Cinema FESTIVAL JANELA: Filme sobre consagrado artista Darel Valença é exibido neste sábado

Por: Júlio Cavani - Diario de Pernambuco

Publicado em: 14/11/2015 08:01 Atualizado em: 13/11/2015 19:22

Crédito: Allan Ribeiro/Divulgação
Crédito: Allan Ribeiro/Divulgação

Sem expor no Recife há três décadas, o consagrado artista pernambucano Darel Valença Lins, aos 90 anos de idade, retorna cinematograficamente à cidade hoje com a exibição do filme Mais do que eu possa me reconhecer na programação do festival Janela. Dirigido pelo cineasta carioca Allan Ribeiro, o documentário (vencedor da Mostra de Tiradentes) capta as ideias e retrata o atual cotidiano do desenhista, gravador, pintor e videoartista, que continua em plena atividade com uma produção incessante. A sessão está marcada para as 16h50 no Cinema da Fundação (Derby).

Darel, que participou da Bienal de São Paulo seis vezes, também sempre teve uma forte atuação como ilustrador e criou desenhos para livros e artigos de autores como Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Vinicius de Moraes, Hermilo Borba Filho, Josué de Castro, Dalton Trevisan, Nelson Rodrigues e Rubem Braga, entre outros. Clarice Lispector escreveu que, na obra do artista, “há uma preocupação com a totalidade do ser humano na sua plenitude.”

ENTREVISTA // DAREL VALENÇA

O que você achou do filme de Allan Ribeiro?
Acho que pode ser considerado um filme feito a quatro mãos, como nos filmes dos irmãos Coen e dos irmãos Taviani. Para retratar melhor minha solidão, ele usou imagens minhas e dele. Eu não sou um cineasta, mas faço cinema-arte.

Como tem sido sua relação pessoal com o Recife?
Tenho tido pouco contato com o Recife do ponto de vista físico. Nas décadas de 1970 e 1980, eu costumava ir ao Recife todos os anos. Depois, parei e comecei a viajar mais para a Europa. Eu gostaria de fazer uma nova exposição no Recife em 2016 e já comecei a negociar com uma empresa. Minha última exposição no Recife aconteceu há 30 anos.

Foi na Usina Catende que você começou a trabalhar profissionalmente como desenhista?
Eu tinha 13 anos de idade e o armazém que meu pai tinha em Catende faliu. Precisei trabalhar para ajudar a pagar as contas. Na usina, eu passava a noite medindo a densidade do caldo de cana na Destilaria Santa Terezinha, além de servir café para os químicos. Doutor Brito Passos, que era um dos químicos, me descobriu como desenhista e me botou no escritório, onde comecei a desenhar as máquinas e peças, isso por volta de 1941. Aí resolvi mudar para o Recife comecei a trabalhar no DNOS (Departamento Nacional de Obras de Saneamento) como desenhista de topografia. Aos 20 e poucos anos, fui transferido para o Rio de Janeiro para trabalhar nos aterros. Um dia, desci para tomar café e nunca mais voltei. Fui virar artista. Comecei nas artes como professor de desenho, a convite de Pietro Maria Bardi, no Museu de Arte de São Paulo (Masp). Passei também a trabalhar com ilustração, como desenhista em jornais, onde trablhei com vinícius de Moraes e Nelson Rodrigues, mas eles me consideravam um garotão.

Nelson Rodrigues foi um dos autores que você mais ilustrou?
A vida como ela é não é uma obra de ficção. Nelson não criou aquelas histórias. Elas nasceram em uma coluna de jornal, ilustrada por mim, chamada Um caso por dia, que narrava casos reais com uma escrita mais graciosa. No ano passado, ilustrei uma nova edição de Beijo no asfalto, publicada no início de 2015. Eu discutia muito com Nelson Rodrigues porque nunca gostei de desenhar os atos em si. Eu sempre preferi introjetar em mim os sentimentos dos autores e criar imagens que representem a essência da obra e que façam sentido também para quem não leu as palavras. Eu realmente crio os desenhos e não apenas represento as situações narradas. José Olimpio me convidou para ilustrar as obras completas de José Lins do Rego e eu recusei porque os livros dele não me falam ao lápis. Eu não sinto nada com aquelas histórias de engenhos. Prefiro uma literatura mais profunda, de autores como Joyce, Gogol, Dostoiévski e Graciliano Ramos.

Você acha que seus quadros que retratam mulheres em situações de relaxamento transmitem algum tipo de ideologia sobre a vida ideal, algum tipo de utopia?
As mulheres marcaram muito uma fase da minha obra, mas é apenas uma de minhas várias fases. Os quadros não retratam mulheres reais. Elas são inventadas. São as mulheres que vivem dentro de mim, não as que eu vejo. Essa fase começou nos anos 1980, quando resolvi visitar a casa da minha avó, onde eu morei quando me mudei para o Recife, na rua da Concórdia. A casa estava meio em ruínas e nela funcionava um prostíbulo de terceira categoria. Comecei a ir lá todos os dias durante mais de uma semana e convivi com as prostitutas. Também me inspirei muito em uma amiga prostituta de 21 anos de idade que conheci em Petrópolis.

+ programação

- Sessão Três filmes safados
Exibição dos curtas pernambucanos eróticos Virgindade, Soledad e Como era gostoso meu cafuçu às 18h45 no Cinema São Luiz.

- Clássicos do dia
Intriga internacional (1959), de Alfred Hitchcock, A pequena loja dos horrores (1986), de Frank Oz, Desencanto (1945), de David Lean, A noite do Demônio (1957), de Jacques Tourneur, A múmia (1959), de Terence Fisher, Guerra conjugal (1974), de Joaquim Pedro de Andrade.

- Filmes inéditos
Para minha amada morta, de Aly Muritiba (melhor diretor no Festival de Brasília), Não é um filme caseiro, de Chantal Akerman (consagrada cineasta belga), Academia das musas, de José Luis Guerin (Espanha), Lugar certo, história errada, de Hong Sang-Soo (coreano vencedor do Festival de Locarno).

- Passeio
Visita aos locais onde funcionaram cinemas de rua no Centro do Recife. Concentração às 9h da manhã na Rua do Hospício (ao lado das Lojas Americanas) e término às 11h no São Luiz com projeção de filme sobre a inauguração do cine Veneza.

- Livro e filme
Lançamento do livro Doméstica, que reúne ensaios sobre o documentário homônimo, dirigido por Gabriel Mascaro. Cinema do Museu, às 15h30.


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