Música
Movimento breakdance ganha as ruas do Recife com novos grupos e campeonatos
Criado no Bronx novaiorquino dos anos 1970, o movimento break vem crescendo no estado, em disputas como o Bradan, que ocorre neste domingo
Por: Larissa Lins - Diario de Pernambuco
Publicado em: 27/09/2015 10:10 Atualizado em: 25/09/2015 17:19
Bel, do grupo Poder Feminino, representa as companheiras bgirls, MCs e grafiteiras. Foto: Rafael Martins/DP/DA Press |
Quatro décadas, idiomas distintos e pouco mais de 6,7 mil quilômetros separam o Recife atual do Bronx novaiorquino da década de 1970. Foi lá, nos Estados Unidos, que o movimento breakdance deu os primeiros sinais de vida como manifestação artístico-social de gangues de rua locais. É aqui, na capital pernambucana, que grupos de bboys e bgirls recifenses vêm ganhando espaço e representatividade nos últimos anos, com maior número de dançarinos e campeonatos.
Em espaços públicos, como no Parque Dona Lindu, Zona Sul da cidade, no Parque de Santana e no Parque da Jaqueira, ambos na Zona Norte, os encontros e treinos livres servem de aquecimento para disputas oficiais e agregam novos membros. Nas periferias, onde nasce a maioria dos grupos de break, os crews (como são chamados) se articulam para ganhar as ruas, seu palco principal.
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Step Crew Evolution e Blackart Crew se unem para coreografia no Marco Zero. Foto: Ricardo Fernandes/DP/DA Press |
Em atuação há trinta anos, o dançarino pernambucano Paulo Lima (Bboy Paulo Doido) tem 46 de idade e é um dos mais antigos bboys em atividade no Recife. Ensaiou os primeiros passos de breakdance na adolescência, quando a dança o tornava alvo constante de preconceitos. Hoje, é testemunha viva das conquistas recentes do gênero. Dança com colegas que têm, em média, pouco mais de 20 anos. “Nosso espaço cresceu. Ainda nos faltam locais próprios para treino nas comunidades, mas a resistência da sociedade diminuiu. São mais campeonatos, mais grupos, todos mais estruturados”, declara.
Apesar de não existir, até então, um levantamento quantitativo oficial, a observação encontra eco entre os líderes do movimento no estado. “Em 2008, quando fundamos o nosso crew, havia, no máximo, três grandes campeonatos anuais em Pernambuco. Hoje são, pelo menos, dez. Sem falar nos que acontecem no interior, de menor porte. É um crescimento exponencial”, diz o advogado e dançarino de break Alberes José, fundador do grupo Blackart Crew.
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Os passos exigem equilíbrio e força. Foto: Ricardo Fernandes/DP/DA Press |
Em julho deste ano, acompanhando o crescimento da tendência break no Recife, foi criado, ainda, pela Cufa-PE, o primeiro site de danças urbanas do Norte e Nordeste, com incentivo do Funcultura. Na página, os adeptos acompanham notícias de concursos, workshops e projetos sociais, como o Cidadania no Morro, organizado por Levi Costa (Bboy Chitos), líder do crew Step Evolution, do Ibura. “Queremos, cada vez mais, preparar os bboys e bgirls para, além de dançarinos, serem produtores culturais”, explica Cesar Cronenbold, presidente da Cufa-PE.
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Poder Feminino Crew reúne bgirls, grafiteiras e MCs. Foto: Acervo pessoal/Divulgação |
Não há um quantitativo oficial dos grupos de breakdance exclusivamente femininos em atividade no estado. Mas Sérgio Matos, à frente da Associação Metropolitana de Hip Hop, que contabiliza e supervisiosa os crews, alega que o número vem crescendo nos últimos anos. Coletivos como o Poder Feminino Crew e o Step Girls são considerados expoentes no segmento. “Com muita luta e resistência, as mulheres do hip hop têm conseguido se impor, ocupar espaços e mostrar seu trabalho. A não-aceitação masculina já foi maior, hoje boa parte expandiu sua mente, aceita e nos apoia”, avalia Laay Silva, representante do Poder Feminino.
Para ela, que fala em nome das companheiras de break (o grupo possui cinco integrantes, entre MCs, bgirls e grafiteiras), os investimentos culturais no setor ainda são insuficientes. “Haveria mais reconhecimento se a sociedade conseguisse enxergar que o hip hop não é apenas uma cultura de entretenimento, mas, sim, uma das melhores ferramentas de inclusão e transformação social”, declara. Vencer resistências duplas (ao movimento break e ao próprio gênero sexual) é um desafio constante na vida das garotas, que aproveitam as coreografias e os traços do grafite para expor argumentos contra preconceitos e, sobretudo, fortalecer o empoderamento feminino.
As meninas ganham cada vez mais espaço no universo do breakdance. Foto: Rafael Martins/DP/DA Press |
>> FIGURINO
O figurino do breakdance é diretamente influenciado pelo estilo afro-americano da periferia do Bronx, onde o clima frio pede casacões e calças compridas. Peças de roupa folgadas facilitam os movimentos e dão fluidez à dança. Seguindo o estilo gangsta, próprio do hip hop, as calças têm cintura baixa e deixam à mostra a roupa íntima. Tênis são imprescindíveis, por questão de segurança, geralmente com cadarços desamarrados. Na cabeça, penteados elaborados, muitas vezes com tranças ou coques, bandanas, bonés ou gorros.
>> REGRAS
Nas competições de breakdance, as disputas ocorrem em modalidade individual, em dupla, trio ou grupo (geralmente com oito integrantes). O objetivo é executar passos mais complexos e mais criativos do que os dos adversários. Não há regras engessadas, mas a principal recomendação é que os oponentes não se toquem, exceto para se cumprimentar.
>> PASSOS
Toprocks: os toprocks são uma espécie de aquecimento, úteis também entre as manobras da coreografia, como uma pausa. Consistem, entre outros exemplos, em cruzadas alternadas das pernas, jogando os pés para frente. São considerados mais fáceis.
Footworks: são passos executados pelos pés, seja enquanto o dançarino está sentado ou mesmo em pé. O “russo” é um deles, feito com o corpo agachado e as pernas chutando o ar.
Drops: são as “quedas”, quando o dançarino, inicialmente em pé, vai em direção ao chão, caindo de diferentes formas - com os joelhos flexionados (drop knee), girando durante a queda (coin drop),
Power moves: são os movimentos mais complexos, cujo objetivo é demonstrar a habilidade e experiência do bboy. Exigem muitas horas de treino, além de força e equilíbrio.
Freezes: o dançarino faz uma pose e “congela”, sem se mover por alguns instantes. O “Y freeze” é bastante conhecido, quando o bboy ou bgirl fica de ponta-cabeça, apoiado numa das mãos, com as pernas esticadas para cima em formato de Y.
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>> INFLUÊNCIAS
Nelson Triunfo: Pernambucano radicado em São Paulo, Nelson Triunfo é considerado o pai do hip hop no Brasil. Ganhou biografia no ano passado, escrita pelo jornalista Gilberto Yoshinaga, sob o título Nelson Triunfo - do sertão ao hip hop. Está entre os principais dançarinos de soul e breaking do país.
James Brown: o “pai” do funk teve as primeiras gravações influenciadas por músicos como Little Richard e Ray Charles. No fim dos anos 1960, lançou Cold sweat, considerada a primeira música funk.
Afrika Bambaataa: Nascido no Bronx dos anos 1950, liderava uma das gangues locais mais temidas, a Black Spades. É considerado o padrinho do hip hop. Criou o “hino” Planet rock e elaborou as bases dos ritmos miami bass e freestyle. Também fundou a ONG Zulu Nation, com ideologias do hip hop.
DJ Kool Herc: DJ jamaicano, Clive Campbell promovia festas no Bronx dos anos 70, aproveitando a ascensão da disco music e reproduzindo hits de James Brown. Transformou a Avenida Sedgwick, onde promovia eventos, em ponto turístico para adeptos do hip hop.
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>> FILMES
Flashdance: em ritmo de embalo (1983)
Uma jovem que deseja se tornar bailarina trabalha como operária durante o dia, e como dançarina numa boate durante a noite. Gira em torno da candidatura dela a uma escola de dança de prestígio.
Wild style (1983)
Mostra a efervescência da cultura de rua no Bronx novaiorquino, destrinchando os perfis de artistas como Fab 5 Freddy, Grandmaster Flash e Cold Crush Brothers. Grafiteiros e dançarinos de break protagonizam as cenas do longa.
Beat street: a loucura do ritmo (1984)
Um dos primeiros a mostrar a cultura hip hop nos Estados Unidos, explora o surgimento do breakdance e do grafite como combate à violência dos guetos dos anos 1980 em Nova York. O músico Afrika Bambaataa, expoente do gênero, interpreta ele mesmo no longa.
Save de last dance: no balando do amor (2001)
Conta a história de uma bailarina que sonha em ingressar numa famosa escola de ballet clássico, enquanto sofre resistência por ser branca e morar num bairro afro. Se apaixona por um jovem negro, dançarino de hip hop.
>> GRUPOS
Step Girls: 9 8506 5420
Sertão (Exu): (87) 9 9645 7830
Step Evolution: 9 8551-4786
Blackart Crew: 9 8848-3764
Poder Feminino Crew: 98503 1456
>> VÍDEO
No vídeo abaixo, confira depoimentos de bboys pernambucanos sobre o crescimento do breakdance no estado.
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