pudor. Lição de humor. Brinca até mesmo ao comentar a nova honraria: nesta quarta-feira (9), recebe título de doutor honoris causa, em cerimônia no salão nobre da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Autodidata, nunca frequentou escola de música, nem se graduou. Mas recebe, a partir de então, o mesmo tratamento e privilégios dos que obtiveram doutorado acadêmico de modo convencional. “Até chorei quando eu soube. Mas confesso que não sei se foi por emoção ou dor”, gargalha. Isso porque a notícia chegou na época do diagnóstico de câncer de pulmão, do qual se declara curado. Lição de vida.

Uma semana antes da cerimônia de entrega do título, iniciativa do Núcleo de Estudos Afro Brasileiros (Neab/UFRPE), Naná se reuniu com a reitora da universidade, Professora Maria José de Sena, a fim de contornar as formalidades. “Pensei em tocar berimbau antes de vestir a toga, para justificar por que estou recebendo essa homenagem. Queria quebrar alguns protocolos”, explica. Conseguiu, em parte: haverá música em lugar do discurso, mas somente no fim da cerimônia. Detentor de oito Grammys, Naná acredita que diz mais ao tocar do que ao falar. E considera o silêncio sagrado. Lição de oratória. “O Brasil precisa da palavra. A música instrumental está sempre em segundo plano. Mas o melhor instrumento é o corpo”, opina.

Naná diz que a identificação com o berimbau foi um dos pontos decisivos. Foto: Rafael Martins/DP/DA Press
Naná diz que a identificação com o berimbau foi um dos pontos decisivos. Foto: Rafael Martins/DP/DA Press
Naná, que aos 12 anos tocava profissionalmente em bares e clubes noturnos (onde lhe exigiam até autorização judicial), ao lado do pai, aprendeu a tocar sozinho, usando os penicos e as panelas de casa, ainda na infância. Não frequentou aulas de música, não ingressou na faculdade. “Quando você aprende teoria musical por livros, precisa sempre consultar os textos. Quando você aprende com o corpo, é como andar de bicicleta. Seu corpo se lembra”, compara o percussionista. Lição de aprendizado. “Dar ênfase ao fato de que não fui à escola é bobo”, diz, depois de aprender francês, inglês e italiano, sozinho, enquanto morava fora do Brasil.

Apesar do trabalho internacional - dos instrumentos eletrônicos aos étnicos - Naná acredita que boa parte dos brasileiros o reconheça apenas como “o cara dos maracatus”, apesar da afinidade com o berimbau, seu preferido. Lição de humildade. Em janeiro, ele começa os ensaios para o cortejo de abertura do carnaval do Recife. E, em seguida, dá início à turnê Café no bule, em parceria com Zeca Baleiro e Paulo Lepetit. “A melhor parte é que estou vivo e posso comemorar. Os outros não vão precisar celebrar por mim.”

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Conhecimento

“Um dia você se dá conta, pela própria intuição, que tem algo que os outros não têm. Percebi isso. Fiz meu caminho. Procurei ouvir os outros, experimentar, ouvir todos os sons. Me muni de conhecimento, musical e intelectualmente. É preciso descobrir o que se faz bem feito, se lapidar e seguir os próprios instintos. Acumular conhecimento, se tornar mais sábio.”

O silêncio, para Naná, é coisa sagrada. Foto: Rafael Martins/DP/DA Press
O silêncio, para Naná, é coisa sagrada. Foto: Rafael Martins/DP/DA Press
Risco

“Eu sou um Brasil que o Brasil não conhece. Se tivesse permanecido aqui, não seria reconhecido como sou. A convite do [saxofonista argentino] Gato Barbieri, embarquei em turnê para fora do país. Se ficasse aqui, não teria minha carreira de solista. Foi difícil explicar que o que eu fazia era um solo de berimbau para orquestra. Não era samba, não era bossa nova, não era capoeira. Mas eu me arrisquei. É preciso ousar. Medo eu tenho sempre. Quem não tem, está perdendo muito.”

Afinidade
“É preciso encontrar algo com que se tenha afinidade. Durante a peça Memória de dois cantadores, que mostrava o folclore nordestino no palco, com Marcelo Melo e Geraldo Azevedo, fiquei encarregado de explorar o berimbau, o folclore baiano. Foi quando percebi a identificação. Fiquei com o instrumento em casa e, a partir dali, ele transformou minha maneira de ver a música, de ouvir e reproduzir os sons. Comecei a usar minha voz como instrumento por causa dele. Vi que o berimbau não estava restrito à capoeira. Deu certo porque tenho afinidade.”

Legado

“Minha maneira de pensar a percussão vai continuar viva depois de mim. Tenho duas filhas [Jasmim Azul e Luz Morena], uma delas é pianista. Cheguei a ensinar a um rapaz que era meu fã, quando morava nos Estados Unidos. Mas não tenho tempo para dar aulas, para organizar turmas, infelizmente. Eventualmente, realizo workshops. Gostaria de ter tempo para, por exemplo, abrir uma escola de berimbau.”

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Em vídeo, Naná Vasconcelos comenta a afinidade com a música, a identificação com o berimbau e a trajetória como músico autodidata.



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