Chica Chiketh desfila há anos com a colega Credimara Rouge. Foto: Rafael Martins/DP/DA Press

O dia ainda não estava claro e Allano Correia já estava de pé, num domingo, com todo o arsenal de maquiagem e o figurino necessários para, após horas de preparação, desfilar na Parada da Diversidade como a drag queen Chica Chiket. A rotina, cumprida em 2014, é a mesma há 12 anos. Repete-se nas casas de Almir Cardoso e de Rafael Silva (Thanya Tumulto), que aproveitam o evento para, além de pleitear direitos, desfilar superproduções como vitrine do próprio trabalho. Se repetirá também neste domingo (20), quando ocorre a 14ª Parada da Diversidade, com concentração a partir das 9h, no Parque Dona Lindu, na Zona Sul do Recife.

“Há quem vista camiseta básica e short jeans, mas há quem comece a planejar o figurino da parada seguinte assim que o desfile termina”, diz a empresária Maria do Céu, que comanda um dos trios do evento. Para este ano, ela, que também se fantasia, encomendou traje inspirado em Iemanjá - “mas talvez use outras roupas, em tributo ao Brasil, ao povo que acredita no país” - e investiu cerca de R$ 500 na fantasia de cada gogo-boy da equipe, com referências aos orixás. Expoente da militância LGBT no estado, ela é mais um nome na lista - exemplificada pelo Viver em três personagens - de participantes da Parada da Diversidade que usam o luxo e, sobretudo, a criatividade para agregar moda e engajamento social.



CHICA CHIKETH
Um único figurino nem sempre é suficiente para dar vazão aos planos do publicitário Allano Correia, 31 anos, que começa a garimpar matéria-prima com meses de antecedência, em lojas de São Paulo. No ano passado, foram duas trocas de roupa. Hoje, desfila pela 13ª vez, com look inspirado no arco-íris - acompanhado da drag Credimara Rouge, com quem desfila e se veste em parceria há anos. O investimento é de, no mínimo, mil reais por produção. “Isso porque reaproveito material que tenho em casa, onde acumulo roupas, saltos e mais de 60 perucas”, conta Allano. Somente os calçados, tamanho 44, custam, em média, R$ 300. O valor dos cosméticos - cujo ritual de aplicação leva mais de uma hora - não está incluído na conta. “A inspiração muda ano a ano, mas sempre com muito brilho e muitas cores. Valem acessórios, penas, pedras, coroas. O leque também é fundamental.”

Chica e Kredimara usam acessórios com as cores da bandeira da diversidade. Foto: Rafael Martins/DP/DA Press

ALMIR CARDOSO
Nada menos do que peças originais da tradicional grife Moschino, criada pelo italiano Francisco Moschino na década de 1980, foram encomendadas pelo executivo para a fantasia deste ano. Figura tradicional da Parada da Diversidade, desfila como Guardião da Moschino - e já vestiu looks inspirados em borboletas, na bandeira pernambucana e na Copa do Mundo. Almir Cardoso, 43, investiu mais de R$ 3 mil no look. Os bordados são feitos por ele ou encomendados ao carnavalesco pernambucano Arruda Jr. A maquiagem é feita por Fernando Kelner, duas horas antes do desfile. Cinto, sapatos e botas vieram da Itália para a ocasião - “Todos originais.” O ritual de planejamento, compra de matéria-prima e confecção de figurino se repete, ainda, no carnaval (Baile dos Artistas e Baile Municipal) e na Parada da Diversidade de São Paulo, a convite da prefeitura local. “Esse momento não trata apenas dos direitos que ainda precisam ser conquistados. Mas também do orgulho, da festa, da comemoração. Desfilamos de cabeça erguida.”

Almir, neste ano, vai usar fantasia de guardião da Moschino. Foto: Rafael Martins/DP/DA Press

THANYA TUMULTO
Roupa, maquiagem e sapatos são encomendados um mês antes da parada, na qual o empresário Rafael Silva, 32, desfila há nove anos como Thanya Tumulto. Ele mesmo elabora a maquiagem, no início da manhã - “sempre com tons fortes, artísticos.” Neste ano, vai representar a bandeira do orgulho LGBT, com as cores do arco-íris. “Nunca me fantasiei de um personagem específico, mas já me vesti de porta-estandarte e da bandeira de Pernambuco”, conta. Algumas peças foram trazidas do Canadá, outras confeccionadas no Recife, por Mayza Becker. Para Rafael, a parada é uma vitrine ímpar das performances das drag queens. “É preciso, porém, se apropriar do tema, estar por dentro dos direitos que já conquistamos e ainda precisamos conquistar. É um desfile consciente.” O custo da produção deste ano ficou em torno de R$ 1,2 mil - moderado, se comparado ao investimento dos sete anos em que Thanya desfilou em trio elétrico próprio, além das participações como locutora do evento.

Thanya investe entre uma e duas horas no processo de maquiagem. Foto: Marcelo Lacerda/Divulgação

SERVIÇO
14ª Parada da Diversidade: você não está só
Quando: 20 de setembro de 2015, concentração às 9h
Onde: Concentração no Parque Dona Lindu (Av. Boa Viagem, s/n – Boa Viagem)

NÚMEROS
14 edições da Parada da Diversidade
11 trios elétricos
De 75 a 80 mil pessoas na Parada da Diversidade do ano passado, segundo estimativas da Polícia Militar
2,5 mil famílias compostas por cônjuges do mesmo sexo em Pernambuco, de acordo com o Censo 2010 do IBGE

A PARADA
Este ano, a Parada da Diversidade, realizada pelo Fórum LGBT de Pernambuco, aborda o tema Você não está só! Em nossa família, liberdade é direito. Serão seis trios da militância (Trio oficial do Fórum LGBT de Pernambuco, Trio dos Leões do Norte, Trio da Cidadania, organizado pelo Instituto Papai e pelo Gema UFPE, Trio  Amotrans, Trio Movimento de Mulheres Lésbicas e Bissexuais e Trio do Grupo Gaymado), dois trios governamentais (Prefeitura do Recife e Governo de Pernambuco) e três trios ligados ao mercado LGBT (Boate Metrópole, Boate San Sebastian e Nosso Jeito Bar).

A personagem Thanya Tumulto completa 11 anos em outubro. Foto: Marcelo Lacerda/Divulgação

VÍDEO
No player abaixo, confira depoimentos e bastidores da preparação de artistas que aproveitam a Parada da Diversidade para exibir fantasias criativas ou luxuosas, preparadas com meses de antecedência.