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Cineastas pernambucanos comentam filmes de Pasolini
Diretor italiano morto há 40 anos é retratado no novo filme de Abel Ferrara, que está em cartaz no Cinema da Fundação
Publicado: 28/11/2015 às 08:09

Willem Dafoe interpreta Pier Paolo Pasolini no filme de Abel Ferrara. Foto: Imovision/ Divulgação/
Pasolini não é uma cinebiografia e nem uma mera reconstituição das circunstâncias da morte do cineasta e escritor italiano Pier Paolo Pasolini (1922-1975). O que surge na tela e nas caixas de som é um ensaio cinematográfico aberto, um exercício de criação a partir das ideias, palavras, imagens e sentimentos do artista assassinado há 40 anos. Trata-se da obra de um outro autor, o diretor novaiorquino Abel Ferrara, descendente de italianos que também é conhecido por sempre chocar e transportar as violências do mundo para o cinema.
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Com o ator Willem Dafoe como o personagem-título (escolha perfeita tanto pela semelhança física quanto pela sensibilidade), o filme de Ferrara está em cartaz no Recife no Cinema da Fundação (onde o clássico Teorema foi projetado em 2006). Maria de Medeiros e Ricardo Scamarcio interpretam Laura Betti e Ninetto Davolli, que trabalharam em filmes do cineasta bolonhês. O próprio Davolli também participa do elenco, em um trecho em que Ferrara dá vida a um roteiro de Pasolini que não chegou a ser filmado. Outra presença marcante é a da consagrada atriz italiana Adriana Asti no papel de Susanna, mãe do diretor, que atuou em O evangelho segundo São Mateus.
O filme é uma construção intertextual, uma colagem entre obras e situações que resulta em uma peça artística poeticamente autônoma, mas que funciona em diferentes camadas de acordo com as referências de cada espectador. É um resgate e ao mesmo tempo um estímulo para a exploração do legado de um realizador verdadeiramente ousado, provocador e corajoso, que sofreu perseguições dentro e fora da Itália (o filme Salò ou Os 120 dias de Sodoma, por exemplo, foi proibido no Brasil), e cujo pensamento continua totalmente atual.
PASOLINI NO RECIFE
Em março de 1970, o cineasta Pier Paolo Pasolini fez um pouso de emergência no aeroporto do Recife, acompanhado pela cantora e atriz Maria Callas. Eles voltavam da Argentina, onde apresentaram Medeia no Festival de Mar del Plata. Inspirado pelo momento, o cineasta escreveu uma poesia, publicada no livro Trasumanar e organizzar e traduzida para português na coletânea Poemas, da editora Cosac Naify.
CINEASTAS PERNAMBUCANOS COMENTAM A FILMOGRAFIA DE PASOLINI
André Antonio, diretor de A seita, integrante do coletivo Surto & Deslumbramento:
"Recentemente assisti a dois filmes de Pasolini em HD: Os contos de Canterbury (1972) e Salò (1975). Fiquei instigado pelo modo como Pasolini ao mesmo tempo que lança mão de todo um imaginário tradicional europeu, encena suas histórias com um fascínio incrível pelo agora e pela materialidade que está à sua disposição. É como se a câmera tivesse tesão por aqueles corpos. Ao invés de uma simples reprodução de certos elementos eruditos e de 'bom gosto', Pasolini dá a eles um novo uso, mais popular, debochado e lúdico, engajando o espectador. Talvez isso se aplique sobretudo a Canterbury. Quanto a Salò, há ali uma mistura estranha que não me sai da cabeça: uma frieza cruel junto com a fruição da beleza daqueles espaços e arquiteturas."
Pedro Severien, diretor de Todas as cores da noite e Loja de répteis:
"Não conseguiria citar um outro diretor que pudesse ser associado tão diretamente à força poética do cinema, sem esquecer de sua dimensão política. Em Teorema, Pasolini usa uma dramaturgia do sensível, onde o corpo fala mais que as palavras, onde as emoções não são enclausuradas pela razão, onde a imagem é mutante e o físico é metafísico. As mil e uma noites tem uma paisagem humana que me transporta para um outro tempo de fato! A escolha do elenco carrega a potência da nossa ancestralidade. O Evangelho segundo São Mateus contesta nossa mítica ocidental cristã com um espetáculo cênico que é belíssimo e cru ao mesmo tempo."
Hilton Lacerda, diretor de Tatuagem, filme que foi incluído na retrospectiva da obra de Pasolini realizada pelo Centro Cultural Banco do Brasil:
"Voltar a Pasolini atualmente é deixar-se contaminar por esse abismo de humanidade, de mergulhar em um cinema que tem muito a dizer, devolvendo a essa arte a aura inventiva e corajosa do olhar transgressor do mundo periférico. É livrar-se da astúcia da covardia, que massacra a poesia e o pensamento sob os severos golpes da ordem estabelecida. Voltar a ele é deixar um mal-estar se instalar outra vez, ali, bem dentro de nossos olhos e depois deseducá-lo. É habitar nas pequenas ilhas de intranquilidade que a arte nos proporciona."
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